sexta-feira, abril 24, 2009

Entre as cartas e a verdadeira história de Antoine de Saint-Exupéry



"Não há pequeno príncipe hoje, nem haverá nunca mais. O Pequeno Príncipe morreu. Ou então tornou-se muito cético. Um Pequeno Príncipe cético não é mais um Pequeno Príncipe. Fiquei magoado com você por tê-lo destruído"



Antoine de Sant-Exupéry




Estas são as palavras amargas do pai do pequeno príncipe. Na verdade, este é um pequeno trecho de uma das cartas que Exupéry endereça a uma mulher jovem, casada e grávida. Como se pode notar, o pai do menino dos cabelos dourados como trigo parece desacreditado da vida, e, sobretudo do amor.



Em O amor do Pequeno Príncipe : Cartas a uma desconhecida ( Nova Fronteira, 2009) somos apresentados a um Exupéry diferente do que acostumamos a reconhecer através do Pequeno Príncipe.



Consta que, durante uma viagem de trem, Exupéry apaixonou-se por uma jovem enfermeira que imediatamente vira a menina de seus olhos, a musa para quem escreve cartas recheadas de um amor quase pueril, doce, mas, ao mesmo tempo, corrompido pela desesperança frente à vida.


Para os que não conhecem a história, o pequeno príncipe tornou-se célebre no mundo todo por sua doçura e simplicidade, especialmente pelo amor puro que devota a sua querida rosa, motivo pelo qual sai a perambular planetas a dentro, em busca de verdades, de amigos, tais como a raposa. O que se conhece do livro que, na verdade, é um conto é esse amor devotado, cativado e inocente o qual le petit prince reconhece na rosa, a única para ele.


No entanto, quem quer que se disponha a passar meia hora na companhia de O Amor do Pequeno Príncipe, notará que muito pouco existe de principesco nas cartas do homem Exupéry. Chocada com a desesperança e amargura do autor que conseguiu idealizar uma das personagens mais puras e belas de toda a história da literatura infantil, resolvi buscar algo mais.


Foi então que cheguei à Verdadeira História do Pequeno Príncipe ( Novo Século, 2008). Neste livro, Alain Vircondelet, competente biográfo de Antonie de Saint-Exupéry, nos revela a verdadeira face do homem por trás do mito. Eis um livro interessante. Deixo claro que o conteúdo do livro é excelente e até permite que o leitor seja um tanto indulgente no que se refere ao trabalho de edição: há erros de portugûes, há também, a meu ver, certos erros de tradução, não sei, a leitura não é tão fluida. No entanto, nada disto mata o desejo do leitor mais empolgado de ir além e dar prosseguimento a esta aventura que se chama o folhear de um livro.


Detalhes à parte, a partir deste último livro, percebo que o título da obra anteriormente citada, O amor do Pequeno Príncipe: cartas a uma desconhecida, não parece ter sido bem escolhido, há, obviamente muito em Exupéry que não é resquício da sua célebre personagem, sigamos Foucault e , por favor, deixemos esta mania de adivinhar o caráter do autor através de sua obra.


A conclusão que pude chegar é que Exupéry não é o pequeno príncipe, logo, ele não é obrigado a encarar a vida tal como seu personagem, também não é obrigado a devotar a toda mulher o amor que o principezinho devotou a sua rosa.


Exupéry era um homem em conflito, vivendo uma vida adulta insatisfatória, sempre em busca das quimeras de sua infância. Uma criaça exigente, ora doce, ora birrenta aprisionada no corpo de um homem adulto, homem este que, muitas vezes deixa-se contaminar pela depressão, melancolia e pela tristeza ante a infância perdida...Ah, agora me lembrei de Casemiro de Abreu, "Oh que saudade da infância querida".


É o que podemos entender da obra de Vircondelet: Exupéry trazia engendrado em si a marca da melancolia e da infância perdida, a tristeza ante a finitude da vida e a passagem do tempo. Compreendendo então este pano de fundo, há que se entender as cartas amargas de Exupéry à tal enfermeira.


Foi apenas depois da leitura de Vircondelet que comecei a entender que, realmente, autor não tem obrigação de pensar que nem personagem. Ele sofre, amarga, ressente-se das pessoas, do amor e da vida e tudo que não pareça com isto pode ser chamado de ficção. O Pequeno Príncipe nasceu da sublimação de um homem que, não sabendo lidar com a vida, encontrou na literatura uma forma de matar a saudade da ingenuidade ora perdida, ora desacordada. Nesse sentido, não dá para cobrar de Exupéry cartas mais doces, mais puras, cartas talvez que fossem mais da autoria do principezinho do que do homem angustiado.


É, alguns dizem que a vida imita a arte e ficção muitas vezes rima com verdade, eu cá comigo acho que Exupéry mostrou sua face de adulto na angústia e na melancolia que endereçava à enfermeira na forma de missiva.

Esqueçam o pequeno príncipe, apesar de sua celebridade. Vejam o homem que chora, que se corrói e que briga consigo mesmo. No fim, o que mais dói é termos perdido um homem tão singular de forma tão prematura: le petit prince não deixou herdeiros - consanguíneos.

segunda-feira, abril 20, 2009

Feminices e algo mais


" Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três destas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então, também é louca. E fascinante"


Martha Medeiros


Este é um trecho da crônica Doidas e Santas, do livro homônimo de Martha Medeiros. Engraçado. Eu sei que muitos nem conhecem Martha, nunca viram seus livros nas pratileiras de livrarias, a não ser agora que a globo filmes lançou Divã. Bem, irrelevâncias à parte, vou lhes dar bons motivos para conhecer melhor esta autora gaúcha que, se não é imortal, ao menos muito aprendeu com alguns deles, como Machado de Assis, por exemplo.

Os motivos para ler Martha são muitos e eu não serei presunçosa aqui de dizer que pretendo esgotá-los, tampouco pretendo convencer os mais céticos, os ditos "amantes da boa literatura".


Ora, o que faz uma literatura ser enquadrada na classse superior da " boa literatura"? Certamente alguns dirão que o conteúdo da obra - sem dúvida, isto é mais que essencial quando se pretende passar algumas horas virando páginas: é essencial que estas páginas valham o esforço muscular compreendido no virar das folhas. Outros, entretanto, dirão que uma boa literatura é feita de autores renomados. Não concordo. Há muitos desconhecidos que fazem boa literatura no quintal da casa deles, sem editora nem nada, e , mesmo assim, são ótima literatura.

Martha para mim é boa literatura. Mesmo que não entenda de psicanálise, isto ela até diz com todas as letras. Martha é boa naquilo em que todas nós, mulheres, achamos ser boas ou nos declaramos péssimas: ser mãe, ser esposa, namorada, mulher, profissional...e haja autocrítica!

É aquela coisa chamada "intuição". Alguns a reduzem e chamam de "intuição feminina". Eu , não querendo agradar nem a gregos nem a troianos, não digo "intuição" e também não particularizo com "intuição feminina".

Martha é boa em feminices. em Doidas e Santas (L & PM, 2009), o leitor vai se deparar com um compêndio de 100 crônicas que a autora publicou nos dois mais renomados jornais diários de Porto Alegre. Martha falará da necessidade imperativa de toda mulher em viver até a "última gota", de fazer todo o trajeto valer a pena, dedicando-se ao amor, às artes e em especial, a vida, em seu mistério.

Tudo bem, você pode pensar que muito já foi dito sobre o tema. Eu até concordo, afinal, feminices não é um tema nada original, no entanto, o que há em Martha de especial? Acredito que Martha tem uma sensibilidade aguçada capaz de fazer a leitora ( e agora me dirijo a elas) pensar: " - Mas é bem assim!". E isso é muita coisa.


Tal como Divã, estas crônicas de Martha, escritas no período compreendido entre 2005 e 2008, nos abrem os olhos sobre as pequenas artimanhas de ser mulher, sem , entretanto, incorrer em feminismos, em uma diferenciação que beira o radicalismo. Pelo contrário, homens também sentem suas masculinices, e como sentem! Porque todos temos nossas questões, e, o que Martha faz é falar direto a alma , ao coração, ao cérebro, enfim, ao órgão que você eleger, de quem busca um livro, assim, sem pretensão, esses que só são adquiridos para cumprir o dever com o hábito da leitura, assim, descompromissada.


Porém, que engano! São nas leituras que encontramos menos pretensão que podemos adquirir as maiores lições. Claro, existem exceções e digo mesmo que há muito livro de bolso por aí que não vale o bolso que lhe abriga. No caso de Doidas e Santas, o leitor e a leitora - aqui vamos dar vivas à igualdade entre os sexos - encontrarão uma grata surpresa de aprender, de se deixar tocar pela visão mezzo-irônica, mezzo-cética de Martha, que, afinal, deve existir em cada um que se presta a ler.


Doidas e Santas , apesar de tratar , em grande parte, de feminices, não se limita a elas, pois é, sobretudo, um livro sobre como lidar com o mistério da vida, esta que nós é dada de graça e que, nem por isso, deve ser vivida sem alguma responsabilidade.

Isso para mim já é motivo suficiente para fazer do livro de Martha uma boa literatura, ou não é a boa literatura aquela que , mesmo falando de outros, continua falando como se diretamente a nós?