quinta-feira, novembro 27, 2008

Sete dicas para levar à livraria



Um dia eu ouvi dizer que a cidade de Buenos Aires possui mais livrarias que todo o Brasil. Também já escutei alguém comentar que os europeus, mais precisamente os franceses lêem cerca de 11 livros por ano. A média brasileira fica em 1 ou 2, se não me engano.

Pensando em todo esse disse-me-disse, resolvi trazer aqui algumas dicas para a escolha de um bom livro. Boa parte delas foi tirada da minha própria observação, das longas caminhadas por entre alfarrábios e livrarias. Há muito que se aprender nestes lugares, portanto, deixo aqui algumas lições as quais me são valiosas quando me proponho a escolher um livro:


1) Nunca escolher um livro cujo nome do autor venha estampado na capa com letras garrafais: Quase sempre isso é sinônimo de jogada de marketing, o que, por si só, já revela que o livro, na grande maioria das vezes, é mediocre. Um bom livro, na minha opinião, fala por si só e na opinião de Foucault assim que um livro é escrito ele passa para domínio público, o escritor é como se apagado e o leitor é seu legítimo proprietário.

Portanto, como podemos presumir, um bom livro não necessariamente é bom porque o nome do seu autor aparece na capa tal como uma alegoria circense de mau gosto. Além de esteticamente feio, autor que é bom autor não precisa usar desses recursos para se fazer vender. Pra falar a verdade, eu acho que autor que é bom autor não necessariamente preocupa-se com a tiragem de seus livros ou com os milhões que faturará. Isso mata todo o prazer da escrita, já diria o Schopenhauer.

Isso tudo é tão verdade que você não vê um "Machado de Assis", um "Graciliano Ramos" tão gigantescos como pode avistar um DAN BROWN da vida. Isso é fato, quem duvida vá à livraria mais próxima e procure por "Anjos e Demônios" ou "O Código da Vinci".


2) Um livro não necessariamente terá que ter seu conteúdo comparado a um filme nele baseado: Isso é muito verdade, pensem comigo: Literatura é uma linguagem diversa da linguagem cinematográfica. Por detrás de ambas existem conceitos diferentes, existem meios de expressar e esses meios não se equivalem. Eu não estudei cinema, também não sou expert em Literatura, mas o que posso dizer é que a linguagem fílmica é diferente da linguagem literária e disso nem o diretor do filme - seja ele Almodóvar, Medem ou Woody Allen - nem o autor do livro - seja ele Saramago ou Garcia Márquez ou mesmo Dráuzio Varella - têm culpa. São apenas linguagens diferentes, compará-los seria como escolher a cor mais bonita do arco-íris e , para ressaltar isto, vale a máxima popular " o que seria do vermelho se todos gostassem do azul ?" ( alusões ao comunismo à parte!).

Dispenso esses comentários os quais começam por " Mas o livro é bem melhor" , " No filme não aparece aquela parte" ...São linguagens diferentes, uma câmera , duas câmeras, closes, atores, diretores vivências diferentes, formas de enxergar diferentes. Se você é fã de um livro, leia-o, veja o filme nele inspirado se sua obsessão assim o obriga, mas não saia por aí comentando que o filme ou o livro é melhor. São coisas completamente diferentes e o diretor do filme não é obrigado a dar o mesmo colorido à paisagem idealizada pelo autor.

Apesar disso, posso entender o sentimento de raiva que muitas vezes invade certos autores quando vêem suas obras diminúidas, por assim dizer, nas telas de cinema. Também acho interessante o fenômeno capitalista que consegue fazer milhões lerem livros somente porque sua versão saiu nas telas.

Quem duvida disso , pergunte quantas pessoas passaram a se interessar pelo aclamado "Ensaio sobre a cegueira", datado de 1995, mas que somente hoje é "hit do momento". Saramago, se precisasse , agradeceria à Meirelles. Ainda bem que não precisa, o homem tem o Nobel, o outro ainda está em busca do Oscar.


3) Desconfie de títulos muito sugestivos: De acordo com a experiência , nem sempre o livro é tão interessante quanto seu título. Acho mesmo que deve existir autores especialistas em títulos. Sua obra deveria ser respeitada apenas pelo talento em escolhê-los; "fulano é especialista em títulos, seus títulos são perfeitos". No entanto, se você não quer ser pego nessa "armadilha editorial", folheie, passe os olhos nas orelhas, no prólogo (se lá estiver) e também dê uma rápida olhada nos capítulos: se estes não forem interessantes o bastante para você entender que poderá gastar seu precioso tempo desfrutando-o, sequer chegue ao fim da página, feche imediatamente o exemplar e procure o próximo.


4) Nunca menospreze os chamados pocket books: Se você é daqueles que passa correndo por aquela espécie de "estante" na qual os livros de bolso são dispostos, sugiro que dispense um pouco de seu tempo girando aquela geringonça a qual não sei denominar de nada.

À primeira vista pode-se pensar que os livros ali dispostos são fracos, pobres, prostituídos, digamos assim. Encontrados em todos os lugares, de farmácias a postos de gasolina, os famigerados pocket books geralmente são clássicos que a grande maioria das pessoas não leu ou não teve paciência para terminar de ler. Muito frequentemente entre os pockets encontram-se "Hamlet", "Édipo", "Fábulas de Sófocles", até mesmo livros de 500 fáceis receitas para micro-ondas. Tudo é uma questão de olho. Se você tiver um bom, assim como muitos músicos têm "bom ouvido", é capaz de adquirir um livro legal pela bagatela de cinco, dez reais.


5) Desconfie de alfarrábios: Não vá pensando que alfarrábio é sinônimo de livro barato. Não, não é. Você pode encontrar livros de fotografia, de cinema por preços tão exorbitantes quanto os de um livraria comum. Não é por que é usado que o livro é mais barato, mas também não quer dizer que não valha a pena fazer uma espécie de tour por entre os alfarrábios da cidade em busca de coisas interessantes, de edições muito antigas, até mesmo de cartas perdidas num romance esquecido numa prateleira empoeirada ( nunca se sabe!).


6) Cuidado com autores "da moda": Esse é um grande truque editorial promovido pelo capitalismo desenfreado. O autor vai, escreve um livro, e boom! vira sucesso instantâneo, best-seller. Todos desejam conhecer a mente brilhante por trás das sábias linhas; há que se conhecer mais e mais, há que haver outras linhas por trás destas , pois, quem um fez , faz tantos mais, isso em escala industrial.

Há contratos - vamos agora falar o lado real por trás da livraria - : Há quem viva de literatura, no Brasil é um tanto quanto difícil, mas há quem ganhe o pão de cada dia graças à literatura. Esses "sortudos", na maioria das vezes possuem contrato com uma editora que deseja vender e, portanto, há que se escrever, mais e mais.

Essa coisa de best-seller nunca me agradou muito. Parece que depois de um best seller o autor nunca é o mesmo: sempre haverá uma faca imaginária em seu pescoço e uma voz ameaçando: "Será que você pode fazer melhor?"

Sim, acredito piamente que exista isso, e tenho pena do pobre escritor. Poucos são os que conseguem manter o auge, geralmente o mercado o consome demasiadamente, extraindo de uma mente criativa tudo que de melhor pode haver nela. De edição em edição vai se perdendo um pouco do brilhantismo.

Claro que muitos autores renomados vivem de seus nomes e também há muita gente que consegue manter o alto padrão a despeito das exigências editoriais. Acontece. Vide Veríssimo.


7) Capas de livro esteticamente feias: Ao contrário de um título sugestivo que pode enganar, uma capa feia NUNCA engana. Veja bem, atente para o caps lock: NUNCA engana. Eu parto do pressuposto de que uma edição bem cuidada , elaborada passa também por uma capa bem feita, uma boa diagramação, esteticamente agradável aos olhos.

Nunca compre um livro em que existam duas pessoas se beijando na capa - a menos que a imagem seja um pouco distorcida, em tom sépia ou preto e branco e não seja tão óbvia . Também desconfie de pessoas de mãos dadas e animais, a menos que estas tenham um cunho irônico, tenham a ver com o conteúdo do livro.

Desconfiem muito, mas muito mesmo, se houver um profissional de sucesso na capa do livro, alguém cujo sorrisinho seja de vencedor ou que esteja a indicar o caminho para Pasárgada, o caminho de Canaã ou mesmo como vencer na vida em 76 passos. Não gaste seu tempo nem abrindo tal exemplar. Sequer chegue ao primeiro passo.

Também desconfie de flores bonitas, arco-íris e pôr-do-sol, geralmente isso é sinônimo de livro de auto-ajuda.


Tenho impressão que poderia listar outras tantas dicas interessantes para quando se está numa livraria, por ora minha experiência e minhas observações só me levaram a essas mesmo. Acho até que alguém deveria escrever um livro sobre como escolher livros, seria até interessante, um tema pouco explorado. Seria um best-seller! Ah...mas o vencedor está só!Cuidado!

quarta-feira, novembro 26, 2008

Liv Ullmann e suas Mutações


" Eu desejava acomodar-me dentro do bolso de alguém e poder pular para dentro e para fora, quando me conviesse. Agora ando por aí ouvindo as queixas de mulheres que, segundo imagino, estão presas nos bolsos de outros"

Liv Ullmann


Esse é um dos vários trechos do sincero e
não menos comovente livro de Liv Ullmann , Mutações (2008, Cosacnaify). Em 218 páginas, Liv relata com sensibilidade e poesia fatos marcantes do seu cotidiano, segurando a mão do leitor rumo aos bastidores do mundo glamourizado do cinema do qual fez e ainda faz parte durante boa parte das últimas décadas do século passado.

Liv Ullmann é famosa por ter sido esposa e musa do renomado diretor Ingmar Bergman. No entanto, cabe ressaltar, seu talento ultrapassa a mera alcunha de "musa norueguesa", também nada tem a ver com "diva", "sex symbol".

Não, Liv nada tem de musa; não lembra o encanto natural e quase infantil de Audrey Hepburn, tampouco possui o sex appeal de Greta Garbo. Liv é uma mulher a qual podemos classificar como "normal": insegura, solitária, sensível, carente. Poderíamos aqui estar falando, de acordo com essa descrição, de qualquer mulher contemporânea, poderíamos inclusive estar falando de quem aqui estar a ler essas linhas e também de quem está do outro lado, escrevendo-as.

Em Mutações, a autora nos mostra e nos prova o quanto é difícil posicionar-se no lugar de sujeito desejante, sobretudo assumir uma identidade feminina. E veja! Isso não é diferente porque ela é famosa, atriz, diretora, bem sucedida. De acordo com Freud, o feminino seria um lugar muito obscuro sobre o qual o homem (falo aqui de humanidade!) deve lançar luz; desafiante e negro: este é o continente feminino do qual fala Freud e no qual Liv está tão imersa e nos mostra em seu recente livro.

Ao contrário do que possa parecer para muitos, não é intenção da autora fazer de Mutações uma mera auto-biografia, também não me parece que o livro penda para o que poderíamos chamar de "expiação de culpa" ou mesmo que possa ser classificado como um best-seller. Sem dúvidas haverá os interessados, fãs do cinema sueco de Bergman, fãs da atriz e diretora, mas , não creio que estes leitores sejam tantos a ponto de fazer o livro tornar-se o que o Brasil convencionou chamar de best seller, nos moldes de um Paulo Coelho.

O livro é simples e belo em sua simplicidade. Não existe nele nada do que não possamos saber com o passar dos anos dessa vida que vamos vivendo, assim, um dia após o outro. Também não se fala de viagens interplanetárias, nem lições de vida de pessoas bem sucedidas profissionalmente. Não, nada disso, o livro também não conta a história romanceada de ninguém, conta apenas a estória de vida de Liv, a mulher, por trás da máscara da atriz, à qual a mesma tanto se refere.

Dividido em quatro partes, Mutações, o qual foi dedicado a filha de Liv, Linn, parece ter sido escrito com a pena da sensibilidade, da poesia, apesar de estarmos falando de uma prosa. Não existem capítulos, mas as partes as quais dividem o texto parecem ser elas mesmas partes significativas da vida da atriz, seus melhores momentos, digamos assim.

Por isso, o leitor é convidado a invadir os bastidores de Hollywood e entender que o luxo e o glamour escondem coisas das quais duvidam nossa vã filosofia, vai também conhecer o universo dos romances de Liv, especialmente o romance com Bergman, do qual Linn é fruto, compreender o jogo de egos e a relação conturbada que viviam ela, a atriz submetida ao diretor, mas, primeiro de tudo, ela, mulher, ele, homem. E isso já dá muito pano pra manga ou página de livro, digo a vocês, nem precisava estarmos aqui falando de Liv Ullmann e Ingmar Bergman.

Liv também nos deixa conhecer suas maiores fragilidades, sua sensibilidade extrema a qual tantas vezes emprestou a personagens as quais representou com maestria. Ao ler Mutações, o leitor se depara com o universo da construção das personagens, com o mundo que se apresenta a
Liv e que se faz presente no seu modo de interpretar, dizer verdades mentindo.

Tudo que eu pudesse falar aqui sobre o livro não faria jus à experiência única que é fazer parte, nem que seja ali, da cadeira de leitor, do universo de pura sensibilidade e simplicidade que Liv constroí em torno de si e que empresta às suas personagens.

Não, definitivamente não há nada de novo em Mutações, não poderia chegar aqui e dizer que comprem o livro para que se deleitem com uma leitura agradável, feliz. O livro não me parece feliz, pois como sustenta a própria autora, não existe um constante estado de felicidade. No máximo, quem desejar aventurar-se por esses meandros "obscuros" da feminilidade (leitura cara aos freudianos) encontrará em Mutações os relatos de uma mulher esmagada entre tantas culpas, entre a culpa de ser bem sucedida e assustar muitos homens, causar inveja, a culpa de não ter tempo suficiente para ser mãe em tempo integral, a culpa por não se adequar ao que a sociedade entende por "mulher" ou "deveres e obrigações femininas" .

Em Mutações o leitor encontrará tudo isso, talvez possa se identificar em diversos momentos, talvez venha até a chorar e a sentir uma espécie de empatia por Liv que conseguiu escrever um livro com a alma. Ah, e por acaso ela também era atriz. E que atriz.