segunda-feira, julho 12, 2010

E.U.A versus Lennon: um documentário honesto


E.U.A versus John Lennon é o documentário do momento. Na verdade rodado em 2006, o filme assinado por David Leaf e John Scheinfeld, certamente honrou seus objetivos: traçar o caminho tortuoso pelo qual se desenvolveu a carreira do ex-beatle quando passou a interferir ou a se preocupar com assuntos referentes à ordem nacional americana.


O filme consegue ser fiel a seus propósitos; mostra um Lennon fixado na infância, sobretudo em uma mãe que praticamente o abandonara e que não o abandonou nas lembranças da vida adulta, um jovem rebelde por nascença, não por escolha: era ele o próprio Working Class Heroe que chegou a cantar em uma de suas músicas do período pós-beatles.


Vemos no documentário um John politicamente ativo, preocupado com os destinos da humanidade que, naquele momento - início dos anos 70 - estava sendo conduzida ao massacre comandada pelos governantes dos Estados Unidos, a maior nação de todas, até hoje.


Trazendo quase uma dúzia de relatos, uns emocionantes, outros revoltantes, parece-me que Leaf e Scheinfeld não tomaram partido de Lennon, como se poderia pensar, ao contrário, ouviram rebeldes setentistas, ouviram radicais extremistas, mas também deram vez e voz aos representantes do governo da época, à pessoas que podemos facilmente relacionar às cenas de truculentos embates com uma população em sua maioria jovem, em muitos casos sob efeito de drogas, mas, sobretudo, unidos por um só objetivo: Dar uma chance à paz, uma canção entoada primeiramente por John e Yoko e que posteriomente se tornou um hino de toda uma geração revoltada contra um governo no mínimo corrupto, contra uma guerra sem propósito - se é que alguma guerra tem outra motivação que não o sadismo de seus idealizadores.


Do movimento Bed Peace à sua ligação com o partido das "Panteras Negras", observamos o desenvolvimento político e humano de um artista, que, se começou sua carreira de sucesso com o aval de uma massa praticamente hipnotizada diante de sua atitude já rebelde nos palcos, diante de sua voz esganiçada em "Twist and Shout", nos últimos anos de vida teve boa parte desta mesma massa dividida entre os que o apoiavam e os que o rejeitavam veementemente , e para os quais não passava de um subversivo.


Voltando um pouco no tempo, não achamos que Lennon dos anos 70, o que cantava a paz e o fim da guerra no Vietnã, não era muito diferente do jovem que ironizava os governantes: A própria família real inglesa foi motivo de chacota na voz de Lennon, não nos esqueçamos jamais quando o pop star pedia para que a rainha Elisabeth e sua turma ao menos balançassem suas jóias ao ouvir Twist and Shout no lugar de baterem palmas, como a maioria de seus súditos fariam.


O Lennon do documentário é o mesmo jovem rebelde que não se contentou com o título de mais adorado do mundo junto com seus outros amigos, não era mais do FabFour, mas foi igualmente genial quando conclamou toda uma nação - e também boa parte do mundo, diga-se de passagem - a romper com a lógica quase facista do governo de Nixon que mandava e desmandava diante de uma nação.


Lennon não ficou calado, sem dúvida com ajuda da mesma fama que o fez quem era, usou a mídia, usou sua excentricidade, inteligência e genialidade para trazer um pouco de reflexão à pessoas que costumavam engolir sem mastigar. Em suma, seus movimentos como o Bed Peace, a história de deixar o cabelo crescer pela paz, a sua própria relação com a exótica esposa Yoko Ono foram fundamentais para ele fazer o que pretendia: lançar a a reflexão, no intuito ingênuo de mudar o mundo.


Você pode dizer que ele é apenas um sonhador, ele foi, mas deixou sua mensagem, é o que Yoko atesta em sua última aparição num documentário simples que honrou seu propósito: mostrar a relação tensa entre uma nação e um ídolo. A lição que fica é que , em tempos pós-Bush e guerra ao terror, não custava muito que outras celebridades realmente se imbuíssem de um espírito de paz, que não apenas se preocupassem com seus bolsos e imagens e que, sim, voltassem seu público e seus fãs para os problemas que, afinal, não são muito diferentes dos de trinta anos atrás.


O mundo continua o mesmo, a politicagem continua utilizando dos mesmos recursos hediondos, e as pessoas continuam sendo segregadas entre passivos e subversivos, continuam achando "um saco" votar, "um saco" assistir horário político. Num mundo em que imagem é tudo, atitudes de Lennon poderiam muito bem ser enquadradas como jogadas de marketing, mas, se assim fosse, como explicar as vantagens ( nenhuma )que Lennon obteve com toda sua luta pela paz?


Os quatro tiros que levou certamente não estariam contabilizados no fechar de contas. Em um mundo em que tudo é fake e em que uma figura como Lady Gaga lança moda, em que ídolos do esporte são presos por crimes dignos de psicopatas, não me resta muita esperança ao imaginar um mundo de celebridades que faça mais do que doar um quinhão de sua fortuna à Ongs ou adotar jovens órfãos de lugares devastados pelo mesma nação que lota os cinemas e dá fama e fortuna às Angelinas Jolies da vida.


Pacifismo e engajamento é mais do que se faz hoje em dia, e acredito que Eua versus John Lennon ensinaria muito às gerações atuais, calcadas essencialmente no individualismo que confudem felicidade pessoal com ativismo político-social, afinal, resta uma dúvida: Está-se adotando órfãos do Cambodja por uma necessidade pessoal ou por uma necessidade de chamar atenção para conflitos, guerras e submissão de outras nações perante o poderio bélico de uma potência mundial?


Para responder a estas questões, devemos pensar um pouco, mas, como pensar, se twitar um "calabocagalvao" é mais importante? uma briga entre mulheres por um homem é recorde de acessos? Se a notícia do dia é o carinha que ganha rios de dinheiro vivendo um vampirinho adolescente? Bem que estava na hora de um Lennon aparecer...mas fica difícil nesses tempos em que as pessoas se refugiam na fantasia e na ficção e tudo que for real é enfadonho, chato, sem muitos pixels.



Ponto para Leaf e Scheinfeld que conseguiram fazer um filme à altura de Lennon que estará sempre vivo, invariavelmente, quer queiram ou não.