terça-feira, julho 14, 2009

Migalhas de Machado de Assis


" O melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão"


Machado de Assis




Este é um dos aforismos mais populares do grande Machado de Assis. Através deste e de tantos outros como, " a alma é cheia de mistérios" , " ao vencedor, as batatas" , " um marido, ainda sendo mau, sempre é melhor que o melhor dos sonhos" , podemos vislumbrar um pouco quem era o bruxo do Cosme Velho.


Migalhas de Machado de Assis (Migalhas, 2008), do autor Miguel Matos, é sem dúvida um livro de cabeceira para qualquer sujeito que resolva conhecer um pouco mais da obra machadiana. Se você não leu " A Mão e a Luva", se somente ouviu falar de um certo Brás Cubas e da Capitu somente conhece a minissérie global, o livro vale a pena. Se, ao contrário, você já leu toda a obra, inclusive acredita que a fase romântica de Machado, na verdade, não tem nada de romântica, se você até mesmo já conjecturou muito a respeito do caráter de Bentinho e de sua relação neurótica com Capitu, o livro também vale a pena.


O que quero dizer com isso é que não importa o quanto de Machado de você conhece. Não importa se você apenas o acha interessante porque irônico, se você o acha apenas importante, posto que criou a Academia Brasileira de Letras, o importante é saborear as pérolas machadianas. O resultado? Se você nunca leu suas obras, verá crescer dentro de você uma curiosidade amiga do caiporismo que vai lhe impelir, pouco a pouco, a conhecer um pouco mais do autor. Se você já leu toda a obra, de Iaiá Garcia à Memorial de Aires, voltará a ler, pegará seus velhos exemplares e novamente se deliciará com uma agradável leitura, em busca de novas sensações as quais não conhecia quando da primeira incursão à obra do bruxo.


Migalhas de Machado de Assis, de ruim só tem o nome. Acredito - e todos que gostam de Machado irão compreender - que os aforismos do autor carioca eram o que mais o caracterizavam como quem era. Dito de outra maneira: Machado, além de exímio autor e de excelente intérprete da subjetividade humana, era um ótimo aforista; suas frases talvez sejam bem mais conhecidas do que sua obra, assim como podem ser aplicadas nas mais variadas situações. Quem nunca ouviu um certo "Suportas com paciência a cólica do próximo"?


Acho, inclusive, que os aforismos de Machado deveriam ser elevados à categoria de adágios populares. Espécie assim de sabedoria popular de fácil acesso. Seria tanto melhor para uma sociedade sedenta de cultura. Migalhas, portanto , não seria adequado; ou não eram as frases de Machado tão sábias que foram capazes de ultrapassar os limites de suas páginas e adentrar no imaginário popular?


Migalhas são tudo menos o que Machado nos deixou. Além de livros magnificos que se tornaram clássicos e são citados em quase todos os vestibulares do Brasil, Machado nos deixou como herança a sua inteligência gaiata, bem humorada ( ao contrário do que muitos pensam) e irônica, de uma ironia quase wildiana. Tudo isso através de suas frases tão marcantes.


Se por migalhas entendemos tudo aquilo que não presta, não seria esse livro, no qual podemos conhecer ou relembrar 1098 aforismos a respeito dos temas mais variados, desde a importância do nariz até a morte e o ofício dos críticos literários, que vamos recolher o que não serve, o que resta. Na verdade, creio eu , as frases são tudo menos o que resta, pois estas são um convite para o mais ingênuo leitor a se deixar abandonar e guiar pelas mãos sábias e experientes do velho Machado, a conhecer um mundo em que, se "nem todas as coisas são ótimas", tampouco deixa de ser uma cousa doce, a vida.


Leia Machado, e assim, conhecerás a vida, diria eu a um inexperiente leitor. Mesmo que leiam apenas frases, leiam Machado, mesmo através de suas Migalhas, e verás que elas até que fazem sentido.

segunda-feira, julho 13, 2009

Sobre " O Conto do Amor"



Decididamente, quando dei com os olhos neste livro, mais me impressionou a autoria do que mesmo a capa, o que geralmente ocorre. Acontece que o livro é assinado por Contardo Calligaris, conhecido psicanalista, li outras coisas dele, geralmente envolvendo o ofício do psicanalista, algumas crônicas sobre a contemporaneidade e também assuntos do feminino. De alguma forma, ao ler O conto do amor e, o que me espantou mais , a palavra miúda ao lado do nome do autor denunciando que aquilo era um livro de romance, foi como aguçar minha curiosidade. Diante do exposto, portanto, não tive saída melhor que escrever.


O conto do amor ( Companhia das Letras, 2008) é um livro cheio de movimento, de arte (claro, este é seu pretexto) e alusões à psicanálise ( claro, porque este é o ofício mais conhecido de seu autor). Ao longo de onze capitulos de fácil e instigante leitura, o leitor é levado pela mão a transitar pelos mais diferentes cenários, desde uma capela construída sob os moldes do Renascentismo italiano à boates do século XXI situadas no subterrâneo de uma megalópole. O livro também é uma passagem para viajarmos por entre os enigmas e labirintos da Itália dos séculos XV e XVI, conhecendo e adquirindo um pouco de cultura nos domínios das artes plásticas.


Tal como Carlo Antonini, a personagem central do romance, o leitor se encontra muitas vezes perdido entre tantas vozes do passado e, sobretudo, perdido diante da dúvida: desejo ou não saber mais sobre o que procuro? Esta pergunta com a qual, em um determinado momento da trama, a personagem central se depara, de alguma forma, parece ser uma pergunta pela qual baseamos toda a nossa existência, ou boa parte dela ( claro, se você costuma se questionar).


É aí, a meu ver, que entra ou, na verdade, se denuncia, a Psicánalise do autor. Sem isso ele poderia se passar por mais um romancista, escritor de renome, mais um imortal, quem sabe?


Mas não, aí é que se deixa revelar, aos poucos e cuidadosamente, a Psicanálise do autor, o seu ofício primeiro: Será que nós , mesmo diante das evidências que encontramos quando estamos ali, deitados num divã, desejamos, de fato, conhecer a fundo o que se nos apresenta?


O itinerário de viagens de Carlo Antonini inicialmente é justificado pela necessidade de encontrar mais sobre um segredo paterno revelado em leito de morte. Por isso e somente por isso, a personagem afasta-se de seu consultório ( Sim, há muito de autobiográfico no livro), de seus pacientes e segue como se buscasse refazer os caminhos de seu pai, numa Itália que não existe mais e que só se deixa conhecer a partir de afrescos de Sodoma e Signorelli.


Essa é a busca que o leitor aceita fazer ao começar a ler O conto do amor. No entanto, retorno aqui a questão feita anteriormente. Será que desejamos, de fato, conhecer mais? O dilema de Carlo Antonini é o dilema de cada sujeito que se leva aos consultórios psicanalíticos: Sim, ali há possibilidade de nos encontrarmos com a criança que fomos, com os pais que tivemos e com o que restou desta mistura, ou seja, com o que está ali deitado no divã e que conhecemos como nós mesmos.


O que se segue é uma busca, um itinerário nem sempre facilmente seguido, nem sempre vamos dar na Itália e conhecer as mais belas paisagens - de fato, mais fácil é nos encontrarmos em meio a obstáculos, muralhas e ruínas. De alguma forma, ao entrarmos num consultório psicanalítico estamos em busca de nosso itinérario e , para tanto, nada mal é percorrer um pouco o itinerário e os caminhos daqueles que nos fizeram, e assim vamos, de sessão em sessão, descobrindo novos atalhos, empacando em tantos outros, mas sempre em busca de algo além do que primeiro nos leva ao divã.


Aqui uma pergunta cabe: E se encontramos este algo além? Bem, no livro, posso dizer apenas - que é para não estragar a surpresa dos que vão ler - que o caminho é mais importante que o achado. Na vida real, na vida que por cinquenta minutos suspendemos e durante os quais nos deixamos abandonar na posição deitada, através de insights e atos falhos, não acontece tão diferente: Muitas vezes refazer o caminho é mais importante do que mesmo encontrar uma saída , esta que, por tantas vezes parece inexistente.


Sendo assim, compremos nossas passagens, através do divã ou da leitura, e busquemos algo além, mesmo que, em determinado momento da caminhada, não tenhamos mais a certeza de que desejamos prosseguir.