sexta-feira, setembro 07, 2007

Na era de Bono Vox



Em " Os tempos hipermodernos", Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles discutem de maneira fluida e instigadora os tempos em que nós vivemos. Em toda a trajetória do pensamento de Lipovetsky está presente o dualismo do sujeito contemporâneo, preso entre o fomento à responsabilidade ( seja prático, seja humano, seja sobretudo ético, não somente política, mas ecologicamente correto) e às práticas consumistas (consuma não para rivalizar com outrem, mas consuma visando o prazer, a satisfação).

A obra de Lipovetsky, como se pode supor, não faz apologia dos tempos pasados, da era do Simbólico, como muitos psicanalistas, mas observa os fenômenos sob perspectivas mais reais, menos ideais, mais flexíveis - como caraterísticos da sociedade em que vivemos. A mídia tem sim seu poder em alienar os sujeitos, em ditar comportamentos, mas, ao mesmo tempo, promove acesso democrático à informação, permite que esse mesmo sujeito assuma sua vida, tenha a autonomia necessária para agir. Ou seja, para Lipovetsky, não existe apenas uma face boa, nem uma face ruim; ambas coexistem de forma a gerir o sujeito de hoje. Assim, pode-se pensar, o que fazer? Qual nosso papel numa sociedade e em que, aparentemente, somos guiados, tanto rumo à alienação, como à autonomia, mas, de todo jeito, guiados?

Não, Lipovetsky não pensa o sujeito contemporâneo como alguém passivo ao mundo ao seu redor; às mudanças téoricas, políticas e midiáticas. Ele pensa que há, sim, possibilidade de transformação, de mobilidade. Como? Através da tomada de responsabilidade.


É sendo responsáveis que poderemos existir numa sociedade em que já não existe certo e errado e em que impera a autonomia, a ampla gama de opções e o livre arbítrio. Ser responsável, nos tempos de hoje, é poder agir conforme uma ética, não mais uma ética vinda de fora, capturada pelos ouvidos, impostas como superego; a ética de hoje é extremamente pessoal, subjetiva e baseada nas paixões.


Dessa forma, torna-se uma escolha ser responsável ou irresponsável (apesar de que ambos existem no cerne do sujeito de hoje, impossível negar), porém e preciso que se escolha mais o viés responsável para que possamos viver em um mundo, digamos, que se não pode ser igualitário, que possa ser justo. No fundo, a existência hoje não está mais centrada no bem-estar social , mas sim, no bem-estar pessoal.


Assim, ser responsável é uma escolha diante do inevitável irresponsabilismo, ser ecologicamente correto é uma escolha e um diferencial entre os sujeitos. Assim, fulano não é mais representado pelo que tem, não , já foi o tempo do ser pelo ter, agora somos testemunhas do parecer pelo ser; fulano então não é descrito como, Maria da Silva, 32 anos, bióloga; é descrita como Maria da Silva, 32 anos, responsável, não joga lixo no chão, não escova os dentes de torneira ligada, contribui com três ações por dia para tornar o mundo em que vive mais saudável.


É interessante quando vemos isso acontecer frente aos nossos olhos. Atualmente vê-se o crescimento da preocupação com o aquecimento global, com a queimada nas florestas, com o desaparecimento da camada de ozônio. Tudo muito no nível da aparência, regido por uma ética pessoal, subjetiva: alguém me disse que é "in" ser contra Bush, saber falar sobre o protocolo de Kyoto, contra o desmatamento e fazer ações ecologicamente corretas, reciclagem, etc. Alguém me disse, alguém faz, e isso gera uma satisfação pessoal, assim, faço eu também.Se puder estampar isso, em uma camisa, ótimo. Todos saberão que sou contra Bush, reciclo papéis e sei quantos porcento de mata atlântica são devastados por ano.


Desse modo, vê-se Madonna, Elton John, tantas outras bandas famosas fazerem discursos ecologicamente corretos, vê-se os "Live aid" "Live Earth" e afins visando mobilizar um sujeito ao mesmo tempo alienado e autônomo, guiado pela mídia e que tem em Bono Vox o modelo de sujeito contemporâneo, abrigando o responsável (atitudes corretas, ações de solidariedade) e o irresponsável (representante do rock'n roll como arte subversiva, em outras épocas) em seu cerne.


Sim, vamos usar a mídia, a Madonna e suas dancinhas, hoje, politicamente corretas, como modo de retirar o sujeito contemporâneo dessa letargia da qual somente a mídia, a moda e o consumo podem retirá-los.


Assim, cabe perguntar: Há erro nisso, se, inegavelmente as pessoas estão cada vez mais cientes dos males que faz ao planeta, aos problemas advindos de tantos séculos de negligência para com o "planeta azul"? Não, é preciso ver o lado bom disso.


Por mais que sejamos sujeitos dotados por uma ética pessoal, subjetiva e que priorizemos o privado e o pessoal em detrimento do público e do social, por mais que não tenhamos grandes livros, grandes instituições e grandes líderes nos dizendo o que fazer, cada sociedade tem aquilo que merece. Temos Bono Vox, Live earth e Al Gore, este último revestido pelos poderes midíaticos, está mais para o show business do que para a política como nos acostumamos a entendê-la.


Portanto, que não joguemos pedras nos recursos que temos, hoje, para viver em sociedade, que possamos fazer limonadas com os limões que temos a mão, mas se pudermos sempre buscar modos para que as cascas sejam reaproveitadas em alguma cooperativa ecologicamente correta, tanto melhor.

domingo, setembro 02, 2007

Salve Freud, Salve Sarah Bernardht e sua histeria!




França, Paris, 1885


Antes mesmo da construção da Torre Eiffel, uma outra atração toma conta da cidade-luz, capital da erverfescência cultural mundial. Tudo que havia de mais moderno estava em Paris, os melhores cafés, artistas de renome costumavam confraternizar-se em ambientes em que predomina a cena intelectual.


Neste meio estava Freud. Médico, em seus 29 anos de vida, interessado em neurologia. Conseguiu uma bolsa de estudos e foi-se embora pra capital do mundo. Lá foi estagiar no Hospital Salpetrière, conhecida instituição depositária de mulheres denominadas "pacientes nervosas". Freud tinha um laboratório de neurologia a sua disposição, os melhores professores e bibliografia acerca do que desejava estudar. No entanto, seu interese começa a ser dirigido para as aulas do professor Jean-Martin Charcot .


As aulas mais interessantes na opinião do jovem médico eram as aulas de Charcot. Pacientes "nervosas" eram apresentadas à sala, composta por muitos outros jovens médicos, e ali acontecia o que veio a ser a mola propulsora do arcabouço teórico psicanalítico: A Histeria.

Freud se surpreendia com as pacientes que podiam rir, chorar, até mesmo andar , mesmo com seus membros paralisados, ao simples comando e sugestão de Charcot. Os fenômenos histéricos ali eram apresentados como se fossem encenados. Sim, a atração turística de Paris eram as histéricas do Salpetrière.


Em novembro de 1885, escreve Freud a Martha Bernays, sua futura esposa:

" Acho que estou mudando muito. Vou dizer-lhe detalhadamente o que está me afetando [...]não sinto mais nenhuma vontade de trabalhar em minhas próprias bobagens [...] meu cérebro está saciado como se eu tivesse passado uma noite no teatro [...]”


Ah! Como é bom estar aberto a novos interesses. Freud estava em Paris pra estudar neurologia e acaba interessando-se pelas mulheres que representavam a histeria como se fossem atrizes, talvez...influenciadas por Sarah Bernardh, a grande atriz dramática da época. Sim, minha opinião é que nós, psicanalistas, psicólogos ou não, nós, como humanidade, devemos agradecer à Arte se hoje conhecemos algo chamado Psicanálise.


Exatamente, eu acredito que se não fosse o gosto de Freud por tudo que fosse de cunho artístico/cultural, jamais poderíamos ter conhecido a teoria psicanálitica, e, com isto, a história do pensamento humano perderia muito.


Se não fosse assim? Se não fosse assim, talvez o nome de Sigmund Freud fosse visto apenas em compêndios de medicina, de neurologia, falando algo sobre o nervo óptico. Sonhos? Atos falhos? Chistes? A humanidade jamais ouviria falar nisso.


Em consequencia, não haveria MelanieKlein, nem Donald Woods Winnicott, nem Carl Gustav Jung, nem Jacques Lacan. Sim, não haveria psicanálise. E como pensar num mundo sem Psicanálise? Como conceber um mundo em que não existisse Freud, o psicanalista e sim, Freud, o neurologista?


Eu, particularmente, não consigo entender o mundo sem os olhos psicanalíticos, talvez estivesse eu estudando as algas, os fitoplânctons, úlceras gástricas, geografias, tremores sistímicos, escala Richter, marte, plutão, aurora boreal, sistema nervoso, sistema endócrino, àcaros...Mas não o psiquismo humano e seus meandros.


Por isso eu hoje rezo por Sara Bernardht, rezo pelo primeiro egípcio que inventou os hieroglífos, agradeço à sociedade mesopotâmica, à Leonardo da Vinci, a Dostoievksy e tantos outros nomes que influenciaram Freud e o impressionaram a ponto de fazê-lo dar cria ao que chamamos de Psicanálise. Eu agradeço ao deus das artes, se existe um, seja ele pertencente à mitologia grega ou romana, por ter me dado esse presente, que mesmo q pertença a toda a humanidade, me faz ter vontade de abrir os olhos todos os dias e desejar descobrir algo novo.