sábado, fevereiro 09, 2008

Ode a uma amizade disfarçada de crítica literária (pessoal)


“Amigas morrem de rir, mesmo em velório. Amigas debocham, liberam, recordam, comentam, confessam, perdoam, comungam e exorcizam fantasmas com litros de vinho branco. Duas amigas e uma tarde livre é o paraíso.”

Martha Medeiros – Divã

Em pensar que eu li esse livro numa tarde. Já faz um tempo. Lembro-me bem de como foi aquela tarde, chuvosa, cansativa, tinha andado pelas ruas de uma cidade que de tão pacata era entediante, mas que estranhamente, parecia perigosa aos meus olhos.
Era uma tarde chuvosa e eu só queria me deitar e ler umas 20 páginas, tava bom. Só que, aí que está, o livro me puxou pela mão, foi me guiando por mares nunca antes navegados, sequer imaginados, me fez compreender muita coisa.
Ler Divã pra mim foi como exorcizar vários fantasmas, foi abrir o extintor de incêndio e dar a cara a bater, mas não tanto quanto Martha o fez, posto que ao leitor cabe aquele lugar discreto de quem concorda com as palavras que lê, porém o faz de um lugar ali na última fileira do cinema da covardia, pertencente àquele que queria dizer tudo aquilo, mas, na falta de coragem ou de talento, prefere ler o que os outros escrevem de semelhante ao que se passa em sua alma do que se atrever a rabiscar um papel – mesmo nessas definições, ainda é covardia.
Pois então, covardia foi a minha de ler Divã e me reconhecer em cada linha, em cada frase, reconhecer a mim e a muitas mulheres que ouvi, seja por profissão, seja por amizade, porém o fiz calada, assentindo com cada frase de Martha, mas em silêncio, o silêncio familiar aos mais ávidos leitores. Se alguém pudesse descobrir o tanto que o livro me guiou fá-lo-ia ao saber que devorei aquelas paginas em umas duas horas.
Ainda assim, devorado, o livro não cansa de ser digerido. Transformei em fichamento, em material de leitura obrigatória. No entanto, é balela, faça-me o favor, vai virar referência bibliográfica, mas, mais que isso, vai virar referência interna.
Hoje volto ao fichamento. Mesmo sendo uma preciosa ferramenta para aqueles que se envolveram na árdua tarefa de pesquisa, o fichamento de Divã não foi algo puramente racional não, quis reter, de alguma forma, tudo aquilo que o livro precipitava em minhas moléculas, na falta de fazê-lo de outro modo, taquei-lhe um fichamento, que é o que sei fazer mesmo.
O negócio é que o famigerado fichamento veio até mim por causa de uma grande amizade. Sim. Aparentemente desconexa, a relação que fiz entre a amizade em questão e Divã pra mim significa muito. O fato é que perderei o convívio de uma das melhores amigas que consegui manter nesses meus 25 anos de existência.
Triste conexão, mas, não me arrependo de ter aberto o fichamento e me relembrado do cheiro das páginas daquele livro rosa. Quantas horas passamos falando exatamente o que Martha fala como quem fala poesia? Quantas horas passamos rindo, tristes, felizes com a cumplicidade que soubemos construir de uma maneira quase criminosa?
Eu reconheço essa amizade em Divã. Mesmo que não estejamos nós duas juntas, na maioria das vezes, a cumplicidade é digna de um livro, e eu, na falta do talento da Martha, tenho apenas esse lugar pra dizer dessa relação tão natural e tão doce, tão certeira e ao mesmo tempo surpreendente, que, se não reserva encontros tão freqüentes agora, ao menos continua prometendo ocasiões felizes, cheias de alegria e cumplicidade, mesmo que agora sejam mais espaçadas.
Amigas são isso, divertem-se em velórios, riem na hora proibida, são capazes de ficar felizes na ausência uma da outra, sentir empatia nos momentos necessários e também nos desnecessários. Amizades como essa não morrem jamais – e digo isso com uma certeza tranqüila, daquelas que só se tem quando o sentimento é puro e nobre.
Amizade como a nossa me faz um ser melhor, e me faz querer ser melhor sempre, me faz empática, me faz sorrir em um ônibus numa cidade estranha, há quilômetros de distância de você só por te ver feliz. Amizade como a sua me faz tomar as suas dores como minhas, querer a sua felicidade e me empolgar com tudo que lhe ocorre.
Eu te desejo sorte. Farei o meu caminho também e espero estar junto a você para novas estórias escrevermos. Amizade é isso, um carinho infinito, uma lembrança precisa no folhear de um livro que diga sobre mulheres. E eu sou muito feliz por ter você em minha vida, mais mulher e mais cúmplice a cada dia da sua feminilidade, da sua garra e da sua persistência.
Lara: o mundo é seu e parte do meu coração também. De sócias à cúmplices.