quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Rilke, o aprendiz de poeta e a solidão




" O que é necessário é apenas o seguinte: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo e não encontrar ninguém durante horas, é preciso conseguir isso. Ser solitário como se era quando criança"




Rainer Maria Rilke




As palavras do poeta mais atual e permanente do nosso tempo, de acordo com Otto Maria Carpeaux permanecem vivas dentro daquele que não tem medo de se aventurar nas cirandas do mundo que insiste em sem mover. Isso é uma das lições que podemos aprender em Cartas a um jovem poeta ( L & PM, 2009).




Trata-se da publicação das cartas trocadas entre Rilke, já bastante aclamado e reconhecido, e um aprendiz de poeta, Franz Kappus, jovem, impaciente e sedente de conhecimento entre os anos de 1903 e 1908. Não foi à toa que a correspondência entre essas duas almas durou cerca de cinco anos, entre idas e vindas, viagens e imprevistos.




Tantos são os conselhos que Rilke dá ao imaturo Kappus que deles podemos extrair as maiores lições que alguém pode levar por toda a vida. Muitos são os assuntos que, apesar de girarem em torno da atividade artística, acabam enfim, por revelar a magnanimidade da alma do velho poeta : nobre, humilde e, sobretudo, simples, belo por sua simplicidade.




Ensina-nos o velho poeta a nos sentirmos em paz, tranquilos, mesmo em períodos em que as adversidades imperam: é preciso viver e saber que a vida, esta está sempre girando, cirandando, tornando-nos outros, transformados que somos pela tristeza, que, se tem algum mérito, este seria dar-nos outra vida, outra essência. Aprende-se na tristeza , e especialmente, aprende-se mais na tristeza solitária.




Não há conselho que Rilke tenha dado nestas Cartas a um jovem poeta que não esbarre na necessidade do ser humano de extrair de dentro de si a pura essência que o faz inevitavelmente humano. Para que isto se dê é mais que recomendado, é mesmo necessário que se seja só, e porque só, podemos viver intensamente.




Mergulhar dentro de si mesmo, experimentar a dádiva que é ver a vida girar, experimentar o gosto amargo da tristeza que não pode ser compartilhada (porque invariavelmente exclusiva) acaba sendo, para Rilke, a fonte de todo amadurecimento diante da vida, da existência, um campo seguro para que se semeie o verdadeiro amor, coisa difícil, demandante ao extremo e que somente por ser difícil já merece ser vivenciada.




Diante das tristezas, um só remédio: Paciência. Diante do amor: disponibilidade para compartilhar. Diante dos pais, tolerância, diante da vida, insistência. Rilke aconselha que sejamos pacientes e tolerantes com nossa tristeza e saibamos viver a solidão como quem espera o nascer do sol dia após dia. Viver só é preciso, e não há coisa mais solitária que uma obra de arte, que nasce não sei da onde e invade isto que chamamos de vida, tal como se fosse um sonho que insiste em nos tomar , mesmo quando já estamos de olhos abertos, e nada, nada poderia ser capaz de explicar uma obra de arte, essa obra da tristeza, filha da solidão.




Por isso criamos, porque dispomos da medida certa de solidão que é requerida pela obra que pede, exige, clama para sair de dentro de nós. Rilke fala também sobre a vida, a morte, mulher, homem e sexo, porém, é sobre a poesia que o experiente poeta parece não saber o que dizer ao nosso Kappus.




Ora, o poeta apenas é; Não se aprende a fazer poesia, nasce-se poeta por possuir o livre acesso à reserva de criatividade, a esse não-sei-onde, esse compartimento secreto que tanto nos assombra e que faz parte da nossa alma. Sobre a poesia, Rilke nada aconselha a não ser que entremos em nós mesmos, e , nesse mergulho profundo recuperemos os tesouros da infância perdida, de uma vida esquecida, que, surpreendentemente descobrimos ainda fazer parte de nós.




Será mesmo necessário voltar à superfície? Certo estava Kappus que, ao introduzir estas Cartas, acerta em cheio ao dizer que quando fala alguém grandioso e único, os pequenos têm de se calar.




Calo-me.


segunda-feira, fevereiro 07, 2011

A dor é minha só (?)


Recentemente estive me informando sobre um caso que trouxe a questão à tona: O que fazer com a dor?


Obviamente, se isto se faz questão é porque não estamos falando de dores facilmente localizáveis; estamos falando de dores as quais estão longe de terem explicações que passam por medicamentos e/ou tratamentos com pomadas.


Estamos aqui falando da dor proveniente da angústia de viver. Um dia Oscar Wilde já disse que poucos de fato vivem, sendo hábito da grande maioria apenas existir. Na minha trajetória no campo psi - como professora e como profissional, percebo que a dor de existir sem viver é o que mais tem levado as pessoas a consultórios psicológicos, os felizardos.


Se a maioria de nós apenas existe, os dados comprovam que não estamos sabendo lidar com nossa própria existência: a dor e a angústia de existir: quando já não há chama de desejo que nos faça vislumbrar uma vida para além da reles existência, ou mesmo quando há tantas chamas de desejo que já não há outra alternativa que não o incêndio. Aí está a dor.


Em eras de twiter e facebook, a dor , além de ser anunciada , vende revista e dá Ibope. Recentemente prestei atenção a um depoimento de uma dessas celebridades instantâneas sobre o suicídio de alguém próximo: Poucas horas separaram o evento trágico do suicídio e a divulgação deste na rede social Twiter.


O que se seguiu ao anúncio foram demonstrações de todos os tipos que tinham mais ou menos o mesmo objetivo: acalentar a alma da tal celebridade que anunciava em seu microblog o suicídio do noivo. Uma legião de fãs apareceu para prestar condolências e desejar força a tal beldade.


Pergunto-me sobre esta dor, esta dor divulgada, anunciada, até mesmo alardeada - cerca de 5 depois do evento, a celebridade se diz "melhorando a cada dia", superando o luto de alguém que decidira pôr fim a sua existência justamente por causa de tanto desejo, ou falta dele, ou simplesmente, por não conseguir mais suportar o passar dos dias.


Em seu "Livro da dor e do amor" , o psicanalista Juan-David Nasio poderia fazer uma bela análise da dor. Indico fortemente a leitura do mesmo. Porém, é preciso que tantas outras questões surjam desta que se tornou a principal neste post: O que fazer com a dor?


Há quem a divulgue e anuncie, posteriormente a venda - vide o caso da citada celebridade. Há quem procure um amparo, alguém para escutar essa dor. Há quem não faça nada e simplesmente vá desistindo, lenta e gradualmente da própria existência por não suportar viver sem viver.


Há quem escreva, há quem trabalhe, há quem chore. Gostaria que as pessoas realmente soubessem o que fazer com a própria dor. No fim isso sempre ajuda.