terça-feira, junho 19, 2007

Era uma casa




E hoje eu vou embora. Na verdade eu já fui, mas hoje eu vou oficialmente. Vou com uma mala vermelha, uma mochila e varias lembranças. Aqui eu fui a minha melhor , pior e única companhia.
Aqui aprendi sobre a sensação de ser estrangeira numa terra que a nada se assemelha com a minha, aprendi a chorar e a rir sozinha. aprendi sobre a vida, sobre dor, amor, amizade e família. Acho que o que menos aprendi aqui foi Psicologia – aquela dos livros.
Em pensar que nos primeiros dias consegui pés machucados. Hoje, cerca de um ano depois, saio com o coração avariado. Avariado porque não necessariamente triste, nem sangrando, mas posso dizer que mal das pernas. É isso, meu coração vai mal das pernas.
Quanta dor, pra nos neuróticos, existe num simples virar de página? Falo por mim, muita.
Hoje resolvi tentar umas muletas, para o coração. Fui andar. As velhas andanças por um lugar que já chamei de lar. Senti os mesmos cheiros, das plantas, dos amaciantes de roupa de uma casa que já foi tão familiar, e hoje, embora já distante, continua parecendo um lar.
Lar. O que seria aquele lar? Uma casinha de madeira, se eu fosse Vinícius poderia tentar uma rima, ou simplesmente dizer que não tinha teto, não tinha nada. O caso é que tinha teto e assoalho. Era uma casa muito engraçada, isso era. Era uma casa que era minha, mesmo sem ser.
A minha casinha era assim, pequena mas perfeita para mim. Ali sorri,chorei, amei, esperei e estudei. Naquele pequeno espaço, que, ironicamente, costumava ser a sala de costura de uma casa só, me costurei.
Tenho que dizer que nem sempre tinha linha, às vezes só tinha que dar uns alinhavos, às vezes dava um ponto, mas muitas vezes faltava agulha.
Metáforas poéticas à parte, naquela casinha eu fui, na maior parte do tempo, feliz, mesmo sem saber que o era. Na antiga salinha de costura eu aprendi a ser gente. E os caminhos parecem ainda tão familiares...na maioria do tempo parece que nunca sai daquela casinha alemã.
Não consigo descrever muito o que eu senti, porque não inventaram ainda no dicionário o que sirva pra descrever um sentimento de pertencer sem pertencer. Não sei se me faço entender, se não, vai ver que é porque até pra mim soa confuso. No caminho pra minha antiga casinha, vendo de novo as mesmas flores, as mesmas arvores, eu pensei que ali eu fui feliz, mais talvez do que triste, aquela casa, aquela rua , aquelas flores, serão ilustrações mentais... quando eu me lembrar dali. Vou lembrar ate o dia em que eu não mais respirar, eu vou lembrar da minha casinha.
Vou lembrar do lugar em que aprendi que eu existia independente de um espelho, vou lembrar que eu era alguém, diferente dos outros, mas também essencialmente carente e dependente, dos outros.
Sim. A minha casa tinha teto, tinha porta e era engraçada. Tinha vida, apesar de ser só a minha. É verdade que nem sempre o sol aparecia – as persianas sempre fechadas. Mas eu podia dizer que ali tinha vida.
A minha casinha não é mais minha, tem outro dono. Mesmo que as minhas contas não cheguem mais ali, mesmo que não tenha eu para não abrir as persianas, mesmo que não tenha a minha bagunça, a minha casinha, na minha memória, sempre será minha.
Certamente outras casinhas virão. Mas nesta, nesta eu deixei algo, e não foram toalhas.