domingo, dezembro 02, 2007

A agonia do macho ou a queda da virilidade


"Os homens estão recusando o poder, não tanto porque as mulheres o ganharam, mas porque eles o perderam. Os homens estão cansados de ter que exercer a paródia da virilidade, de ter que sustentar o delírio da supremacia".

Alfredo Jerusalinsky


Quando me peguei lendo este fragmento do texto intitulado " O declínio do império patriarcal", percebo o quão verdadeiras são as palavras de Jerusalinsky, sobretudo posso mensurar, apenas mensurar a sua dor ao dizer dessa angústia masculina de ter que se afirmar, de ter que dizer-se macho ou viril. Para agradar a quem? As histéricas, não se engane.
Jerusalinsky não fala nada inédito, muitos autores que se debruçaram sobre os fenômenos do mundo contemporâneo já há muito falam de fluidez de laços sociais, era da livre gestão, e, claro, declínio da função paterna. O que se vê atualmente é o que Melman, o que Lipovetsky, Calligaris, Dör, Nasio, entre tantos outros já disseram, mesmo sendo homens: provavelmente a contemporaneidade veio atestar o óbito da macheza e lançar luz sobre o que está por trás da máscara da virilidade, a saber, seu aspecto de cômico, quase bufão, inadequado.
Sim, na contemporaneidade vê-se o declínio das instituições que elevam o pai, não existem mais livros sagrados que possam ser, de fato, levados em consideração. Melman fala que há uma falência geral de referências, é a queda do simbólico.
O tom pode ser nostálgico, afinal, como boas histéricas, queremos mesmo é que apareça esse homem dos tempos modernos, nao contemporaneos, cavalgando seu cavalo potente, usando sua capa, que tenha força suficiente para nos pegar pelos braços e levar-nos para a terra do nunca. Balela. Eu diria pra princesa aterrissar, porque a virilidade do príncipe encantado não passa de ficção.
Príncipes nao existem porque simplesmente nao existe nada na contemporaneidade que sustente o delirio de grandeza em que o macho perfeito, o macho alfa, possa deter em si a força de Sansão e o poder de Aquiles para conquistar o mundo, a cidade, a mulher.
A virilidade não mais existe, e quem as tenta impor, senão pode ser chamado de ator, ´pode ser chamado de charlatão. Tal como o médico de araque. Assim é o homem que prega a virilidade: Inicialmente até se acredita no teatro, mas logo a farsa é revelada quando falo é exposto a luz do dia. Assim se descobre que o diploma é falso, que a identidade masculina calcada na virilidade é falsa, balela, e quem tenta exercê-la só pode adquirir fracassos.
Fico aqui pensando nos pobres homens perdidos em meio aos tempos de incerteza em que já não mais reina: precisam de um carro, de um computador de ultima geração, de um emprego, de uma mulher-trofeu...tudo isso na incessante busca de ostentar aquilo que não tem e que, mesmo que tivesse, seria castrado, sem sombra de dúvidas.
Áqui pode-se perguntar. Castrado por quem? Pela mulher? Não sei ao certo, parece a resposta óbvia, certeira, mas é que não é. Não é a mulher que expõe a farsa da virilidade decaída, é um conjunto de fatores os quais aparecem na contemporaneidade e fazem marca nos sujeitos. A mulher, tal como diz Jerusalinsky não tem o mérito de desapossar alguém de qualquer coisa, simplesmente o falo - desde Lacan se sabe - não é posse de ninguém, e, mesmo que se tente encenar, ninguém tem, jamais terá e hoje em dia, quem tenta incessantemente tê-lo o faz em represália a tantos bombardeios que só veem desestruturar ainda mais o decadente edifício da macheza.
E então? O que fazer com tantos morteiros?com tantos ataques? refugiar-se na feminilidade? Essa é a saída de vários homens, mas ainda há aqueles que não desistem da encenação e, obtusos que são, precisam do carro mais novo, da mulher mais luxuriosa, do sexo sem limites, do corpo malhado. E o desejo? Bem, o desejo, podemos dizer que já são outros 500.
Tenho pena daquele que insiste na virilidade decaída, e tenho certeza que quem leu essa frase deve achar que li Karen Horney e o que existe, na verdade, é uma inveja do pênis. Deixe estar. Não é uma mulher que vai destituir o império patriarcal, ele se desfacelará sozinho, será sombra numa contemporaneidade cada vez mais ligada à relações frouxas, imaginárias, sem apoio.
Dito isto, o que resta aos homens? Quase nada. Talvez a desconstrução da identidade masculina calcada na virilidade em desuso. Os que insistem, podemos dizer que são os homens modernos, das cavernas, vá lá.
A verdade é que não existe mais autoridade paterna, nem de qualquer instituição e nem há mais espaço para o macho-comedor, apesar de haver sempre uma histérica ou outra que, visando um mestre, acabam servindo de macacas de auditório para a pretensa exibição do falo: "Isso meu amor, assim mesmo, você é o melhor, sem você não existo, como você é forte, como joga bem!".
Eu acredito que a contemporaneidade tenha papel primordial para que o castelo ilusório da virilidade decaia, mas sendo eu mulher, não custa denunciar, com o vazio do meu feminino que não se cansa de não se calar, a morte de Deus, do pai, das instituições, do macho, do homem das cavernas.
E o feminino ameaça tanto!Em que conclusão posso chegar? Que o futuro de todo homem é ceder à feminilidade, é abandonar a pretensa posse do falo? Jamais farão isso pelo simples fato de que sempre haverá uma macaca de auditório, uma histérica que, se já não se paralisa diante da própria sexualidade, necessita ardentemente de um médico, de um homem, para dizer-lhe quem é.
Eu, por ora, recuso o papel da macaca de auditório, da histérica emocionada com o poder fálico e com a virilidade. Prefiro um homem re-inventado, que sabe que masculinidade não necessariamente depende da assunção da posição de dominador diante da "fêmea". Esses sim, os homens contemporâneos.
Quanto aos que ainda insistem no delírio da virilidade, nada tenho a dizer justamente porque estão mais preocupados com a própria macheza e definitivamente não perderiam seu tempo lendo isto, a bem da verdade, muitos nem ler sabem.