quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Mata-psicologia e meta-arte


Hoje eu vim falar de Psicanálise. Não que nunca tenha falado dela, não que ela esteja ausente em outros textos por mim escritos, mas hoje eu vim falar especificamente de Psicanálise.

Já que viso me deter nesse tema, não posso esquecer do vienense audacioso que inventou lá a tal “arte”. Para Freud, a sua Psicanálise é a metapsicologia, uma Psicologia, assim, que vai além, para além dela mesma, para além do consciente e , especialmente, para além do individuo, buscando o sujeito, aquele que mora aonde não pensa.

Eu vejo a Psicanálise como uma arte, ou, se eu quiser seguir o “criador”, é mesmo uma meta-arte essa tal de teoria psicanalítica. Pesadelo da medicina positivista ocidental, revolução paradigmática, a Psicanálise nos interroga a todo momento, nunca fornecendo respostas. Digo que o que ela faz é mais o trabalho de semear a discórdia do que de plantar a harmonia – haja visto ser criação de uma mente judia, sentimentalismo cristão ou noções de piedade e fraternidade parecem não combinar com a tal arte.

Mas, o que seria uma meta-arte? Por que eu falo que isso se parece ou pode ser mesmo identificado com a criação freudiana?

Para além da arte. Não é esse o caso daqueles que se debruçam diante de uma obra literária, de um filme, de uma poesia, de um quadro, até numa música? Essas são criaturas curiosas que buscam psicanálise em todo lugar, em todo lugar que haja sujeito do inconsciente, por isso sujeito do desejo.

Acho que a meta-arte não está apenas quando se analisa uma obra de arte, não, não é como a poesia de Drummond, que falava da metalinguagem da poesia; a minha definição de meta-arte não equivale ao psicanalista que, por ser afeiçoado a literatura ou a pintura, resolve investigá-las sob o viés da teoria psicanalítica.

Na verdade, toda a Psicanálise, toda a tarefa do psicanalista consiste numa meta-arte, presente na escuta e, como toda a arte exige um mínimo de talento, então, cabe analisar o que há de tão especial.

Freud que me perdoe, sei que não sou ninguém para julgá-lo, digo mesmo que é uma personalidade por mim muito estimada, que tem feito a diferença na minha vida. No entanto, não concordo que a criação freudiana seja resumida a uma metapsicologia. Se me permitem o trocadilho, na verdade, um ato falho, considero que seja a Psicanálise uma mata-psicologia.

Parece que essa foi pesada. Mata-psicologia, meta-arte. Do que diabos essa criatura está falando, alguém pode pensar. Mata tudo antes concebido, mata aquela psicologia de auto-ajuda que abarrota as livrarias, mata a psicologia que abomina ouvir falar no tal Acheronte nosso de cada dia. Mata mesmo e nada mais artístico do que matar o que está estabelecido.

É nesse ponto que cabe agora a explicação sobre a tal meta arte. Eu digo arte, porque não é a todo mundo que a Psicanálise é passível de aplicação. E com isso eu não falo de pacientes, não falo aqui de pré-requisitos necessários para uma pessoa poder deitar-se num divã.

Eu falo do analista. Nem todo mundo pode sê-lo, não basta querer. Nada disso é especial, afinal, para ser jogador de futebol também não basta querer, é preciso saber chutar.

Por isso, nem todos podem ser analistas, o que é fantastico. Um sujeito pode saber de cor todas as virgulas escritas por Freud em suas obras, pode ter decifrado todos os matemas lacanianos e suas fórmulas complexas, pode ter até desatado o nó borromeu, mas, escutar, escutar com um ouvido psicanalítico, aí sim, aí é preciso arte: Meta-arte.

O mais triste de tudo isso é que muita gente jura que faz Psicanálise,muita gente – o que é grave – abre consultórios jurando que é disso de que se trata. No entanto, há psicanalistas sem anel (vide a sociedades das quartas-feiras criada por Freud), há
psicanalistas sem formação do IPA (international psychoanalitic association), há mesmo psicanalistas aonde menos se espera. Alguns desses são até melhores do que os pretensos freudianos ou do que os esnobes lacanianos.

Tal como há algo de podre no reino da Dinamarca, no reino de Freud parece que muita coisa não cheira bem também. É preciso arte, e é preciso ouvidos, muito mais do que bocas, para dar a cara a bater , mesmo que esse outro esteja de costas.

Não é a sabedoria de botequim que se vende por aí que faz alguém entender de psicanálise, tampouco é apontar atos falhos a torto e a direito. Não, Psicanálise também não é saber fazer trocadilhos legais em torno de palavras que, realmente, pedem muito uma piada de duplo sentido (apesar de algumas “sumidades” lacanianas utilizarem demasiadamente tal artifício).

É aí na encenação que se faz no setting nosso de cada dia que é preciso arte. Não digo tanto talento dramático, mas saber escutar, despojar-se até de Freud, largar os livros, e apenas escutar. Saber escutar, o que nada tem a ver com o ouvir.

Eu não sou psicanalista, o que eu sou é uma reles recém formada na tal psicologia, quem dera um dia ser formada na mata-psicologia. No entanto, eu acho que tenho algum respaldo pra dizer que fazer Psicanálise vai além de ler Freud, vai além da ignorância que diz-se sábia, e vai além da pretensão.

Fazer Psicanálise, me parece, é uma outra história. Faz-se no contato com o outro, faz-se na entrega à transferência que, certamente, um dia virá. Fazer psicanálise, pra mim, é saber que não vai se escapar à contra-transferência e nada que não se pareça com isso é Psicanálise.

Cabe também dizer, que para ocupar o lugar do “sujeito suposto saber” do qual fala Lacan, é preciso mais, bem mais que teoria; é preciso dimensionar-se enquanto humano, e , humano é errar, humano é falha por excelência. Caso fosse o contrário, não seria chamado de suposto.

Acredite, é apenas suposto, você não é uma criatura melhor do que os outros porque é psicanalista ou pretende sê-lo, você não é mais inteligente, nem mesmo mais astuto.

Você não é melhor que ninguém porque está na poltrona e não no divã.Você nem mesmo é alguém, porque ali você é um pai, uma mãe reeditada.

No máximo o que você pode ter é um ouvido agudo e afeiçoado à arte. Meta arte é o que tentamos ao escutar um discurso com outros olhos e ouvidos.

Portanto, vamos entender que da verdade ninguém sabe. Se Freud não dominou a própria criação, o inconsciente, não vai ser um qualquer que conseguirá; lembre-se que você também tem o seu, não só a criatura dita perturbada, a que pede atendimento. Então, contente-se em ser um artista ao escutar e console-se com isto.