quarta-feira, janeiro 30, 2008

Van Gogh vai ao divã (com pincel ou sem pincel?)



"Quando se tem saúde, tem de se poder viver dum pedaço de pão e com isso trabalhar o dia todo e ainda ter força de fumar e beber um copinho; disso precisa uma pessoa nestas circunstâncias. E ao mesmo tempo sentir as estrelas e o infinito lá em cima. Então a vida é apesar de tudo quase fabulosa. Ah, quem aqui não crê no sol é um ímpio".


Van gogh



Poderíamos deduzir a partir da frase acima que Vincent seria, se vivo fosse, um daqueles workaholics, viciados em trabalho, que não tiram férias e que, mesmo assim, consegue reservar um espacinho para tomar um chopp com os amigos, jogar conversa fora, rir... o famigerado "Happy Hour".

Poderíamos inclusive dizer que Van Gogh era um cara feliz, e, quase parafraseando Ivan Lins, achava que a vida poderia ser maravilhosa, ou, quase toda fabulosa, como bem disse com suas palavras.

A verdade, entretanto, é que Van Gogh não era um cara tão bem resolvido assim: sua vida amorosa quase inexistente se resumia a alguns poucos amores platônicos, casos de um dia com prostitutas, amores mal resolvidos. Arrisco dizer que o grande amor de sua vida era seu irmão Théo, com quem trocava constantes correspondências durante muito tempo de sua conturbada vida, entre uma internação psiquiátrica e outra. Théo lhe dava a mão, um pouco de dinheiro e também pão.

Van Gogh era um cara impulsivo, bastante impaciente e notadamente romântico em tudo que fazia; seus quadros exalavam paixão através das cores, dizia amar o amarelo, quem não conhece os girassóis? Apesar de descarregar na sua arte todo a agonia interna, apesar de com o pincel buscar impulsivamente falar de si, Van Gogh era infeliz.

Vejam vocês, enquanto hoje em dia meio mundo de pessoas fazem rabiscos contemporâneos a giz, emolduram algum objeto sem sentido e fazem disso arte, vendem-na como banana em feira, Van Gogh, em seu tempo, pintava seu " semeador", ou seu "o comedor de batatas" , não recebia quase nada por isso e ainda, como bonificação, era infeliz.

Mesmo sendo um cara tão talentoso, tão avesso às regras da tradicional escola impressionista que tanto o influenciou, Van Gogh era, no fundo, um romântico, pintava pra falar da agonia que em si habitava, pintava para dizer algo, seja isto alegria, euforia, impulso, paixão ou tristeza, mas pintava:muitos quadros ao mesmo tempo, dizia perder a consciência enquanto pintava, parecia viver em um universo paralelo e que dele retornava, sempre, com alguma tela recheada.

Interessante é que, por mais que muita gente tente provar o contrário, nada, mas absolutamente nada escapa ao inconsciente, e esse, faceiro que só ele, acaba aparecendo, numa tela ou noutra, num livro ou noutro, numa poesia ou noutra, numa identificação, ou noutra. O inconsciente sempre está procurando escapar, por alguma via, dos domínios da tradicional e anêmica consciencia.

Com isso quero dizer é que, mesmo que Van Gogh se esmerasse para superar os seus precursores, seus professores, sua obra era marcadamente romântica, cheia de paixão, e, por isso, cheia de inconsciente. Abundantemente inconsciente e qualquer um que tenha prestado atenção alguma vez em Psicanálise poderá perceber que as constantes mudanças de hospital, as mudanças de cidade, as desilusões amorosas, as perdas, tudo, enfim, estava ali nas telas as quais os críticos de arte separam, analisam e didaticamente as distingue em "períodos".

Então, existe a fase de Arles, em que Van Gogh parece estar mais feliz, o amarelo é ressaltado, o mesmo pode-se dizer de Gaughin, de Picasso, fase rosa, fase azul.

Eu sou contra essas classificações. De verdade. Eu acho que, como já diria alguém no orkut (hahahaha) definir é limitar. É é. Ao separar Van Gogh em Van Gogh de Arles, Van Gogh dos girassóis, Van Gogh de Saint-Rémy estamos dividindo o próprio Van Gogh, esquizofrenicamente, diga-se de passagem.

Tudo bem, didaticamente é interessante para que as pessoas aprendam que existem "fases" na obra do pintor, marcadamente influenciadas pelo que passa em sua vida, é assim que fomos acostumados a entender, sem falar nada sobre inconsciente.

Basta pegar qualquer livro da Taschen que você verá a separação dos tópicos relacionados às "fases" as quais marcam "vida e obra de fulaninho".

Eu prefiro considerar Van Gogh um gênio de seu tempo, e , como todo gênio, atormentado, dividido em várias partes (vide a psicose que sustentou durante sua vida e que o levou ao suicídio), não em partes que possam ser didaticamente determinadas utilizando as cores como critério, ou o lugar, enfim, mas em partes de pessoas, como eu e você, que tantas vezes nos quebramos, nos colamos , quebramos de novo para nos colarmos em seguida e muitas vezes não fazemos nem um rabisco no papel, quanto mais pintar um quadro

Diante de tanto remendo, é impossível ser o mesmo e não precisamos ser Van Gogh para nos considerarmos seres , em algum determinado momento de nossas vidas, atordoados, cansados, desiludidos e fragmentados.

Obviamente há momentos de esperança, veja você, o próprio Van Gogh dizia, em um dia em que certamente acordou de bom humor, que a vida é quase fabulosa. Nós também podemos dizer isso, pois não nada melhor, ou ainda não inventaram, a sensação de renorvar-se constantemente, de aprender a cada segundo e de respirar novas correntes de ar no momento em que estas nos chegam aos brônquios e aos pulmões.

Assim, viver vale a pena, expressar nossas paixões vale muito a pena, seja isto feito através da pintura, da literatura, da música, da escultura, do teatro, da dança...enfim, podemos expressar nossas "artes" internas até mesmo nos identificando com um vídeo que vemos no youtube. E isso é pura e simplesmente Psicanálise, é inconsciente e , por isso, tão palpável, mesmo que aparentemente transparente.