sexta-feira, agosto 22, 2008

Uma tarde na biblioteca






Já que já falei de bares, e de sala de aula, parece interessante agora mudar de ambiente e falar de um lugar bastante particular e que sempre me inspirou bastante, seja pelo lado da intelectualidade, seja pela curiosidade , esta que sempre foi amiga de todas as horas. Existe algo mais inspirador do que uma biblioteca?


É o que vamos descobrir, porém, de saída, digo que a mim, não sei a vocês, não os conheço para dizer que este ambiente é-lhes inspirador, mas, o que posso dizer é que a mim inspira e suscita questões e questões as quais não posso responder ao buscar em uma estante qualquer algum livro empoeirado, as questões que me ocorrem não são tão elaboradas, mas acredito fazerem parte da curiosa natureza humana. Vejamos:


Deixo claro que minhas incursões às bibliotecas se restringem ao ambiente acadêmico. Uma curiosidade que, de cara, me chamou atenção: O número de pessoas ditas "alternativas" amontoadas em suas proximidades. Mais particularmente falando, me pergunto: Por que diabos se aglomeram tipos esquisitos, aparentemente avessos à assepsia e/ou a qualquer noção de higiene pessoal e notadamente pertencentes a uma ordem social diversa da qual podemos qualificar como tradicionalista?

Esse me parece ser o maior mistério que circunda o ambiente da biblioteca das universidades federais: Por acaso , para pensar, as pessoas, invariavelmente, devem abandonar hábitos higiênicos e cuidados com a apresentação pessoal? Será que, para pensar, para ler Kant, Nietzsche ou Rogers alguém deve abdicar dos banhos?

Parece que, de acordo com algumas mentalidades estudantis das universidades federais, quanto mais sujo se for, mais leitura a criatura possuirá.

Com isso, cabe questionar: Serei mais inteligente, culto e engajado socialmente se deixar, de uma vez por todas, de cultivar hábitos saudáveis como, por exemplo, tomar banho, barbear-se, cortar e lavar os cabelos?

Sobre isso, não sei o que dizer, posso dizer, pela minha experiência, que não li Schopenhauer, não li Nietzsche, porém, continuo tomando banho e penteando o cabelo. Caso exista no prólogo de alguma obra dos autores citados alguma menção quanto à necessidade de nutrir um visual desleixado, favor me informem os engajados - se houver, não me darei ao trabalho sequer de ler as orelhas dos livros em favor da assepsia das minhas.

Esse fato sempre me intrigou. Sejam os líderes dos movimentos estudantis, sejam alguns frequentadores da biblioteca, sejam nos encontros de poesia ou de cinema alternativo: O que essas pessoas tem contra o fato de se vestir bem, de causar uma boa impressão, de estar asseado?

Não raramente, quando me deparo com neo-hippies, seguidores melancólicos de Raul Seixas e órfãos de Bob Marley nas portas da biblioteca da Univerdade Federal de Alagoas, vêm-me à mente a imagem de Karl Marx com uma escopeta na mão, dizendo: "- Malamanhados do mundo, uni-vos!"É impossível não pensar nisso ao se deparar com a legião de pseudo-revolucionários que teimam em velar um defunto que já virou pó, insistem num socialismo que, senão é digno de ser mencionado como útopico, enquadra-se mais num socialismo alucinatório: Não existe mais justamente por não ter dado certo, e não será agora, no auge do capitalismo e no ápice da globalização que meia dúzia de gatos pingados irão ressuscitá-lo. Entenderam? Desistam, acabou por um motivo e ainda bem, não fosse isso, viveríamos em uma ilha - Cuba?

Engraçado é perceber que todo o ambiente que se forma em torno da biblioteca faz dela um lugar propício para o alastramento dessas figuras de origem e hábitos higiênicos duvidosos: Mesas de Xadrez, por que, em algum lugar, também deve ter sido convencionado que, aquele que joga xadrez é, definitivamente, mais inteligente do que aquele que se dedica ao pingue-pongue e/ou à sinuca ( para estes, existe o famoso "Under the bridge", bar sombrio próximo à Ufal que abriga certos estudantes que não lêem, obviamente, na visão, dos que na biblioteca estão).

Existem mesas de xadrez, e certamente, sentados a ela ver-se-ão estudantes com cara de compenetrados, bastante sisudos e avessos à qualquer tipo de comunicação com seres humanos os quais possam julgar como inferiores. Silêncio deve ser preservado. Também se faz essa relação: quanto mais silencioso se for, mais inteligente se é, portanto, mais credenciado você está a fazer parte do seleto grupo que se encontra na biblioteca.

O que são, também, aqueles estudantes da área de Humanas? Será que eu perdi alguma coisa na minha formação, não sei, me pergunto se faltei muitas aulas, justamente aquelas em que deve ter sido distribuido algum estatuto sobre como comportam-se os estudantes da área de Humanas, algum manual, livreto qualquer que me falasse sobre a importância de ter lido "O Banquete", de saber quem é Nietzsche e Aristóteles?

Não sei, gostaria de saber aonde encontrar tal documento de importância inegável na vida de sociólogos, psicólogos, jornalistas e afins.

Gostaria de saber, também, se o fato de eu utilizar um jaleco faz de mim superior à grande maioria das pessoas dispostas neste ambiente tão amigável que é a biblioteca da universidade federal. Não raramente vejo criaturas da chamada "área da saúde" adentrar ao recinto utilizando, além da impáfia usual, um jaleco impecavelmente branco, porém , não se assustem com a quantidade de bactérias e fungos ali escondidos, como que espreitando e acompanhando o estudante que, avidamente, se locomove por entre os corredores buscando livros sobre Citologia/Patologia/Hemorragias e/ou afins.

Quando me deparo com essas criaturas, fico pensando na competição que deve haver entre as bactérias do jaleco do estudante orgulhoso de seu curso e as traças e outras tantas bactérias presentes em cada livro que por ele é manuseado para ver quem contamina mais.

Por que será que as pessoas não entendem que o jaleco é feito, justamente, para evitar contaminações e não atrai-las. Ah, eu acho mesmo que a questão do ego inflado supera tudo isso, se eu posso aparecer e fazer cena, posto que , tomo banho e não li Nietzsche, vou vestir o meu jaleco e dizer que sou doutor - mesmo que seja apenas aprendiz de nutricionista, enfermeiro e/ou afins!


Enfim, poderia passar horas e horas falando sobre as tantas inspirações que uma tarde na biblioteca da Ufal me trariam. Daria pano pra manga, páginas e páginas, capítulos , de quem sabe, um livro, a ser disposto nas estantes de Psicologia? Assepsia? Sociologia? Não sei, não li o suficiente para ser uma autora de nome, além disso, sou muito limpinha para ser do grupo dos alternativos.

A pergunta que não quer calar: Faço ou não faço dread no cabelo?