sábado, dezembro 20, 2008

O Signo da cidade ou A poesia concreta das esquinas



" Você não é amado por que você é bom, você é bom porque é amado"

E essa frase, aparentemente clichê, lugar-comum e até mesmo romântica pode definir um pouco o sentimento que se experimenta ao assistir O signo da cidade( 2006). O filme é nacional, tem roteiro de Bruna Lombardi e direção do seu marido, o também ator Carlos Alberto Ricceli.


Questões como solidariedade, direitos humanos, egoísmo, perdão, amor, ódio, preconceitos, solidão pode ser elencadas aqui como peças-chave do enredo de O signo da cidade. Trata-se da estória da personagem de Bruna Lombardi, astróloga e espécie de "conselheira" espiritual de várias personagens menores da trama que estão envolvidas em questões existenciais complexas e que , em atos de desespero, recorrem aos conselhos de Tereza, mulher sensata sobre cujos ombros parecem recair as misérias e as dores de todos que a ela recorrem, de alguma maneira.


Como de costume, não pretendo tratar aqui do roteiro, tampouco julgar ou criticar a atuação dos atores, comentar sobre direção ou fotografia, isso eu deixo para os mais capacitados. Eu quero falar aqui é dessa sensação de solidão , do espírito de fraternidade e de tudo que me tocou ao assistir o filme que fala de uma cidade comum habitada por pessoas visíveis aos olhos do IBGE e invisíveis em sua imensidão interna. Densidade demográfica versus individualidade.


Tal como Caetano denuncia na letra de "Sampa", a dura poesia concreta das esquinas de uma cidade esconde as diversas estórias anônimas as quais seus céus abrigam e testemunham: Quantos de nós já paramos para entender que o próximo não é tão próximo a não ser no Natal, ano-novo? Quantos de nós realmente paramos e tentamos doar, no sentido integral da palavra, não apenas cestas básicas mas doar nossas pessoas para outras pessoas. Não se perde nada com isso, pelo contrário, você pode ganhar muito mais do que imagina.


A cidade esconde por trás de sua grandiosidade pequenos seres; é como se fôssemos pequenos grãos que se unem e se juntam de modo a formar uma paisagem. Uma cidade vazia é uma cidade sem vida, perdida em seu concreto, mas sem vida por que não tem a presença de uma alma.


O signo da cidade toca em pontos os quais poucos se atrevem a enxergar: a importância de nossos atos para a vida de outras pessoas , as quais talvez nem conheçamos. A importância de um sorriso, algo tão simples pode ser o ponto de partida de uma nova vida que, desprovida de dentes e boca, não consegue mais rir e se diz acabada. Uma palavra amiga pode salvar, um carinho no momento preciso pode significar mais do que um simples gesto mecânico.


A estória da astróloga que , quando perguntada sobre o que faz, diz " eu leio estrelas, às vezes", vai muito mais além do que a leitura de mapas astrais ou cartas de tarô. Teca conta com a sensibilidade e com o altruísmo para, de alguma forma, estar inserida e enredada na estória de vida de outras personagens que surgem tal como transeuntes comuns, pedestres anônimos, perdidos em viadutos, debaixo de pontes ou em ruas movimentadas de uma cidade como São Paulo.

Faça você mesmo uma experiência simples, porém, interessante: distribua sorrisos, mesmo quando estes parecerem escassamente em sua boca, pode ser útil a alguém e esse alguém pode lhe devolver o desejo genuíno de sorrir. Assim, você irá rir verdadeiramente, será bom, por que amado. Não o contrário.
Olhar mais para o próximo, enxergá-lo em sua bondade não quer dizer aceitar passivamente ser objeto ou depositário das frustrações alheias. Não, isso não é altruísmo, dar a outra face para que o outro bata, isso me parece masoquismo e , neste caso, mais vale uma hora com um analista do que três horas consultando astros.


Ser bom é o que Teca consegue transmitir: gritar quando é necessário, chocar quando se precisa chocar, mas , sobretudo , fazer o bem sem nada necessitar em troca. Por quê? Porque o caminho da existência plena - e isso aqui, garanto, não é um texto de auto-ajuda, por mais que se pareça - é exatamente o exercício dificílimo de não se vitimizar e de não esperar nada em troca do que se dá.


Uma cidade está aí, por trás de nós que muitas vezes só vemos os nossos problemas, as nossas queixas, as nossas dores, mas há outros que padecem, outros que choram e não necessariamente são invisíveis, inexistem. Todos precisamos uns dos outros, de alguma forma o homem que assalta pode ser o que venha a salvar sua vida, numa situação inusitada, porém possível. O médico que lhe atende, pode ser o que salva sua vida ou mesmo o que lhe furta esta.


É, O signo da cidade parece rasgar um véu de indiferença que teimamos em colocar frente a nossos olhos, para não enxergar, para não ver o que dói no outro para que assim nos esqueçamos que algo em nós é vivo, é frágil e vulnerável. Ajudar o outro também pode implicar isto: saber-se frágil , efêmero, falível.
A vida é, então nada mais do que alguns anos , para alguns muitos e para outros nem tantos que, não sabemos como, nem porquê e nem por quem nos foram dados, mas que, de alguma forma, é de nossa responsabilidade.
Por isso, façamos o melhor com essa dádiva que nos foi dada, porque, não sabendo quando esta nos vai ser tirada ( quando não se está falando de casos em que nós mesmos resolvemos abreviá-la) o que ficará é a árvore que se plantou, o livro que se escreveu, o filho que se teve, e o amor que se deu.

quarta-feira, dezembro 17, 2008

Tirem o amor do dicionário



Tirem o amor do dicionário
Eu sei , muitos hão de reclamar
Os imortais, certamente irão falar
Mas tirem o amor do dicionário
Por que ele é popular demais
Para numa folha ser enclausurado
Porque quem ama,
seja moça ou rapaz
Há de reivindicar o tal vocábulo
Por gramáticos sempre condenado
A estar num frio espaço de um livro
Tirem o amor do dicionário
Por que ele gosta é de rimar
Por que ele quer é se entregar
Por isso tirem o amor do dicionário
Que ele não devia nem ser palavra
Desordenem as quatro letras
Por que amor não é lá coisa de definir
Está mais é pra se sentir
Do lado esquerdo e com alma
Que até gramático traz em si
Por isso tirem logo
O amor do dicionário
Que ele também tem direito de ir e vir