sexta-feira, março 30, 2007

Reflexões de uma psicóloga recém-formada



Quando você sai da faculdade, que alívio! Parece que todos os compêndios, todos os livros, todas as teorias e procedimentos foram, enfim, encasquetados em sua cabeça e agora você é alguém apto para assumir o posto de profissional.

Quando você sai da faculdade, você parece mais maduro, parece mesmo assumir um ar grave, mais pausado, como se houvesse adquirido uma certa rigidez, ou uma certa tranqüilidade, confundida, muitas vezes, com serenidade.

Enfim, após seis longos anos esquentando as cadeiras semi-quebradas da universidade federal de alagoas, você parece ter saído de uma guerra, vai andando , rastejando, esfarrapado e talvez até com marcas de tiro pelas calças. Você venceu, atravessou greves, chuvas e ruas enlameadas. Você finalmente se formou, tome o canudo!

O que se espera de um psicólogo recém-formado? Eu agora pergunto a você, porque eu também não sei responder. Eu só posso conjecturar.

Será que esperam que tenhamos mais maturidade, mais “serenidade” para tratar dos outros? Será que esperam equilíbrio emocional, visto que, quem passa por seis custosos anos na Universidade Federal de Alagoas, agüentando, muitas vezes, professores medíocres metidos a suposto-saber, deve ter, no mínimo, alguma coisa como sanidade mental, o que o difere, logicamente, da raça dos que vão pagar pelos serviços que vamos oferecer?

Será que esperam que nos sujeitemos a salários humilhantes porque carregamos conosco o triste prenome de "Recém formado"? O que esperam de um psicólogo recém formado?

Eu faço essa diferenciação, obviamente pelo motivo que sou psicóloga, e não teria sentido eu falar aqui de um biólogo recém formado, posto que não sei o que as algas têm de especial que possa fazer de um recém formado biólogo uma criatura diferente de um biólogo com 10, 20 anos de estrada.

Não entendo de Biologia, então fico com a Psicologia, não por entender dela, mas, por presumir que meu conhecimento acerca do comportamento humano é infinitamente maior do que qualquer coisa que eu possa saber sobre plânctons ou medusas, ou fungos, ou o que os valha.

Somente o psicólogo recém-formado se depara com uma questão cruel, uma questão que nos é lembrada pela sociedade a todo minuto: Você estudou, presume-se que os longos anos, a entrada no mercado dos estágios, a passagem pelo trabalho de conclusão de curso faça de você uma pessoa mais madura, isso mesmo, de novo, mais serena, e agora, apta a cuidar das mentes alheias.

E por que não antes? Porque antes você nada sabia. Essa transição de estagiário/estudante para profissional da psicologia é desestruturante, muitas vezes alucinante, como em outras profissões também é, mas, no caso da Psicologia, o negócio é pior: Como asssim, você é Psicólogo e não sabe da sua vida? Como não consegue ter maturidade suficiente para lidar com o fato de que, agora, você é um desempregado, mas, com um canudo na mão?

Como vencer essa situação parece um mistério. Alguns resolvem (tentam) isso em suas terapias, que muitas vezes começaram dizendo que era uma “exigência curricular” (anhan, ok) mas que também não é fonte de alívio completo, uma vez que, não se esqueça, você é desempregado, mal tem dinheiro pra pagar o CRP (Conselho Regional de Psicologia) e depende dos pais, então, como pagaria as sessões no terapeuta, no analista, pra falar do sofrimento psíquico que é ser desempregado, da dor existencial da depressão pós-TCC?

Não, certos luxos, por favor, têm que ser cortados. Porém, você é um profissional, levante-se. Ânimo! É o que digo a mim e a muitos que estão na mesmíssima situação. Há de existir alguma alma caridosa que confie em seu potencial (que na verdade você não tem) e que o ajude a ser alguém na vida, talvez daí, de um emprego, de um salário em dia advenha serenidade e tranqüilidade (vamos ser objetivos, essa é a vida real).

Apesar da descrição da vida difícil do psicólogo cheirando a leite, cabe aqui acrescer um fato bom, uma luz no fim do túnel, uma vantagem, enfim, de ser recém formado: o orgulho e a soberba que podem ser encenados diante dos que ainda não se formaram. Veja bem, você pode não ter emprego, nem dinheiro pra pagar a anuidade do CRP e nem pra continuar a terapia, você pode não ter dinheiro também pra participar dos eventos sempre tão estimulantes e dos coffee breaks tão pobres lá servidos, mas aquele olhar de quem já passou por tantos percalços, leituras, seminários, isso você pode ter, ou ensaiar.

Isso mesmo! Ainda há um motivo para sorrir: Passar diante dos que não são formados, dos que ainda esquentam as regiões traseiras nas cadeiras carcomidas da Universidade Federal de Alagoas, ou de qualquer instituição que se denomine de ensino.
Ora, todos nós sabemos que o ambiente acadêmico é um ninho de cobras, cada um querendo passar a perna (cobra tem perna? Ai como queria entender de Biologia!) no outro, é concurso pra lá, fraude pra cá, então, se o ambiente já é assim nefasto, por que não dar a sua contribuiçãozinha de maldade e desfilar um certo ar esnobe diante dos aprendizes, inferiores que são?

Aí você pode, esquecer as misérias da sua vida, e desfilar um sorrisinho no rosto de suposto-saber. Ahá, eu sei mais que você, eu já passei pelas fases turbulentas, eu já li Freud, Lacan, Winnicott e Klein e, obviamente, já apresentei meu TCC, inclusive abracei a teoria das minhas entranhas, que, claramente, é a melhor de todas, isso me faz melhor que você! Puro engodo, pobre de nós... é uma defesa tão triste, mas que dá um consolo, isso dá.

Não somos nós que entendemos de fantasia? Que tal esta? Se não há dinheiro, só nos resta é o imaginário, nele podemos vestir as roupas mais bonitas. E haja tarja preta!