sábado, outubro 29, 2011

Feminino: arte & revolução: um aporte psicanalítico










Se eu for pensar em quantos posts já dediquei a livros e a filmes que me marcaram, que trouxeram algum conhecimento, que, enfim, me mobilizaram e inspiraram, certamente perderia as contas. Por este motivo, pensei em adicionar à coleção o meu próprio livro, aquele que mobilizou, inspirou e inspira minha vida, ao menos minha vida como pesquisadora.

Penso que não há ninguém melhor, e ao mesmo tempo, ninguém pior do que o próprio autor para analisar sua obra, dizer algo sobre. Sendo assim, não pretendo aqui fazer uma defesa apaixonada do meu projeto que durou, ao todo, quase cinco anos para se materializar, tampouco espero estar imune a algum sentimento de orgulho que de fato sinto, por ter conseguido realizar este desejo.

Para Lacan, em seu seminário sobre a Ética, não existe nada mais perigoso do que realizar o seu desejo. Para este autor, parece que realizar um sonho ou um desejo significaria, necessariamente, realizá-lo no fim de tudo, ao apagar das luzes. Por isso, então, "realizar um desejo" seria o mesmo que "realizar , no final". Ainda sobre o desejo, lembro de Zizek - um filósofo que dialoga com a Psicanálise lacaniana - falando sobre o caráter paradoxal que envolve desejo/sonho e felicidade. Para o autor esloveno, realizar um desejo seria, de saída, abrir mão da felicidade.

Sendo assim, das duas uma: ou você é feliz, ou realiza seu desejo. Esse caráter perigoso do desejo está tanto em Zizek como em Lacan, e perpassa, em geral, toda a ideia psicanalítica de subjetividade. Aí entra o mote para o meu livro: Feminino, arte & revolução: um aporte psicanalítico (Edufal, 2011) que fala sobre esses desejos que , via de regra, nos mobilizam e geram inquietações, construindo nossa identidade. Este livro, cabe dizer, foi o resultado de minha dissertação de mestrado realizado em São Leopoldo-RS.

Busquei aliar meu interesse pela subjetividade feminina ao diálogo com as artes, porque sempre acreditei no que Freud dizia a respeito do pioneirismo da arte nas questões do inconsciente. Porém, não necessariamente poderia fazer esta relação livremente, por exigências acadêmicas as quais, não retiraram todas as minhas esperanças deste intento.

Entendendo a subjetividade feminina como uma invenção, tal como Lacan desenvolveu, percebi o conceito de mascarada como uma possibilidade criativa diante da falta de referência na construção da identidade feminina e me coloquei à disposição do tema para que ele demolisse meus próprios paradigmas, me levando ao meu desejo, e não a minha felicidade. Estranho? Sendo um livro acadêmico, nascido de exigências igualmente acadêmicas, a ideia que norteou o projeto foi falar, mesmo que de maneira indireta, da arte feminina em fazer-se mulher e para tanto é necessário revisitar os autores, os teóricos que respaldaram o projeto.

No entanto, em poucas palavras, o que busquei entender - e por isso, me senti mobilizada - foi como esta construção de identidade se dá no contexto cultural atual, como as mulheres se tornam mulheres? Além da ultrapassagem do Édipo, da constituição da feminilidade através de amigas e de outras mulheres, como a mulher, hoje, se torna um sujeito, apesar da ausência do significante da feminilidade?

Leituras sexistas à parte, meu interesse foi me sustentar em quem primeiro falou sobre o tema, Joan Riviére e Lacan, para que, de fato, fosse possível pensar nas reconstruções que a mulher faz diante das exigências dos tempos atuais, a saber, a obediência irrestrita e geradora de ansiedade ao tripé " beleza-juventude-magreza", aos novos ideiais que apregoam a liberdade, a livre disposição dos sujeitos, toda a parafernalha científica-midiática que torna a mulher uma outra mulher, porque se reinventa hoje não mais como se reiventava ontem, seguindo referências outras.

No fim dessa discussão teórica surge o discurso das próprias mulheres que hoje tentam e criam a sua verdadeira "arte e revolução" diante dos ideiais contemporâneos. É preciso dar-lhes fala, tal como o fez Freud, desde as suas histéricas.

Até este ponto, talvez não saibamos o que isto tem a ver com o desejo, com o desejo feminino, mas, acredito que há uma relação quando começo esse texto falando do meu desejo que foi realizado, no fim. Desejo de pesquisadora de entender como se dão todas essas questões que, invariavelmente, também são minhas. No fim , realizei um desejo?Não sei, mas desconfio da face mortífera deste: pois só me vieram mais perguntas ao invés de conclusões sobre tudo isso que tem relação com a mulher e com sua subjetividade.

Realizar um desejo no fim, é saber que não há fim para um desejo, pois este continua nos guiando, por onde bem entender, assim é o papel do pesquisador que deve abandonar as ideias ingênuas que poderia ter sobre neutralidade. Esta não existe. Gosto muito de um trecho que escrevi neste livro, justamente falando da minha incapacidade de ouvir tudo isso incólume:

" [...] escutar é, necessariamente, dar forma aos próprios fantasmas; aquele que escuta não está imune ao que se lhe apresenta como queixa do outro e é neste ponto que se faz a dificuldade e também o motor, a mola propulsora desta empreitada"

Quer saber? No fundo, no fundo, pesquisar é nunca realizar o seu desejo. Porque isso nunca termina.