segunda-feira, janeiro 05, 2009

Conto do Imaculado




- Mas veja só se não é o meu compadre tão querido!


- Mas veja se este não é o meu velho companheiro de aventuras!


- Rapaz, eu sou o mesmo e tu também pareces que nada mudou, o tempo, se não te fez bem, também não te foi impiedoso. Continuas com a mesma cara de menino! Conte-me, o que andas fazendo, ainda moras nesta galáxia ou estás apenas de visita?


- Ora, ora camarada, eu estou aqui, no lugar de sempre. É que o ofício me ocupa o tempo e deu-se que casei...sabe como é...os deveres do matrimônio não deixam folga praquela vida que vivíamos no passado...


- Espera, não continues...casaste? Quem te quis? Eu não consigo imaginar-te casado...se tu me falares agora que as nuvens são de algodão e que o oceano é amarelo, eu não mais duvidaria.

- Não duvidarias? E se eu te contar algo mais assombroso que meu matrimônio, será que teu coração resiste?

- Mais assombroso? Não te entendo, agora a coisa toda ficou muito enigmática. Acaso teu ofício é de santo casamenteiro? Algo assim? Sim, porque se não te imaginava casado tampouco te concebo ligado a qualquer coisa divina, apesar da aparência de beato.

- Ah, meu amigo, sempre tão fanfarrão e esperto! Não tem a ver comigo, mas tem algo a ver com coisas divinas, se queres bem saber. Soubeste do Imaculado?

- Imaculado? Nosso apático amigo de futebol? O goleiro?

- O próprio. Imaculado, o mesmo. Pois agora acho que devemos até nos alongar nesta prosa. Acompanha-me ao café? Lá conto sobre o nosso goleiro.

- Tua sorte é que tempo é algo que a mim não falta. Anda, escolhe o café que minha curiosidade pegou na mão da ociosidade e agora teremos que pedir quatro cadeiras. Serei todo ouvidos, sabes bem que não é questão de gostar de falar da vida alheia, mas sim de manter-me informado.

- Sei que tu, como jornalista formado, tens mesmo é muito amor pela noticia. Mexericos? Isso é coisa de amador. Vamos ao velho café de sempre aonde nos reuníamos antes do futebol. Suponho que lá seja o melhor lugar para contar-te sobre Imaculado.

- Essa atmosfera de suspense está me matando. Caminharia o quanto fosse necessário para saber o que se deu de tão extraordinário com aquela criatura pacata. É coisa de morte ? ele matou alguém? Se for isso, podes me pagar todas as apostas que fizemos, sempre te alertei que Imaculado tinha um quê de anormal, uma coisa de psicopata no olhar que não me deixava enganar nem pela fala mansa e nem pelo jeito de bom moço. Matou alguém , eu sempre soube que cometeria um crime passional...que bom que me afastei, poderia ter sido eu a pobre vítima que conheceu a força do punhal do Imaculado...

- Acalma-te! Mal chegamos ao café e já colocas tua imaginação barata à serviço da prisão do pobre homem...sente-se aqui. Vou dizer tudo para que tu saibas exatamente o que se passou.

- Não foi caso de morte? Ora, realmente, o Imaculado era incapaz de fazer mal a uma mosca, e caso o fizesse morreria ele de sentimento de culpa. Era muito tolo mesmo o Imaculado...mas conta!

- Eis que Imaculado estava num ponto de ônibus. Como este aqui em frente. Se tu bem lembras da alma do Imaculado, sabes que não houve criatura no mundo que honrasse mais o nome que aquele pobre infeliz. Ingênuo e bom , tu sabes quantos gols ele deixou passar por entre as pernas somente para nos ver felizes? Exato, muitos.

- Sim, eu lembro. O pobre diabo não tinha opinião e nem gostava de ver ninguém triste. Preferia que fosse ele o infeliz, pois acreditava que a felicidade que por ventura qualquer lhe chegasse seria demais para ele, logo a passaria a diante, a quem melhor a merecesse.

- O próprio! Ainda bem que lembras do Imaculado. Fato é que Imaculado vinha atravessando a rua com aquele andar próprio dele, esquecido da vida, talvez pensasse nos seus números. Lembras que ele gostava de números? Ímpares, pares ou primos, adorava contá-los nas letras, nas palavras dos out-doors?

- Como esquecer? A criatura era uma sumidade em matéria de contar. Não me espantaria se descobrisse que contava quantos passos dava por dia. Mas me conta, eu sei bem de quem se trata, nosso goleiro era uma peça, mas , conta-me tudo, eu não saio daqui sem a estória do Imaculado.

- Acalma-te que estou tentando. Veja bem, Acontece que Imaculado vinha andando alegremente por uma rua parecida com esta, talvez com menos postes, mas o fato é que vinha andando quando avistou uma senhora. Como era de seu costume, cumprimentou-lhe.

- Para!Ah! Eu já sei! Imaculado apaixonou-se violentamente pela tal senhora que viu pela rua, casou-se e hoje é um respeitável pai de família, deve ter uns seis filhos!

- Aguarda. O melhor estar por vir, na verdade o pior. Nada tem a ver com casamento a estória do Imaculado. Mas se te apressares assim, invento qualquer coisa e saio daqui sem lhe dizer a verdadeira saga do goleiro.

- Hum, não é coisa de assassinato e nem de casamento...Bem, não sei. Rendemo-nos, eu, minha curiosidade e a ociosidade à tua língua. Não sei o que pode ter acontecido com Imaculado, desisto.

- Pois então escuta: Imaculado acenou para a senhora que já devia ter seus oitenta anos. Acenou, deu-lhe bom dia e os que lá estavam dizem que a velhinha também lhe acenou. Passaram um pelo outro até que Imaculado sentou-se para contemplar um pombo ou sei lá que outro animal que estava ali. Era uma praça.

- Sim, conta-me, foi Imaculado engolido por um pombo gigante e faminto? O que tem a ver a velhinha?

- Imaculado sentou-se. Ficou ali a olhar o pombo ou beija-flor, não sei bem o que era. Mas estava ali, olhando algum animal, quando avistou a mesma velhinha ser assaltada por um sujeito muito alto e com cara de marginal da pior espécie. Logicamente, e se tu conheces o Imaculado, sabes o
que ele tentou fazer.

- Imaculado matou o marginal e desposou a velha!

- Teu humor é ótimo, mas não é apropriado para o que te conto. Vai escutando. Imaculado, como era de se esperar, foi a passos rápidos ao encalço do bandido. Dizem, quem lá estava , que saiu dominado por uma fúria interior, como se lhe fosse tirado algo de muito valor, esqueceu-se do passado pacato e meteu um brio nos olhos, um brio que não costumava ter.

- Meu Deus, conta o resto!

- Correu, e correu muito. Dizem que era até atlético o porte dele, e olha que tu e eu sabemos que era um pouco pançudo o Imaculado. Entretanto, como todo herói guarda dentro de si uma fúria e um sentimento de justiça muito latentes por trás da aparência plácida, Imaculado deixou-se dominar pelo ódio recém desperto e seguiu atrás do mal feitor.

- Não, esperas! Já sei o que contarás. Dirás que Imaculado caiu, não alcançando o bandido, foi dar com a boca no cimento, deixando-se humilhar frente a todos na praça. Vais contar que foi humilhado o nosso goleiro, mas, sinceramente, meu amigo, esperarias tu outra coisa? Eu não e digo-lhe que do chão não merecia passar mesmo, nunca foi herói aquele lá.

- Não vou te falar isso, mas e se eu te falar que Imaculado, possuído por uma espécie de fúria heróica, e tal como um centurião romano alcançou o bandido e ainda disse-lhe em voz alta e em tom ameaçador: “Dê-me a bolsa, condenado”?

- O quê? Olha, na verdade, eu já li em algum lugar que esses tipos acanhados e pacatos escondem dentro de si um ódio tão animalesco que eu não duvidaria de teu relato, não. O que eu dizia antes? Que Imaculado tinha um negócio psicopático dentro dele, se prestares bem atenção nas antigas fotos, verás que os olhos dele não são tão puros assim...sempre soube que ali naquela alma tão mansa morava um mouro, um Otelo.

- Pois o nosso mouro, surpreendo-te, tão logo estreou no ofício de herói se aposentou. É que Imaculado, apesar da fúria súbita e do espírito justo trazia dentro de si um coração de manteiga. Nem ele acreditara nas palavras que proferira ao bandido, sentiu-se mal por dizê-las, afinal seu oponente era um pobre de Cristo, ali, roubando talvez para sustentar uma família imensa, uma criança passando fome, uma mãe doente...

- Ah, o quê agora?

- Pois Imaculado arrependeu-se de ter gritado com o bandido. Após ter dito a frase em tom ameaçador, pensou com seus botões que havia sido rude e que, se Deus colocou o larápio naquela difícil situação de roubar, é que ele já era condenado por vontade divina, não lhe precisava também humilhar desta forma ao utilizar o pejorativo vocativo.

- Ah, mas então? Não entendo, prossiga...

- Imaculado arrependeu-se do tom rude que usou com o bandido, mas, com o canto do olho avistava a senhora que trazia nos olhos um agradecimento e um ar de contentamento por enfim ver que o transeunte de alguns minutos atrás, o mesmo que lhe oferecera o aceno e o bom dia, de fato zelou para que seu dia fosse bom, indo ele mesmo atrás de reaver-lhe a bolsa.

- Imaculado com certeza pensou nisto, tenho a mais absoluta certeza, ficou olhando a senhora agradecida e esqueceu-se do bandido...mas então, o que aconteceu?

- Imaculado sentiu-se dividido entre seus sentimentos de piedade pelo ladrão e de contentamento por ter a oportunidade de fazer justiça a uma pobre anciã. Entre um e outro deixou-se ficar com o de piedade pelo bandido e pediu-lhe desculpas.

- O quê? Imaculado pediu desculpas ao bandido que antes chamou de condenado? Correu léguas para acabar pedindo desculpas ao ladrão? Ah, mas esse Imaculado para nada servia mesmo, eu sempre te disse que era incapaz de matar uma mosca, nunca o quis em nosso time.

- Eu bem me lembro, mas, meu amigo, se Imaculado era incapaz de matar uma mosca, eu o mesmo não digo do bandido. Vai ouvindo.

- Sou só ouvidos, acredite.

- Ao ouvir o “me desculpe” em voz já trêmula do nosso querido guarda-metas, o bandido encheu-se de auto-confiança, se antes percebeu-se encurralado, viu a sorte sorrir-lhe novamente um sorriso largo através da boca de Imaculado. Foi então que firmememente retrucou: “Desculpe? Vai me pedir desculpas? Que covarde você é!”

- Tenho pena do pobre Imaculado, seria a melhor ação entre todas as boas ações que deviam encher-lhe o currículo e impressionar o homem lá de cima. Porém, pelo que posso perceber, Imaculado deixou escapar uma grande chance. A velha deve odiá-lo e o bandido até hoje ri do pobre diabo.

- Ah, se tivesse apenas rido, outra sorte teria o nosso herói...

- A estória não terminou? Nossa, agora eu realmente fiquei curioso. Só saio daqui quando me contares.

- Não sabes tu que toda estória de heroísmo e bravura acaba com tragédia e dor? Vide as revoluções, lembra-te de Joana D’Arc? Não precisas ir tão longe, lembras da Inconfidência Mineira e o fim de Tiradentes? Pois se lembras, hás de entender aonde quero chegar e aonde jamais chegou o nosso querido Imaculado.

- Meu Deus, agora até eu que sou ateu dei pra fazer uso de teu santo nome! O que se passou?

- Passou que Imaculado partiu desta para uma melhor, para um mundo mais justo, sem bandidos e sem artilheiros, supostamente. Imaculado, ao ouvir as palavras do bandido baixou os olhos, atiçando o orgulho ferido do bandido que, inconscientemente , desejava que fizessem justiça à pobre senhora. Pensando inicialmente estar encurralado, o bandido quase arrependeu-se de ter tomado a bolsa da velha ao dar de cara com aquele homem suado e bravamente obstinado a recuperar a pequena fortuna da idosa, foi quando ouviu o pedido de desculpas que lhe despertou novamente a ira.

- Sim, e então? Aonde está a tragédia?

- Mais próxima do que imaginas, vai escutando. O bandido decepcionou-se com a covardia de Imaculado, pensou que aquele homem que tão valentemente lhe abordou não merecia viver, ele sim era um condenado, porque não conseguia fazer justiça e, entre dois covardes bastava um na terra. Pensou em Lampião, em Napoleão e tantos homens bravos que conhecia do pouco estudo que tinha, e viu que aquele Imaculado de nada era, era fraco de espírito e de valente nada tinha, Entre dois covardes, obviamente optou pelo que não era ele mesmo.
Entendeu o bandido então que Imaculado era a espécie de gente que Deus não gostaria de ver habitando o planeta, pois imaginava que nosso Senhor desejava colocar em cada esquina da Terra um ou dois homens valentes que era para proteger as senhoras e as crianças de uma cambada de marmanjos que, não tendo a oportunidade e nem a coragem de trabalhar decentemente, teriam o feio costume de usufruir das benesses alheias como se suas fossem.

- Que bandido instruído! Meu amigo, esse sim é um homem, nosso amigo que não é!

- Temo que agora podes usar o pretérito perfeito. Era, era o nosso Imaculado. Em meio a tantas divagações, o bandido se viu revoltado com aquele homem que lhe pedia desculpas como se o covarde fosse ele mesmo e resolveu vingar nosso Senhor que andara louco ao dar vida àquele ser tão pálido e frouxo. Sem pensar nem mais uma vez, com convicção meteu um bala na cabeça de Imaculado, que, recebendo-a de bom grado, em seus últimos instantes deve ter pensado que a merecia, que aquele seu fim era justo, posto que o bandido deveria saber o que fazia.

- Sim, eu acho também, se eu ali estivesse poderia apostar contigo um ou dois olhos como Imaculado, que antes pedira desculpas ao bandido, agora agradecer-lhe-ia a bala que levara na cabeça.

- Reza a lenda que esta foi a última palavra de Imaculado: “Obrigada”. Eu, pessoalmente, não duvidaria que Imaculado tenha agradecido ao bandido a bala que ele jamais seria capaz de cravar na fronte alheia. Morreu ali, a despeito das preces da senhora que assistia a tudo, a despeito da ambulância que chegara cerca de vinte minutos após o acontecido. Morreu na calçada , com a cabeça entre as mãos enrugadas da velha aposentada. Segundo consta, deu-lhe um último sorriso com os olhos, porque a boca ensanguentada já não respondia aos comandos de seu cérebro. Tenho certeza que se falar pudesse, saudaria a senhora com um novo bom dia e pedir-lhe-ia licença para se retirar da vida, que era para não ser acrescentada em seu currículo a fama de mal educado na hora do juízo final.

- Confesso que tudo imaginei, mas um fim como o de Imaculado ninguém merece. Confesso até que aquela criatura merecia um fim melhor que eu e tu. Pobre Imaculado, será agora goleiro nas várzeas divinas, a levar gol de São Pedro e São Matheus. Espero que lá em cima consiga ele melhor carreira no futebol do que aqui.

- Eu também espero. Tive pena de Imaculado quando soube de sua morte, fiquei impressionado coisa de dois ou três dias, mas me recuperei, imaginei que ele estaria melhor entre os seus, afinal sempre foi uma pessoa pacata, não estaria jamais entediado no ambiente celeste, provavelmente estaria contando as nuvens, as capelas, as chaves de São Pedro...já deve está fazendo aula de harpa, o nosso Imaculado.

- É verdade, ele deve estar entre os seus. Eu digo a você que, se fosse pra acreditar em céu e inferno, eu preferia pagar IPTU lá embaixo, apesar do clima quente, não seria obrigado a andar de branco, tampouco teria que escutar as malditas harpas divinas. Meu lugar com certeza seria no inferno, saudando os meus, bebendo alguma vodca, visitando as gentes importantes que lá estivessem.

- Eu não sei, eu era temente a Deus, bem tu sabes, mas , confesso-te que agora já não sei mais se existe justiça divina ou algo que o valha. Nosso querido Imaculado, tudo bem, sabemos que era um tanto quanto desbotado, mas...morrer fazendo o bem?

- E querias tu morte melhor para ele? Claro, eu também concordo que foi um triste fim, mas a intenção foi grandiosa, se Imaculado pôde munir-se de fúria e meter nos pés umas asas tal como Hermes, era porque em sua alma trazia adormecido um grande sentimento de justiça e piedade, estas que certamente lhe enriquecem o currículo e lhe garantem moradia eterna em ambiente ventilado.

- Tens razão, és um sábio.

- Digo-te mais, amigo, quando te vi ali na esquina, jurei que fosses tu o Imaculado, somente atentei para o fato que eras verdadeiramente tu, quando mais próximos ficamos. No entanto, a primeira vontade que tive, ainda achando-te com jeito do Imaculado, foi dizer-te que não morrerias mais!

- Tu achavas que eu era o Imaculado? Ora! Sou bem mais alto.

- Sei que és...mas é que eu estava aqui andando com meus pensamentos e pensava justamente em Imaculado, nos gols que cansei de fazer em suas metas, na voz mansa...foi quando chegaste e me contaste sobre o fim do pobre homem.

- É, se isto tudo fosse justo, poderia eu ser o Imaculado mesmo, contando-lhe sobre o meu próprio fim. Isso seria algo justo.

- E quem disse que há justiça? Olha, eu já disse antes e repito, nunca fui devoto, há mesmo alguns que me chamam de herege, mas eu agora, pensando bem, começo até a duvidar do destino do nosso finado Imaculado.

- Como assim, não o compreendo. O fim dele foi isto, o que te contei esta manhã.

- Sim, eu sei, o fim terreno. Eu passo a pensar agora no destino espiritual. E se eu te falasse que Deus foi tão injusto com Imaculado lá em cima como o fora aqui na terra, te convenceria?

- Não te entendo novamente. Explica-te.

- E se eu te dissesse que acredito que, no céu chegando Imaculado teria tido seu currículo negado por Deus? Sei lá, pensei agora que haveria alguma mácula no repertório de bondades do nosso querido goleiro, algo que lhe desabonasse e que tão grave fosse que lhe tirasse a oportunidade de habitar em alguma nuvem aprazível lá em ambiente divino.

- Como assim? Agora fico eu curioso!

- Veja bem, sabemos que Imaculado era aquele doce de criatura e bom por convicção, mas, e se ele não fosse assim tão bom, se houvesse nele algo de ruim, como eu mesmo sempre suspeitei daqueles olhos tão negros? Ora, assim estaria tudo explicado: o triste fim terreno e a inadmissão ao lado do Senhor. Veja, chegando lá Deus notaria pela cara, que era apático e sem vida, o nosso Imaculado, passaria os olhos divinos no currículo que o defunto trazia nas mãos e tão logo o rasgaria, diria que aquilo tudo era falácia, engodo, era tudo mentira e que por trás das pretensas boas ações do Imaculado havia um caráter calculista, alguém que tudo fazia de caso pensado, pois, nao esqueças jamais, Deus tudo vê e tudo sabe, e certamente sabia qual era a verdadeira natureza do pacato homem. Acaso pensas que o gosto pela matemática era à toa?

- Nunca pensei assim sobre o Imaculado, acho mesmo que ele nada escondia.

- Eu não duvidaria se achassem uma maculazinha que fosse em seu currículo, na verdade acho que há máculas grandes, algo como crimes, roubos... O homem gostava de contas, números, tudo com ele devia ser assim, calculado, inclusive seus gestos, suas atitudes...tudo aparência.

- Ah, eu vou-me embora que minha hora chegou, bom herege este que tu és, não podendo apiedar-se da pobre alma do finado amigo, mete-se a difamar um defunto. Quão vil és tu? Torço para que Imaculado puxe-lhe os pés à noite. Não, para falar a verdade ele não seria capaz...Bem, querido amigo, foi um prazer incomensurável rever-te, mas, melhora teu espírito que é para teres fim melhor que o do nosso falecido companheiro.

- Eu vou também, mas, não esqueças: nunca terás surpresas com um ateu, já de um religioso, desconfia, olha bem a cara, olha bem os olhos. Ah, aqueles olhos tão escuros... Deus, se existisse, devolveria a bolsa à velhinha, arrependeria o bandido e desviaria a bala da cabeça do Imaculado...mas, tudo isto é ficção e a moral da estória, a única, é que de boas intenções o inferno está abarrotado. Passar bem, amigo querido, bom saber de ti, dê lembranças à esposa!

- Passar bem, bom saber que continuas o mesmo ateu incorrigível!