quarta-feira, setembro 17, 2008

De onde vem a Arte?


“ Aqueles quem me repugna trabalhar são os que substituem a intuição, a sensualidade, a imaginação, por uma linguagem intelectual”


Ingmar Bergman



" Afinal, o essencial é isso: sobreviver e manter a paixão"


Pedro Almodóvar



Começo esse post com frases marcantes de dois grandes diretores de cinema os quais tenho me dado o prazer de conhecer durante estes últimos tempos. Vejamos nós o que estas frases têm em comum, o fio que as une e que nos pode ser útil.

A saber, a forma de conceber a arte dos diretores citados. Vemos que tanto para o sueco como para o espanhol, a arte deve ser algo que não se norteia a partir do intelecto.
Dito isto, penso o que seria a arte, senão composição mesma das emoções, da paixão de um diretor, de um autor, de um escritor, escultor. A arte seria delimitada , será mesmo que ainda poderia se chamar arte se fosse norteada pelo intelecto?

Segundo os dois exemplos que uso neste texto, creio que a arte é algo que prescinde da razão, posto que é arte, por si só, e por sê-la carece de explicação. Os filmes de Almodóvar são quase sempre permeados por lembranças de sua infância, repleto de personagens que fizeram ou fazem parte da história de vida pessoal do diretor.

O que quero dizer com isso não é nada inédito: A arte é sublimar, é fazer algo com aquilo que não podemos engolir. A arte deveria ser assim, imune a críticas, posto que até mesmo o criador , em algum dado momento, não dá conta de falar sobre a sua criatura, aprendeu a fazer algo com ela, o que, não necessariamente, implica saber explicar o que criou.

É tudo muito visceral, no fim das contas. Pode-se até ser dado um verniz intelectual, mas, no fundo, ao criarmos uma escultura, ao compormos uma música, ao pensarmos no argumento de um filme, tudo está vinculado a algum tipo de emaranhado interno sobre o qual não sabemos precisar começo, meio e fim, mas, uma vez estando ali, urge fazer algo com esses pequenos monstros que teimam em aparecer quando se apagam as luzes.

É isso o que Bergman faz, é este também o ofício de Almodóvar: Claro que um filme não é realizado sem o crivo intelectual; existem questões para as quais uma equipe é designada de forma que o filme possa ser enquadrado como uma produção artística, é um produto, sejamos brutos e diretos agora. E para um filme acontecer há muito o que se trabalhar.

Eu falo aqui é da idéia principal, do primeiro lampejo do gênio criador: Como surgem as idéias, como alguém vai criando uma narrativa, pensa num cenário, idealiza personagens? Isso tudo é bastante intrigante e instigador.

Tudo me parece ser uma questão de entranhas. Há os que matam, há os que comem, há os que fumam. Sobre estes pairam os gênios, grandes doutores na arte da sublimação. Sorte nossa é que também sublimamos ali da platéia, regozijamo-nos de ver todos os nossos fantasmas encenados, a alcance do olho, aquilo tudo que juramos esconder muito bem.


A arte deveria se prestar a isso, por isso, em minha opinião, o trabalho de crítica deveria muito mais pender para o lado da discussão do que do veredicto. Classificar algo que vem das entranhas dos outros em "Bom", "Excelente" , "Fraco" ou "Sofrível" é o mesmo que julgar qual seria a melhor das cores do arco-íris. Trabalho impossível, arrisco-me a dizer.


Tal como as cores,não existe uma melhor nem outra pior, tudo é uma questão de gosto ou de (des)gosto. Quando se fala em arte não necessariamente deve-se ter em mente algo esteticamente belo e agradável aos olhos curiosos e ávidos dos espectadores - sobre isso muita tinta já foi gasta, muitos livros foram escritos, não tenho a pretensão de seguir este caminho.

O que quero dizer, na minha modesta opinião, é que Arte é terrivelmente limitada quando se busca defini-la.

Não há como julgar os filmes de Almodóvar, metê-lo em categorias, acredito mesmo que o próprio não gosta de ver nada seu classificado, rotulado, tal como diz em "Conversas com Almodóvar" (2008), gosta de ser um bocado de coisas juntas, não necessariamente uma unidade, pretensamente buscada pelo cinema hollywoodiano.


Portanto, o cinema de Almodóvar é simplesmente a arte de um homem, de Pedro Almodóvar, que pôde, através desta, lidar com sua própria unicidade. Não existirá isso de seguidores de Almodóvar, posto que, até na imitação há algo que escapa à cópia fiel e caminha em direção ao sintoma , ao fantasma sempre presente naquele que visa realizar algo. De acordo com essa visão, assim, nada é um verdadeiro plágio; há sempre um fiozinho que não se sabe da onde veio, feito para distoar da réplica pura.


Do mesmo modo, não há um outro Bergman, também não haverá outro Woody Allen. Haverá outras pessoas que surgirão e que, para viver no caminho da arte, deverão aprender a tal arte de manter acesa a paixão e fazer algo único.


O segredo deve advir justamente dessa questão a qual foi tocada por Almodóvar: O negócio é sobreviver a própria vida, às injunções sociais, ao cotidiano bruto, maquinal, e deixar a arte aflorar daonde ela mais jorra: as emoções.


Apesar de o cotidiano ameaçar a Arte, não nos preocupemos: há sempre uma dor ou outra se revelando, fazendo rugas em nossas faces e tornando a existência invariavelmente insuportável, é daí que surge o desejo maior de fazer algo com ela e que será compreendido, porque, segundo Almodóvar (2008), " todo mundo sabe o que é a dor".

Através dela, na maioria das vezes, é que se faz arte. Não vamos nós nos limitar a classificar a dor que passamos ou mesmo abafá-la. Vamos fazer cinema. Que isto seja um convite.

Aos que não tem talento para tanto, que restem as palavras, os violões...