segunda-feira, dezembro 17, 2007

Jabor contra Coelho






Eu que não li Paulo Coelho me espanto com o número de pessoas que habita a comunidade no orkut chamada "Paulo Coelho não é Literatura". São mais de 10 mil pessoas exigentes, talvez não todos críticos de literatura, muitos devem ser agitadores, revoltados, rebeldes sem causa que nem eu, a bradarem seu medo de que um dia o célebre autor vire leitura obrigatória em colégios e faculdades.


Não posso negar, faço parte desse mundo de gente que assertivamente diz que Paulo Coelho não é literatura. Vocês podem dizer, qual é a sua base para dizer que Coelho não é literatura?Não mentirei, não li seus clássicos. Tampouco li Dostoiévsky, não, sequer folhei o Código Da Vinci. Tem muita coisa que não li e mesmo assim critico, mas com Paulo Coelho é diferente, é um prazer maior, não sei por qual motivo, simplesmente gosto de criticá-lo. Assim mesmo.


Eu digo que Paulo Coelho não é literatura, simplesmente por convicção de que, não sendo ignorante quando se trata de letras e já tendo lido Machado de Assis, Luiz Fernando Veríssimo e Goethe, eu posso, por exclusão, dizer que Paulo Coelho , e o pouco que sei dele, não é literatura. Digo mesmo influenciada pelo grupo de rebeldes críticos, não, não é literatura mesmo sem eu ter lido uma linha.


Acho que a boa literatura é aquela que nos leva para outros mundos, para além das quatro paredes nas quais nos encerramos com o livro na mão. A boa literatura, no entanto, entendo não ser apenas isso, posto que o que Coelho faz, segundo quem o lê, é levar tanta gente a tantos lugares exóticos, exotéricos.


A boa literatura exige mais do que um passaporte imaginário, ela exige capacidade crítica de quem lê, para que, tomando as letras que absorve como metáfora, possa fazer da palavra lida, palavra escrita por ele mesmo. O que quero dizer é que, na minha opinião, para ser um bom livro, o livro precisa nos ler e nos pegar pela mão.


Atualmente estou lendo Jabor, "Amor é prosa, sexo é poesia", e acredito que, nada melhor do que um livro de crônicas bem escritas para nos fazer desabrochar a capacidade de pensar. Jabor nesse livro fala sobre tudo um pouco: relacionamento homens e mulheres, contemporaneidade, crônicas sobre o futuro do Brasil...enfim, são temas variados que fazem o bom leitor indagar, questionar, e sobretudo, além de pensar, colocar algo em movimento sob o impacto da palavra lida.


Desde as relações frouxas da era pós-moderna até a bunda de Juliana Paes, o Jabor fala de coisas com que todo mundo se depara até mesmo na banca de jornal da esquina, com isso, não necessariamente a leitura de Jabor nos leva ao caminho de Santiago de Compostela ou a tantos outros lugares.


Não, Jabor não nos leva além da banca de jornais, muitas vezes, e isso é o crédito que pode ser dado a ele: mesmo aqui no nosso país de miseráveis a boa literatura se apresenta como antídoto contra a alienação, mesmo que não nos leve a outros continentes nem seja best-seller.


Tudo bem, então sejamos imparciais agora, logicamente estamos falando de estilos diferentes, Coelho escreve seus estórias em prosa, não sei se todas, acredito que já deve ter se aventurado por outros estilos, mas não posso afirmar, posto que, como já disse, sou uma ignorante quando se trata de Paulo Coelho.


O que quero apontar aqui é que, muitas vezes, um livro de crônicas como o de Jabor é capaz de fazer as palavras saltarem do papel escrito pro papel em branco, e isto, acredito, é a maior vantagem da leitura: tornar o leitor um autor.


Dito isto, agora me vem uma preocupação: Se esta é a maior vantagem da literatura, quem será que fez Paulo Coelho ser Paulo Coelho?

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Contraponto à boa Amélia

" [...] pelo casamento, é que o sexo feminino poderá alcançar o sustento que lhe é necessário"
Schopenhauer - A arte de se fazer respeitar.
" As mulheres representam o triunfo da matéria sobre a mente".
Oscar Wilde - O Retrato de Dorian Gray
" A mulher nao teria arte para se enfeitar se não pressentisse o papel secundário que desempenha".
Nietzsche - Para além do bem e do mal
Quando juntei esses três pensadores nesse texto não pretendi nada além do óbvio: demonstrar como, ao longo dos séculos, a história do pensamento humano tem relegado à mulher o mesmo papel secundário do qual Nietzsche fala. O incrível é que, mesmo que tenhamos, nós mulheres, ultrapassado os limites impostos pela autoridade paterna, ainda há aquelas que existem apenas com o intuito de corroborar o pensamento dos autores citados.
Desse modo, vestem-se e vivem suas vidas baseadas no pretenso brilho que tem o falo. Como bem se sabe, o falo não é propriedade de ninguém; ele atua como moeda de troca entre os sexos. Claro que muito se passou desde Lacan e seu falo, porém, há de se convir que em toda relação se supõe que o outro detenha algo que poderá completar o sujeito.
Desde os primórdios do pensamento humano, a mulher está associada à beleza, juventude, e desejo. O que foge disso ou é associado ao masculino, ou é associado à figura materna. Logo, gordura, velhice, feiura, é, literalmente, a mãe (obviamente estamos excluindo aqui os casos edípicos, em que, como bem diz o termo, a mãe possui as mesmas qualidades que a mulher passível de ser desejada sexualmente, excluamos então o pobre Édipo).
O que falamos aqui é que, ainda assim, tem sido mais confortável conceber as mulheres como belas e preocupadas com características de meiguice e sedução do que entendê-las como seres pensantes.
Exemplo? Posso dar. Na Grécia Antiga, na ilha de Safo, uma poetisa e pensadora que doutrinou muitas mulheres para a atividade do pensamento, do entendimento das coisas e dos objetos. Certamente poucos sabem disso, mas de Sócrates todos ouviram falar em qualquer apostila de cursinho pré-vestibular.
Poderia citar outras mulheres "injustiçadas" mas não quero parecer feminista. Elas tiveram seu valor, hoje em dia qualquer ranço de inflexibilidade é mal visto e/ou mal interpretado. Não quero dar esse tom ao texto.
O que quero dizer, sem meias palavras e sem mais rodeios, é que uma mulher que pense continua incomodando, seja o homem Nietzsche, Schopenhauer ou mesmo o Zé da esquina, ou seu João da padaria. Uma mulher que pensa é vista como exceção à espécie destinada à luxúria e ao desejo (masculino) apenas. Logo, a mulher que pensa é sobretudo, imaginada como feia, desprovida de qualidade sedutoras, desprovida de atrativos visuais, aqueles que saltam aos olhos masculinos.
Uma mulher que pensa e é bonita é mais aberrante ainda, e o que fazer com ela? cerrá-la em uma laboratório e investigar as vicissitudes do seu cérebro ou subjulgá-la ao fictício poder fálico?Eis a dúvida quase shakesperiana. Acredito que poucos sao os corajosos a aguentarem uma mulher que pensa.
Com isto quero dizer que, exceção e aberração, a mulher que pensa assusta e atrai o olhar masculino, mas, a grande maioria dos homens prefere subjulgá-la, inferiorizá-la para que assim se sinta melhor em sua própria pele.
Não raramente a mulher que pensa passa os natais sozinha, comemora sozinha seus aniversários e não tem para quem ligar num sábado a tarde que não os bons amigos de longa data. Em relacionamentos amorosos ela assusta por não se contentar com o pouco que alguns lhe oferecem em troca do pretenso falo que pensam possuir. Ela sabe que é um engodo essa coisa de falo estar no masculino. O falo dela está em sua inteligência, em seu saber, e esse é que atrai o masculino, ao mesmo tempo que lhe esfrega na cara a incompetência viril.
Apesar do tom aqui utilizado, não acho que todos os homens estejam com medo da mulher que pensa, há os pensantes que reconhecem o seu valor e fazem de tudo para não deixá-la escapar, há também aqueles que não se assustam e conseguem manter uma relação equilibrada com alguém que pode ser intelectualmente superior a ele. Enfim, há diversas possibilidades visto que esse mundo que habitamos não é uma ilha fechada, tampouco carece de mudanças, estamos sempre mudando e generalizações não cabem quando estamos falando de seres humanos, feixe de possibilidades por si sós.
Feita aqui a defesa e tendo dito de antemão que não pertenço a classe daquelas que acha que homem e dejeto são sinônimos, pretendo aqui dizer que a mulher que pensa também deseja e deseja muito. Cabe a quem se aventurar, e tiver coragem de, embarcar.
Aos que não conseguem modificar seu discurso e nem seu comportamento assustado diante de uma mulher assim, cabe meu conselho de que leiam Schopenhauer, Nietzsche, Platão...qualquer um desses, e tente buscar em suas entrelinhas uma corroboração inteligentemente embasada para subjulgar, inferiorizar o feminino. Ah, mas nem tudo está perdido, para cada mulher que pensa existem 100 Amélias.
Exatamente. Aquela que era mulher de verdade.

domingo, dezembro 02, 2007

A agonia do macho ou a queda da virilidade


"Os homens estão recusando o poder, não tanto porque as mulheres o ganharam, mas porque eles o perderam. Os homens estão cansados de ter que exercer a paródia da virilidade, de ter que sustentar o delírio da supremacia".

Alfredo Jerusalinsky


Quando me peguei lendo este fragmento do texto intitulado " O declínio do império patriarcal", percebo o quão verdadeiras são as palavras de Jerusalinsky, sobretudo posso mensurar, apenas mensurar a sua dor ao dizer dessa angústia masculina de ter que se afirmar, de ter que dizer-se macho ou viril. Para agradar a quem? As histéricas, não se engane.
Jerusalinsky não fala nada inédito, muitos autores que se debruçaram sobre os fenômenos do mundo contemporâneo já há muito falam de fluidez de laços sociais, era da livre gestão, e, claro, declínio da função paterna. O que se vê atualmente é o que Melman, o que Lipovetsky, Calligaris, Dör, Nasio, entre tantos outros já disseram, mesmo sendo homens: provavelmente a contemporaneidade veio atestar o óbito da macheza e lançar luz sobre o que está por trás da máscara da virilidade, a saber, seu aspecto de cômico, quase bufão, inadequado.
Sim, na contemporaneidade vê-se o declínio das instituições que elevam o pai, não existem mais livros sagrados que possam ser, de fato, levados em consideração. Melman fala que há uma falência geral de referências, é a queda do simbólico.
O tom pode ser nostálgico, afinal, como boas histéricas, queremos mesmo é que apareça esse homem dos tempos modernos, nao contemporaneos, cavalgando seu cavalo potente, usando sua capa, que tenha força suficiente para nos pegar pelos braços e levar-nos para a terra do nunca. Balela. Eu diria pra princesa aterrissar, porque a virilidade do príncipe encantado não passa de ficção.
Príncipes nao existem porque simplesmente nao existe nada na contemporaneidade que sustente o delirio de grandeza em que o macho perfeito, o macho alfa, possa deter em si a força de Sansão e o poder de Aquiles para conquistar o mundo, a cidade, a mulher.
A virilidade não mais existe, e quem as tenta impor, senão pode ser chamado de ator, ´pode ser chamado de charlatão. Tal como o médico de araque. Assim é o homem que prega a virilidade: Inicialmente até se acredita no teatro, mas logo a farsa é revelada quando falo é exposto a luz do dia. Assim se descobre que o diploma é falso, que a identidade masculina calcada na virilidade é falsa, balela, e quem tenta exercê-la só pode adquirir fracassos.
Fico aqui pensando nos pobres homens perdidos em meio aos tempos de incerteza em que já não mais reina: precisam de um carro, de um computador de ultima geração, de um emprego, de uma mulher-trofeu...tudo isso na incessante busca de ostentar aquilo que não tem e que, mesmo que tivesse, seria castrado, sem sombra de dúvidas.
Áqui pode-se perguntar. Castrado por quem? Pela mulher? Não sei ao certo, parece a resposta óbvia, certeira, mas é que não é. Não é a mulher que expõe a farsa da virilidade decaída, é um conjunto de fatores os quais aparecem na contemporaneidade e fazem marca nos sujeitos. A mulher, tal como diz Jerusalinsky não tem o mérito de desapossar alguém de qualquer coisa, simplesmente o falo - desde Lacan se sabe - não é posse de ninguém, e, mesmo que se tente encenar, ninguém tem, jamais terá e hoje em dia, quem tenta incessantemente tê-lo o faz em represália a tantos bombardeios que só veem desestruturar ainda mais o decadente edifício da macheza.
E então? O que fazer com tantos morteiros?com tantos ataques? refugiar-se na feminilidade? Essa é a saída de vários homens, mas ainda há aqueles que não desistem da encenação e, obtusos que são, precisam do carro mais novo, da mulher mais luxuriosa, do sexo sem limites, do corpo malhado. E o desejo? Bem, o desejo, podemos dizer que já são outros 500.
Tenho pena daquele que insiste na virilidade decaída, e tenho certeza que quem leu essa frase deve achar que li Karen Horney e o que existe, na verdade, é uma inveja do pênis. Deixe estar. Não é uma mulher que vai destituir o império patriarcal, ele se desfacelará sozinho, será sombra numa contemporaneidade cada vez mais ligada à relações frouxas, imaginárias, sem apoio.
Dito isto, o que resta aos homens? Quase nada. Talvez a desconstrução da identidade masculina calcada na virilidade em desuso. Os que insistem, podemos dizer que são os homens modernos, das cavernas, vá lá.
A verdade é que não existe mais autoridade paterna, nem de qualquer instituição e nem há mais espaço para o macho-comedor, apesar de haver sempre uma histérica ou outra que, visando um mestre, acabam servindo de macacas de auditório para a pretensa exibição do falo: "Isso meu amor, assim mesmo, você é o melhor, sem você não existo, como você é forte, como joga bem!".
Eu acredito que a contemporaneidade tenha papel primordial para que o castelo ilusório da virilidade decaia, mas sendo eu mulher, não custa denunciar, com o vazio do meu feminino que não se cansa de não se calar, a morte de Deus, do pai, das instituições, do macho, do homem das cavernas.
E o feminino ameaça tanto!Em que conclusão posso chegar? Que o futuro de todo homem é ceder à feminilidade, é abandonar a pretensa posse do falo? Jamais farão isso pelo simples fato de que sempre haverá uma macaca de auditório, uma histérica que, se já não se paralisa diante da própria sexualidade, necessita ardentemente de um médico, de um homem, para dizer-lhe quem é.
Eu, por ora, recuso o papel da macaca de auditório, da histérica emocionada com o poder fálico e com a virilidade. Prefiro um homem re-inventado, que sabe que masculinidade não necessariamente depende da assunção da posição de dominador diante da "fêmea". Esses sim, os homens contemporâneos.
Quanto aos que ainda insistem no delírio da virilidade, nada tenho a dizer justamente porque estão mais preocupados com a própria macheza e definitivamente não perderiam seu tempo lendo isto, a bem da verdade, muitos nem ler sabem.

sábado, novembro 10, 2007

Objeto causa de desejo e poesia




“ O objeto pequeno a é um oco, uma falta, é o outro enquanto falta que convoca eu desejo. Chame-se Cármides ou Albertina, o amado é para o amante o objeto a ser sempre conquistado”.

Juan David Nasio


A frase acima faz uma explicação deveras simplificada sobre um conceito psicanalítico que considero mais bonito, mais poético. Perto dele não há Édipo, não há significante, não há objeto transicional. O objeto a, ou objeto causa do desejo é poético porque sua essência é passível de ser compreendida pelos mais leigos dos leitores, geralmente os que mais sabem de psicanálise.

Digo isto porque muito antes de Lacan falar em objeto causa do desejo, artistas já o fizeram, poetas, escritores, escultores e pintores já fizeram arte com o que se desprende do ser amado, causando esse ofuscamento que produz um desejo, uma luz.

Drummond, sem precisar de Lacan, conhecia o objeto a: “ Quando estou, quando estou apaixonado, tão fora de mim eu vivo que nem sei se vivo ou morto quando estou apaixonado”.
Florbela era outra: “ Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, poisam nos meus, suaves e cansadas, como em dois lírios roxos e dolentes”.

O que podemos apreender disso tudo é que Drummond sabia tanto quanto Lacan que estar apaixonado é estar fora de si uma vez que se dá o encontro com o objeto causa de desejo, é ser desalojado, por querer, da própria alma. Florbela parece ter ido além quando torna visível , palpável o objeto a que se deprende do ser amado, os olhos.

Olhos, boca, voz...tudo isso pode ser recortado, retirado do ser amado para que possamos tomar posse. É-nos revelado um “não sei o quê”, como já disse em outros lugares que nos faz seguir em frente, que nos faz desejar. O desejo independe de beleza física, não conhece raça social e nem tabus. O desejo apenas irrompe e vai, segue rumo a um não sei onde guiado por uma mão invisível.
O desejo, justamente por saber-se desatino não nos leva a lugares sempre calmos, é mais provável que nos leve à ruína. E aquela voz supre todas as necessidades e aquele cheiro do cabelo dela deixa o coração do amado despedaçado.
Despedaçado, si, essa é uma das características do objeto causa do desejo; ele não representa o sujeito ali, visto em sua integridade, ele é apenas uma parte deste que o outro sujeito escolhe para amar.
Por isso ama-se de tudo, ama-se sapatos, para os mais fetichistas, ama-se uma verruga (acredite, existe), ama-se olhos zuis gigantescos, ama-se uma voz, ama-se a pele. Ama-se isso tudo justamente porque isso não é a totalidade.
O objeto causa do desejo aponta para a incompletude, e aí é que se perde o rumo: entrega-se sem freio, buscando que aquela voz, aquele olhar, aquele beijo, aquele modo de andar, aquilo tudo que é o ser amado faça morada em mim. E quem vê nem diz que acontece isso tudo.
Não sei porque tento aqui explicar o inexplicável, o objeto causa do desejo não tem explicação, é sedutor por excelência mas não se sabe exatamente o porquê que os escolhemos, ele é retirado do ser amado, recortado e colado em nossa imaginação. É triste mas, nós estamos sempre despedaçando o ser amado em busca do objeto causa do desejo.
Acho mesmo que o objeto causa do desejo não é Albertina, como diz Nasio, mas aquele sotaque tão faceiro da Albertina, aquele modo único com o qual ela mexe os cabelos, o jeitinho de andar de Albertina.
E nós seguimos, sem saber explicar, porque diabos aqueles olhos azuis gigantes nos mobiliza a escrever. E nós seguimos sem saber porquê aquele cabelo tão sedoso nos faz chorar de soluçar.
Não sabemos, nunca saberemos o real motivo daquele quê se desprender e vir a se tornar a razão do desejo, mas, se passarmos a entender um pouco que não se pode entender e sim, sentir, já é meio caminho andado.
Assim, sentindo e não entendendo eu posso criar uns versos sobre aquele cabelo da Albertina. Não me espanto agora ao descobrir que os maiores sonetos foram compostos não para o ser amado, mas para o objeto causa de desejo, objeto causa de poesia.

quinta-feira, novembro 01, 2007

Andança



Andar faz bem

Andar e não dirigir, ver as pessoas que você não conhece comendo, andando, conversando. Andar faz bem pra arejar a alma e os pulmões. É andando que se percebe que não dá para antecipar o relógio, é quando vc entende que há coisas que não dependem da sua vontade e o que você tem apenas de seu são suas demonstrações de afeto e de carinho que são dadas e que, devidamente reconhecidas, fazem de vc uma pessoa querida.

Andar faz bem para sair do coma emocional, não esquecendo das suas dores, mas procurando conviver bem com elas, entendendo que erros existem para serem errados e que quem acerta sempre nunca pode evoluir se tudo tiver perfeito.

Eu, você e todos nós erramos, na maioria das vezes erramos quando mais queremos acertar, quando achamos que estamos acertando. Quando a gente percebe que não há nada de mais humano que errar e reconhece em si a possibilidade de estar enganado se vive mais e melhor.

Andar faz bem para expiar o sofrimento. Hoje ainda dói, ainda quero e tempo nenhum me faz deixar de querer, portanto, faça você também as suas andanças, mas saiba rever o passado não com tom saudosista, mas com esperança que, conhecendo o caminho por qual andou, consiga prever com mais esperança o caminho que há pela frente, percebendo que por mais curvas que existam, sempre será a mesma estradinha a qual você escolheu pra seguir.

E eu quero andar com você, mas quero passar o percurso sorrindo, não mais chorando. Cabe a você segurar minha mão ou me deixar seguir meu caminho, porque a estrada sempre existirá, a companhia é você quem sabe, se quer ser, ou não.

Eu ainda estou caminhando na mesma estrada, e se não posso viver me culpando por ter caído no primeiro obstáculo, que possa pensr num futuro promissor. E agora em diante eu sou só esperança de um caminho andado em paz. Venha comigo.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Como viver o resto das nossas vidas




Quando se chega a uma certa idade na vida em que o sujeito não se encontra nem entre os que começaram a viver mas também não pertence ao grupo daqueles que já viu tudo que há de mais estranho nesse mundo, é que se começa a pensar com uma espécie de maturidade verde.

A maturidade verde é quando não se vê o mundo com os óculos coloridos da infância, nem se usa as lentes psicodélicas da adolescência, mas sim enxerga o mundo com a lupa adequada para a idade em que se começam a definir certas coisas em sua vida.

Quando se traz essa lupa nos bolsos, o sujeito já sabe o que são extratos bancarios, conhece o valor do dinheiro, de um abraço e da saudade. O sujeito, presume-se, não tem mais toda a vida pela frente mas consegue ter uma pontinha de esperança por justamente dispor de um certo tempo para acertar como quer passar o resto dos seus dias.

Acredita-se que nessa fase em que jánão reinam as flores da primavera e começam a surgir no chão as primeiras folhas de outono, o sujeito já saiba exatamente o que quer, ou parcialmente. Acredita-se que não faça confusão por um copo de leite frio, por uma discussão qualquer. Acredita-se, piamente, que saiba dar valor às pequenas coisas e veja que, na realidade, elas são as mais preciosas.

Durante essa fase é que ocorrem as primeiras perdas, ou geralmente deveriam ocorrer. No entanto, existem muitos ganhos no caminho. Espera-se que o sujeito tenha encontrado alguém que faça diferença em sua vida, com quem possa já pensar em passar o resto e suas vidas junto, posto que nessa época o sujeito, por ter vivido muito, começa a ter discernimento sobre o que é bom e o que é ruim, o que vale a pena manter e o que merece ser acalentado.

Nessa fase, presume-se que o sujeito não tenha mais o ânimo para viver em constantes buscas, deseja-se uma tranquilidade que antes era vista como tediosa. O sujeito maduro-verde quer alguém para construir a sua vida que, se não está começando, também reserva muito para ser vivida.

Se você se enquadra nessa classificação, não deixe que as coisas realmente importantes para você evanesçam, percam sentido. Aprecie cada momento como uma promessa de vida, saiba calar para não magoar as pessoas que lhe são importantes. Se você já não se acha adolescente, passou há muito pela infãncia e não chegou ainda na fila dos idosos, saiba valorizar a vida ou o que resta dela, abrigando em si os sonhos que agora podem se tornar realidade, não jogando fora o que é útil, mas fazendo a vida valer a pena.

Para a vida valer a pena não é necessário ganhar 20 mil por mês, não é necessário ser magérrimo ou lindo. Para a vida valer a pena é preciso viver em tranquilidade, com uma pessoa que, dentre muitas que você já conheceu, se mostrou especial, desejar compartilhar bons momentos com ela, provavelmente vai se pensar em filhos, em netos, em uma casinha simples para receber amigos e viver aqueles momentos que, de fato, serão importantes quando você olhar para trás e ver que a vida, agora, está passando mais rápido.

É só nesse momento então, que talvez se saiba o que foi importante na vida: Não é formação acadêmica, nem as cifras que conseguiu guardar na vida, nem o número de pessoas com quem se relacionou, nem quantos empregos já teve.

Nesse momento, quando a vida já caminhar a passos largos a sua frente, em sua direção, você apenas vai se lembrar é do primeiro choro do seu filho, do primeiro beijo com a pessoa especial em sua vida, com o primeiro abraço do seu pai, o primeiro passeio no parque de diversões, as histórias por trás das fotos de família, o aniversário da sua mãe, os sorrisos, as lágrimas, o amor, a felicidade, as tristezas e os obstáculos vencidos.

Porque a vida não é muito mais do que essas experiÊncias que, por menores que sejam, nos tornam humanos e sobretudo, nos tornam eternos na lembrança de alguém que vai nos ver partir. A vida é isso, um cheiro de creme que aparece na memória de vez em quando, fotos e lembranças.

Dê valor a sua vida, pense-a além da materialidade e do cotidiano que aprisiona. Se você acha que já chegou nessa etapa, não deixe o que é valioso escapar, nem acalente o que não merece estar em suas memórias. Pense nisso.

Porque se é preciso escrever um livro, plantar uma árvore e ter um filho para ser feliz. Que você não perca seu tempo mais, e, mesmo que não tenha tanta consciência ecológica, que seja adepto da boa leitura, mas, especialmente, conheça alguém especial, para que o filho seja realidade...se isso realmente importa para você.

Se não, desconsidere esse texto e prossiga com sua vidinha, fingindo ainda usar as lentes infantis, retartando os óculos da adolescência. Enganar-se também é viver, mas eu, particularmente, prefiro viver sendo maduramente verde.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Eu quero.






Quando se quer algo avalia-se: Será que é possível? Por que eu quero? O que posso ganhar? O que posso perder?


Quando se quer algo, acredito que não se desiste, nem mesmo face aos maiores problemas, apenas se permite, insiste, resiste. A tudo que não for o seu desejo. Se seu desejo for forte e você tiver forças suficientes para aguentá-lo, aí, você vai conseguir.

Quando se quer algo se luta, não se fica na cama esperando a chance chegar. Quando se quer algo, se luta e se deseja ainda mais. Investe-se, sonha-se, mas com os pés no chão. Sonha-se, claro que nem sempre se chega ao longe apenas sonhando, mas o sonhar alimenta o desejo e é necessário para que a luta seja diária, menos cansativa.

Quando se quer algo se agarra a chance com todas as chances, se quer e se quer mais e quando não se tem, só resta querer mais.

Claro que dá medo, de tudo que você investiu, e de repente, aquilo não for exatamente o que você desejou. O que se ganha? ExperiÊncia, no mínimo.

Eu venho aqui hoje dizer que quando se quer algo se demonstra com o coração, com todo o amor que você tem dentro dele e com toda a força que você supõe ter. Segue-se dia após dia, numa luta diária, interminável mas, nunca cansativa, porque você tem um objetivo.

Objetivo: Pode ser uma viagem, um amor, um chocolate importado, um regime, uma nota alta, um curso, uma roupa. O desejo pode ser desejo de qualquer coisa, contanto que nos mobilize, nos faça acordar para a vida e pensar: Eu quero, sem isso nao vivo feliz, e eu conseguirei.

Por que conseguirei? Ora, porque lutei. Conseguirei porque meu desejo é imenso, carregado de expectativa. Eu quero, e eu posso tudo diante das adversidades...até vencê-las.


Eu quero, eu tenho medo, às vezes recuo, mas uma coisa é simples: Sem isso não sou, sem isso eu posso até ser, mas o que importa é que não sou e isso pode me trazer a alegria perdida. Eu quero, agora eu sei mais ainda que eu quero, e eu, a partir de hoje, vou conseguir.


Não é auto-ajuda. É perserverança. Eu quero, eu posso e eu vou sim, conseguir. A mim que sobre paciência e determinação, a quem me espera paciência, e determinação, e ao destino, que se cumpra sem interrupções.

E um dia aqui vou dizer : Eu consegui!

sábado, outubro 06, 2007

O bem!



Fiz uma descoberta que me fez atentar para muitas coisas desta vida tão ligeira: Quando se está triste, com o coração apertado, abalado, o melhor é fazer o bem. Como assim, fazer o bem?! Sim!! Fazer o bem, sem olhar a quem. Já diz o velho ditado.
Por mais mágoas que existam em seu coração, aprenda a perdoar, a nutrir bons sentimentos e a enxotar o mal de você. Sim, parece auto-ajuda, e é. Parei de querer apenas sublimar, vou fazer algo para as pessoas que sinto precisarem. Somente a bondade é capaz de remover uma mágoa, uma dor.
Ao invés de perder tempo imaginando vinganças, castigos divinos, avalanches e tragédias na vida de alguém, dê a volta por cima, levante-se da cama, olhe a janela, veja o sol, respire a natureza, valorize um pássaro, valorize a vida, a saúde, coisa que nem todos tem, valorize seu coração tão grande, pro qual sempre há elixir. Por isso...encontre amigos, ria com eles, conheça pessoas, cante uma canção, ria com um filme, ria com uma piada, ria até mesmo com um desenho, ria de si mesmo, mas ria.
Ah, também é importante entregar seu coração a causas que mereçam toda a ternura que você sabe existir nele. Estou procurando a minha maneira de contribuir para um mundo melhor, e, que se eu não conseguir ajudar o mundo, ajudarei a quem precisa. E isso comecei a fazer, lentamente.

Somente fazendo o bem é que criaremos a corrente do bem. Dèja Vu? Filme? Sim. E vale a pena. Não pense em rcompensa divina, mas pense que fazer o bem fará o mal ser esquecido e a dor sarar. Faça o bem pra um vizinho, faça o bem para um empregado, pra alguém que achar necessitado. Faça o bem, puramente o bem, mesmo que um dia se aproveitem do que vc deu, faça o bem, abra os olhos sempre com um novo olhar a cada dia, distribua sorrisos mesmo quando o coração chorar, faça valer a pena os dias da sua vida perdidos em tristeza e dor, faça-se sol, faça-se Luz, e faça-se sobretudo a felicidade, que se não é um par de botas, pode ser uma meia colorida.

Eu estou aqui, fazendo o bem às pessoas que acredito merecerem, e que, por mais que um dia me esfaqueiem, viverei feliz por ter ajudado a quem acredito especiais. Por isso, não tenha medo de dizer "eu te amo" para um amigo, para um namorado, mesmo que não seja recíproco, diga, as palavras que são ditas com amor trazem amor para seu coração, não importa o que pensem, continue o mesmo ser especial que um dia disseram que você é. Dê bom dia na rua, deixe de buzinar por besteira, ofereça ajuda a um amigo triste, tenha sempre em si a meta de causar um sorriso com seu sorriso, ofereça uma mão, mesmo distante, a alguém que está doente e precisa de carinho.
Seja amigo, cordial e, sobretudo Leal. Você nada perderá em ser assim, e se você um dia for tachado de otário, tudo bem, o que importa é nutrir e cultivar bons sentimentos. Seja superior, seja alegre, não alienado, mas alegre por viver. Reze, agradeça a algum Deus a sua vida, a casa em que você mora, os livros que você le, as oportunidades que você tem, os amigos que você faz, as pessoas que te querem bem, a inteligência que você sabe cultivar, e o bom coração que é a melhor cura para qualquer tipo de dor.

E que a vida seja sempre alegria e que o pranto se apague a cada sorriso que eu der. E que a luz do sol desmanche a escuridão e a sombra que habita aqueles que tem em preto o coração. Eu sou sol, sou amarelo, sou sorriso. E nada que não seja isto irá me deter, e sigo em frente, colhendo os pedaços de mim pelo chão, guardando-os em uma cestinha, e oferencendo-o a cada pessoa que cruzar por minha vida.

sexta-feira, setembro 07, 2007

Na era de Bono Vox



Em " Os tempos hipermodernos", Gilles Lipovetsky e Sébastien Charles discutem de maneira fluida e instigadora os tempos em que nós vivemos. Em toda a trajetória do pensamento de Lipovetsky está presente o dualismo do sujeito contemporâneo, preso entre o fomento à responsabilidade ( seja prático, seja humano, seja sobretudo ético, não somente política, mas ecologicamente correto) e às práticas consumistas (consuma não para rivalizar com outrem, mas consuma visando o prazer, a satisfação).

A obra de Lipovetsky, como se pode supor, não faz apologia dos tempos pasados, da era do Simbólico, como muitos psicanalistas, mas observa os fenômenos sob perspectivas mais reais, menos ideais, mais flexíveis - como caraterísticos da sociedade em que vivemos. A mídia tem sim seu poder em alienar os sujeitos, em ditar comportamentos, mas, ao mesmo tempo, promove acesso democrático à informação, permite que esse mesmo sujeito assuma sua vida, tenha a autonomia necessária para agir. Ou seja, para Lipovetsky, não existe apenas uma face boa, nem uma face ruim; ambas coexistem de forma a gerir o sujeito de hoje. Assim, pode-se pensar, o que fazer? Qual nosso papel numa sociedade e em que, aparentemente, somos guiados, tanto rumo à alienação, como à autonomia, mas, de todo jeito, guiados?

Não, Lipovetsky não pensa o sujeito contemporâneo como alguém passivo ao mundo ao seu redor; às mudanças téoricas, políticas e midiáticas. Ele pensa que há, sim, possibilidade de transformação, de mobilidade. Como? Através da tomada de responsabilidade.


É sendo responsáveis que poderemos existir numa sociedade em que já não existe certo e errado e em que impera a autonomia, a ampla gama de opções e o livre arbítrio. Ser responsável, nos tempos de hoje, é poder agir conforme uma ética, não mais uma ética vinda de fora, capturada pelos ouvidos, impostas como superego; a ética de hoje é extremamente pessoal, subjetiva e baseada nas paixões.


Dessa forma, torna-se uma escolha ser responsável ou irresponsável (apesar de que ambos existem no cerne do sujeito de hoje, impossível negar), porém e preciso que se escolha mais o viés responsável para que possamos viver em um mundo, digamos, que se não pode ser igualitário, que possa ser justo. No fundo, a existência hoje não está mais centrada no bem-estar social , mas sim, no bem-estar pessoal.


Assim, ser responsável é uma escolha diante do inevitável irresponsabilismo, ser ecologicamente correto é uma escolha e um diferencial entre os sujeitos. Assim, fulano não é mais representado pelo que tem, não , já foi o tempo do ser pelo ter, agora somos testemunhas do parecer pelo ser; fulano então não é descrito como, Maria da Silva, 32 anos, bióloga; é descrita como Maria da Silva, 32 anos, responsável, não joga lixo no chão, não escova os dentes de torneira ligada, contribui com três ações por dia para tornar o mundo em que vive mais saudável.


É interessante quando vemos isso acontecer frente aos nossos olhos. Atualmente vê-se o crescimento da preocupação com o aquecimento global, com a queimada nas florestas, com o desaparecimento da camada de ozônio. Tudo muito no nível da aparência, regido por uma ética pessoal, subjetiva: alguém me disse que é "in" ser contra Bush, saber falar sobre o protocolo de Kyoto, contra o desmatamento e fazer ações ecologicamente corretas, reciclagem, etc. Alguém me disse, alguém faz, e isso gera uma satisfação pessoal, assim, faço eu também.Se puder estampar isso, em uma camisa, ótimo. Todos saberão que sou contra Bush, reciclo papéis e sei quantos porcento de mata atlântica são devastados por ano.


Desse modo, vê-se Madonna, Elton John, tantas outras bandas famosas fazerem discursos ecologicamente corretos, vê-se os "Live aid" "Live Earth" e afins visando mobilizar um sujeito ao mesmo tempo alienado e autônomo, guiado pela mídia e que tem em Bono Vox o modelo de sujeito contemporâneo, abrigando o responsável (atitudes corretas, ações de solidariedade) e o irresponsável (representante do rock'n roll como arte subversiva, em outras épocas) em seu cerne.


Sim, vamos usar a mídia, a Madonna e suas dancinhas, hoje, politicamente corretas, como modo de retirar o sujeito contemporâneo dessa letargia da qual somente a mídia, a moda e o consumo podem retirá-los.


Assim, cabe perguntar: Há erro nisso, se, inegavelmente as pessoas estão cada vez mais cientes dos males que faz ao planeta, aos problemas advindos de tantos séculos de negligência para com o "planeta azul"? Não, é preciso ver o lado bom disso.


Por mais que sejamos sujeitos dotados por uma ética pessoal, subjetiva e que priorizemos o privado e o pessoal em detrimento do público e do social, por mais que não tenhamos grandes livros, grandes instituições e grandes líderes nos dizendo o que fazer, cada sociedade tem aquilo que merece. Temos Bono Vox, Live earth e Al Gore, este último revestido pelos poderes midíaticos, está mais para o show business do que para a política como nos acostumamos a entendê-la.


Portanto, que não joguemos pedras nos recursos que temos, hoje, para viver em sociedade, que possamos fazer limonadas com os limões que temos a mão, mas se pudermos sempre buscar modos para que as cascas sejam reaproveitadas em alguma cooperativa ecologicamente correta, tanto melhor.

domingo, setembro 02, 2007

Salve Freud, Salve Sarah Bernardht e sua histeria!




França, Paris, 1885


Antes mesmo da construção da Torre Eiffel, uma outra atração toma conta da cidade-luz, capital da erverfescência cultural mundial. Tudo que havia de mais moderno estava em Paris, os melhores cafés, artistas de renome costumavam confraternizar-se em ambientes em que predomina a cena intelectual.


Neste meio estava Freud. Médico, em seus 29 anos de vida, interessado em neurologia. Conseguiu uma bolsa de estudos e foi-se embora pra capital do mundo. Lá foi estagiar no Hospital Salpetrière, conhecida instituição depositária de mulheres denominadas "pacientes nervosas". Freud tinha um laboratório de neurologia a sua disposição, os melhores professores e bibliografia acerca do que desejava estudar. No entanto, seu interese começa a ser dirigido para as aulas do professor Jean-Martin Charcot .


As aulas mais interessantes na opinião do jovem médico eram as aulas de Charcot. Pacientes "nervosas" eram apresentadas à sala, composta por muitos outros jovens médicos, e ali acontecia o que veio a ser a mola propulsora do arcabouço teórico psicanalítico: A Histeria.

Freud se surpreendia com as pacientes que podiam rir, chorar, até mesmo andar , mesmo com seus membros paralisados, ao simples comando e sugestão de Charcot. Os fenômenos histéricos ali eram apresentados como se fossem encenados. Sim, a atração turística de Paris eram as histéricas do Salpetrière.


Em novembro de 1885, escreve Freud a Martha Bernays, sua futura esposa:

" Acho que estou mudando muito. Vou dizer-lhe detalhadamente o que está me afetando [...]não sinto mais nenhuma vontade de trabalhar em minhas próprias bobagens [...] meu cérebro está saciado como se eu tivesse passado uma noite no teatro [...]”


Ah! Como é bom estar aberto a novos interesses. Freud estava em Paris pra estudar neurologia e acaba interessando-se pelas mulheres que representavam a histeria como se fossem atrizes, talvez...influenciadas por Sarah Bernardh, a grande atriz dramática da época. Sim, minha opinião é que nós, psicanalistas, psicólogos ou não, nós, como humanidade, devemos agradecer à Arte se hoje conhecemos algo chamado Psicanálise.


Exatamente, eu acredito que se não fosse o gosto de Freud por tudo que fosse de cunho artístico/cultural, jamais poderíamos ter conhecido a teoria psicanálitica, e, com isto, a história do pensamento humano perderia muito.


Se não fosse assim? Se não fosse assim, talvez o nome de Sigmund Freud fosse visto apenas em compêndios de medicina, de neurologia, falando algo sobre o nervo óptico. Sonhos? Atos falhos? Chistes? A humanidade jamais ouviria falar nisso.


Em consequencia, não haveria MelanieKlein, nem Donald Woods Winnicott, nem Carl Gustav Jung, nem Jacques Lacan. Sim, não haveria psicanálise. E como pensar num mundo sem Psicanálise? Como conceber um mundo em que não existisse Freud, o psicanalista e sim, Freud, o neurologista?


Eu, particularmente, não consigo entender o mundo sem os olhos psicanalíticos, talvez estivesse eu estudando as algas, os fitoplânctons, úlceras gástricas, geografias, tremores sistímicos, escala Richter, marte, plutão, aurora boreal, sistema nervoso, sistema endócrino, àcaros...Mas não o psiquismo humano e seus meandros.


Por isso eu hoje rezo por Sara Bernardht, rezo pelo primeiro egípcio que inventou os hieroglífos, agradeço à sociedade mesopotâmica, à Leonardo da Vinci, a Dostoievksy e tantos outros nomes que influenciaram Freud e o impressionaram a ponto de fazê-lo dar cria ao que chamamos de Psicanálise. Eu agradeço ao deus das artes, se existe um, seja ele pertencente à mitologia grega ou romana, por ter me dado esse presente, que mesmo q pertença a toda a humanidade, me faz ter vontade de abrir os olhos todos os dias e desejar descobrir algo novo.


terça-feira, agosto 21, 2007

Escrevendo com Machado e Freud




Hoje estive pensando sobre o escrever. Não é segredo para os que vem aqui ( se é que vem) que advogo em causa própria quando falo da escrita como um ato de extrema utilidade para aqueles que , na impossibilidade de passar ao ato, enveredam pelos caminhos tortuosos da linguagem. Eis o ato sublimatório.

Não vou bater na mesma tecla. Todos nós sabemos o quão útil é escrever, colocar no papel ou, mais modernamente falando, na tela, caracteres que revelem um pouco do sofrimento e que, juntos, possam ser capazes de aplacar um pouco dos sentimentos inconfessáveis ou intoleráveis. Sim, balela, todos sabemos dessa utilidade cada vez que nos debruçamos sobre uma folha de papel em branco.

Hoje pensei em outro aspecto envolvido na leitura, não menos dispensável ao processo da escrita. Chega a ser óbvio. Se eu escrevo, há um alguém a que meu texto é direcionado. A essa alguém chamamos de leitor.

Ao ler diferentes autores podemos, além de nos deter nas linhas e nos pensamentos manifestados ali a nossa frente, compreender como se dá o processo de escrita e especialmente, como cada autor constrói sua relação com o leitor, o que está do lado de lá, mas que não deixa de imprimir sua marca no papel escrito no ato mesmo da leitura.
Confuso? Machado de Assis é mestre nisso. A cada leitura das obras do autor, podemos perceber como é construída essa relação tão ambivalente entre o escritor e aquele que lê.

Nas obras machadianas consideradas injustamente “menores” como “ A mão e a luva” e “Helena”, o autor faz poucas menções ao leitor que futuramente chamará de querido, dedicado, amável e outros tantos adjetivos que beiram o companheirismo e permitem revelar uma suposta intimidade entre autor e leitor. Isso mesmo, uma relação de intimidade e mesmo de cumplicidade.

Essa mesma cumplicidade é posta em cheque em Dom Casmurro, uma vez que o autor não revela para o leitor o mistério da narrativa – afinal, nada se sabe sobre Capitu que não tenha sido dito por Bentinho, narrador que julga os fatos da maneira que lhe convém – e por isso convoca o mesmo para que descubra o que há por trás do mistério da menina de olhos oblíquos e de idéias atrevidas.

Em Machado de Assis o leitor inclusive é convidado a saltar páginas, capítulos, “ir direto ao próximo evento”, caso ache a narrativa enfadonha. Liberdade maior, impossível. O leitor é considerado como peça viva e fundamental também no processo de realização de um livro. Às vezes guiado pela mão, outras abandonado com o cenho franzido em dúvida, é esse o jogo que Machado faz com o leitor, o que não deixa de dar um caráter de cumplicidade à relação construída entre os que lêem e o que escreve.

Há quem ache que um livro está pronto quando sai das esteiras de produção das editoras e são encaixotados e mandados para as livrarias? Se engana quem acha isto, o livro nunca é pronto, ou terminado.Tampouco esse texto pretende um fim apenas por ter cessado o ato fisiológico dos órgãos motores envolvidos na escrita.
Para aquele que lê, sempre é possível apreender novas nuances a cada leitura de um livro interessante. Há quem tenha lido inúmeras vezes Dom Casmurro à espera de encontrar um ato falho, uma pista, um vestígio qualquer, “esquecido” pelo autor, que revele finalmente a consumação do adultério ou a inocência da moça de Matacavalos. Acredite. Há inclusive aqueles – e não necessariamente pode-se dizer que são autores “leigos” – que bradam ter encontrado sim, vestígios que possam conduzir à solução do mistério em torno da personagem feminina mais dúbia da literatura brasileira.

No ponto de vista do autor, ao livro sempre cabe alterações, pequenas ou grandes mudanças que possam influenciar a construção da narrativa e também o processo de leitura. É por isso que existem tantas edições e re-edições.

A escrita, cumprindo seu papel sublimatório nunca libera libido suficiente para que a satisfação seja completa, como seria caso o ato que se desejava realizar, ao invés, fosse posto em prática. Por isso, na tentativa de fechar esse buraco nunca fechado, é que se margeia tanto, é que se faz tanta borda. E haja edição, re-edição, compilação...

É isso que nos ensina Freud. Falando no próprio, é interessante notar como se constrói o processo de escrita em Freud e como isso influencia os leitores, transmissores do arcabouço teórico psicanalítico.

Observamos o extremo cuidado que o precursor da psicanálise utiliza ao juntar as palavras em frases, em capítulos. Se nos esquecermos um pouco do percurso científico e o arcabouço teórico desenvolvido por Freud e atentarmos somente no processo de escrita, podemos perceber um autor que, também como Machado de Assis, parece conduzir o leitor pela mão, para que este encontre o significado do que tão ardentemente deseja provar, ao mesmo tempo que às vezes o abandona à própria sorte.

Inicialmente Freud utilizava-se de códigos científicos para apresentar sua criação ao mundo. Obviamente a escrita fica assim hermeticamente fechada, destinada a poucos e compreendida por menos ainda. Seus estudos sobre os processos psíquicos, o chamado “projeto de 1895”, revela ao mesmo tempo uma busca pelo rigor cientificista influenciado pelo Positivismo e uma necessidade de aprovação por parte de quem lê. Ou seja, podemos entender que há aí um paradoxo em Freud? Talvez.

A partir do momento que dizemos que o Projeto de 1895 é uma obra destinada a poucos e que cumpre função de prover a psicanálise de um cunho científico através da neurologia, estamos dizendo que a Psicanálise ainda não é reconhecida como arcabouço teórico independente e subversivo( no sentido de que promove novas concepções acerca do sujeito e do sofrimento psíquico).

Aonde está o paradoxo? Está exatamente no Cientificismo. Em nome dele, Freud, mesmo inconscientemente (já que estamos na área mesmo, o termo cabe!) rejeita o leitor, nesse momento Freud abandona o leitor desejoso de conhecimento e centra-se no outro leitor, o leitor-medico, o leitor positivista. Ah! Então não há paradoxo, há uma escolha consciente (também cabe o termo) de um leitor que respalde a “ciência” que Freud concebe.

Não há paradoxo, entretanto, se pensarmos que esse leitor, desejoso de psicanálise, ainda não nasceu e para que este parto se dê é necessário que Freud convide o leitor-médico fin-de-siècle para dar validade ao que , posteriormente, tornar-se-á a teoria Psicanalítica e definitivamente, abandonará a necessidade de ser fazer valer da alcunha de Ciência.

Nesse ponto, cabe vários questionamentos, como, por exemplo, quem era o leitor de Freud? Como esse leitor foi construindo seu papel na construção da teoria psicanalítica? Partindo dessa última questão, seria bizarro demais supor um processo de co-autoria, Freud e leitor?

Não. Arrisco. Porque como dito anteriormente, quando alguém se propõe a escrever – seja uma obra literária seja uma nova teoria psicológica – presume-se, para além da sublimação inerente a si mesmo, um outro lado, o lado de quem lê.

Portanto, o leitor sempre será co-autor na medida em que está presente no processo de escrita antes mesmo de uma provável re-edição, possibilitada por pesquisas de desempenho de vendas.

O leitor está presente no desejo da escrita de todo autor. E como estamos falando de Psicanálise, vamos a Lacan: Tal como o sujeito nasce mesmo antes do ato de seu nascimento, o leitor é co-autor na medida em que nasce no desejo do autor. É como o bebê, que muitas vezes nem foi concebido e já tem nome, roupas, quarto e um lugar no desejo da mãe.

A relação Escritor x Leitor se passa o mesmo: Seja então motivado por puro narcisismo de ser lido e reconhecido como um grande autor ou por desejos essencialmente capitalistas de tornar do livro um best-seller, o leitor está ali, no desejo do autor, de ser entendido ou mesmo de não ser compreendido nas linhas em que escreve (em quem você pensou como ilustração desse exemplo?).

Por isso, seja no campo da literatura, da psicanálise, da ciência, que jamais nos desprendamos do nosso papel de leitor e co-autor, que funcionemos sempre como esse regulador no desejo de quem escreve para que nós mesmos possamos encontrar sublimação e desejo no ato da leitura.

Nos tempos em que a imagem digital comanda o mundo e a mídia se torna um quarto poder, cada vez menos pessoas se reservam o direito de serem co-autoras de tantas obras à espera de um leitor que as termine, mas, há término? Estaremos sempre destinados à reticências, sejamos nós aqueles que escrevem ou aqueles que lêem; o processo nunca se dá por terminado.

Se soubessem, aqueles que não lêem, o poder intrínseco à leitura, certamente estariam já com um livro à mão. Assim, poderíamos escrever tantos outros textos como esses, que se explicariam e se confundiriam uns aos outros, gerando outros, e outros...

terça-feira, junho 19, 2007

Era uma casa




E hoje eu vou embora. Na verdade eu já fui, mas hoje eu vou oficialmente. Vou com uma mala vermelha, uma mochila e varias lembranças. Aqui eu fui a minha melhor , pior e única companhia.
Aqui aprendi sobre a sensação de ser estrangeira numa terra que a nada se assemelha com a minha, aprendi a chorar e a rir sozinha. aprendi sobre a vida, sobre dor, amor, amizade e família. Acho que o que menos aprendi aqui foi Psicologia – aquela dos livros.
Em pensar que nos primeiros dias consegui pés machucados. Hoje, cerca de um ano depois, saio com o coração avariado. Avariado porque não necessariamente triste, nem sangrando, mas posso dizer que mal das pernas. É isso, meu coração vai mal das pernas.
Quanta dor, pra nos neuróticos, existe num simples virar de página? Falo por mim, muita.
Hoje resolvi tentar umas muletas, para o coração. Fui andar. As velhas andanças por um lugar que já chamei de lar. Senti os mesmos cheiros, das plantas, dos amaciantes de roupa de uma casa que já foi tão familiar, e hoje, embora já distante, continua parecendo um lar.
Lar. O que seria aquele lar? Uma casinha de madeira, se eu fosse Vinícius poderia tentar uma rima, ou simplesmente dizer que não tinha teto, não tinha nada. O caso é que tinha teto e assoalho. Era uma casa muito engraçada, isso era. Era uma casa que era minha, mesmo sem ser.
A minha casinha era assim, pequena mas perfeita para mim. Ali sorri,chorei, amei, esperei e estudei. Naquele pequeno espaço, que, ironicamente, costumava ser a sala de costura de uma casa só, me costurei.
Tenho que dizer que nem sempre tinha linha, às vezes só tinha que dar uns alinhavos, às vezes dava um ponto, mas muitas vezes faltava agulha.
Metáforas poéticas à parte, naquela casinha eu fui, na maior parte do tempo, feliz, mesmo sem saber que o era. Na antiga salinha de costura eu aprendi a ser gente. E os caminhos parecem ainda tão familiares...na maioria do tempo parece que nunca sai daquela casinha alemã.
Não consigo descrever muito o que eu senti, porque não inventaram ainda no dicionário o que sirva pra descrever um sentimento de pertencer sem pertencer. Não sei se me faço entender, se não, vai ver que é porque até pra mim soa confuso. No caminho pra minha antiga casinha, vendo de novo as mesmas flores, as mesmas arvores, eu pensei que ali eu fui feliz, mais talvez do que triste, aquela casa, aquela rua , aquelas flores, serão ilustrações mentais... quando eu me lembrar dali. Vou lembrar ate o dia em que eu não mais respirar, eu vou lembrar da minha casinha.
Vou lembrar do lugar em que aprendi que eu existia independente de um espelho, vou lembrar que eu era alguém, diferente dos outros, mas também essencialmente carente e dependente, dos outros.
Sim. A minha casa tinha teto, tinha porta e era engraçada. Tinha vida, apesar de ser só a minha. É verdade que nem sempre o sol aparecia – as persianas sempre fechadas. Mas eu podia dizer que ali tinha vida.
A minha casinha não é mais minha, tem outro dono. Mesmo que as minhas contas não cheguem mais ali, mesmo que não tenha eu para não abrir as persianas, mesmo que não tenha a minha bagunça, a minha casinha, na minha memória, sempre será minha.
Certamente outras casinhas virão. Mas nesta, nesta eu deixei algo, e não foram toalhas.

sábado, junho 16, 2007

Vá ao cinema: Uma demonstração de como a culpa pode ser útil à humanidade

Hoje estive pensando porque diabos a culpa aparece em nossas vidas. Certamente quem estuda Psicanálise entende, desde os seus primeiros estudos, desde as primeiras cópias tiradas no primeiro semestre de faculdade que não existe humanidade sem culpa; sequer existe civilização sem culpa.
Na verdade desde que nascemos já nascemos banhados pela culpa e pelo líquido amniótico, claro. Somos culpados por desejar nossa mamãe, depois, nossos pais do sexo oposto. Somos culpados por tentar dar vida a um desejo que nos é , desde o sempre proibido. Em Totem e tabu (1914) Freud traz um mito psicológico das hordas primitivas e do banquete totêmico. Segundo tal história, os homens, cansados de viverem sob o julgo de um pai maior, decidem matá-lo, enfastelando-se com tudo que lhes era proibido outrora. No entanto, depois desse momento inicial de euforia por se verem livres do pai, aparece um momento depressivo; É como se fóssemos bipolares!
Advém então a inaplacável culpa. Matamos o pai, nos enfastelamos, e agora? Agora é nos desculpar. Botar esse pai no pedestal. Sim, afinal, fomos malvados, somos malvados e nada que façamos minorará essa culpa.
Então, por que falo disso? falo disso, obviamente, por causa do sintoma que me aflige. Mas, por favor, deixemos de máscaras, todos nós sentimos culpa em algum momento, fomos criados pela culpa. foi justamente a culpa que nos fez ter filhos, crir famílias, pois, uma vez que não podemos casar com mamãe, o que me restam são as outras mulheres; também não posso ter um filho de papai, então, quero ter uma família.
Não fujamos: somos filhos da culpa e a ela para todo o sempre pertenceremos. Claro que existem aqueles cuja culpa sente como completamente expiada, projetando-a para o mundo externo, assim, não sou eu que devo ao mundo, mas sim, o mundo deve a mim. Essa é bem a lógica perversa, tão conhecida pelos assassinos, delinquentes.
Eu, como boa histérica, ainda faço parte daquelas mulheres novecentistas, da sociedade burguesa vienense, certamente estaria me contorcendo se estivesse no hospital Salpetrière, local onde Freud primeiro encontrou-se com as histéricas. Certamente estaria dizendo que padecia de cegueira, ou manca da perna. Sim, não nasci pra ser perversa, sou neurótica e me sinto eternamente em dívida.
Eu devo à Deus e ao mundo. Sou culpada por desejar, por amar e por não amar, mea culpa, mae máxima culpa. E nessa tentativa de expiar tanta culpa, de tirar tanto peso dos meus ombros, eu continuo assim, dando cada passo a procura da expiação.
No entanto, algo me preocupa: E o que aconteceria se um dia essa culpa simplesmente deixasse os meus ombros. Não sejamos ingênuos, a culpa nunca vai nos deixar, e o bom é isso!Teremos sempre algo a dever. Quão anormal é isso?
Juro que se fosse pra eu escolher uma estrutura psíquica, eu escolheria sem titubear a perversão! Além de estar em moda atualmente, deve dar uma adrenalina a mais em nossas vidas...como seria bom sair enganando o próximo e poder rir depois, como seria bom viver a vida só do presente, em busca de alcançar um prazer sem igual. Sim, eu queria ser perversa e não dever nada a ninguem, "ninguém paga as minhas contas". Mas o negócio é que eu devo.
Outra coisa interessante: Quem disse que o neurótico nao sente prazer? Poxa, nós temos nossas vantagens também; ao contrário do ´psicótico, nós podemos sublimar, sublimar tudo aquilo que desejávamos fazer e não temos a coragem. Sublimando criamos arte, criamos filmes, poesias, peças, músicas, e inclusive, textos sobre culpa.
A sublimaçao e a culpa é que são a mola do mundo. Caso não o fosse, existiria Woody Allen? Seus filmes densos, complexos revelam todo o dilema do neurótico "quero mas não posso". Não, sem a culpa não existiria o cinema de Woody Allen, no entanto, sem a perversão não existiria Almodóvar.
O que nos resta? Seja você neurótico ou perverso, vá ao cinema. Caso for psicótico e não estiver internado vá, ou aproveite se o hospício possui um telão. Vá ao cinema, seja para ver outras pessoas fazendo o que você jamais faria, por culpa, seja para deliciar-se com toda a perversão que você reconhece em você, ou seja simplesmente para ter um delírio de grandeza que você é tão famoso quanto o ator na tela.
Vá ao cinema, mas, caso volte tarde, não se sinta culpado.

sexta-feira, março 30, 2007

Reflexões de uma psicóloga recém-formada



Quando você sai da faculdade, que alívio! Parece que todos os compêndios, todos os livros, todas as teorias e procedimentos foram, enfim, encasquetados em sua cabeça e agora você é alguém apto para assumir o posto de profissional.

Quando você sai da faculdade, você parece mais maduro, parece mesmo assumir um ar grave, mais pausado, como se houvesse adquirido uma certa rigidez, ou uma certa tranqüilidade, confundida, muitas vezes, com serenidade.

Enfim, após seis longos anos esquentando as cadeiras semi-quebradas da universidade federal de alagoas, você parece ter saído de uma guerra, vai andando , rastejando, esfarrapado e talvez até com marcas de tiro pelas calças. Você venceu, atravessou greves, chuvas e ruas enlameadas. Você finalmente se formou, tome o canudo!

O que se espera de um psicólogo recém-formado? Eu agora pergunto a você, porque eu também não sei responder. Eu só posso conjecturar.

Será que esperam que tenhamos mais maturidade, mais “serenidade” para tratar dos outros? Será que esperam equilíbrio emocional, visto que, quem passa por seis custosos anos na Universidade Federal de Alagoas, agüentando, muitas vezes, professores medíocres metidos a suposto-saber, deve ter, no mínimo, alguma coisa como sanidade mental, o que o difere, logicamente, da raça dos que vão pagar pelos serviços que vamos oferecer?

Será que esperam que nos sujeitemos a salários humilhantes porque carregamos conosco o triste prenome de "Recém formado"? O que esperam de um psicólogo recém formado?

Eu faço essa diferenciação, obviamente pelo motivo que sou psicóloga, e não teria sentido eu falar aqui de um biólogo recém formado, posto que não sei o que as algas têm de especial que possa fazer de um recém formado biólogo uma criatura diferente de um biólogo com 10, 20 anos de estrada.

Não entendo de Biologia, então fico com a Psicologia, não por entender dela, mas, por presumir que meu conhecimento acerca do comportamento humano é infinitamente maior do que qualquer coisa que eu possa saber sobre plânctons ou medusas, ou fungos, ou o que os valha.

Somente o psicólogo recém-formado se depara com uma questão cruel, uma questão que nos é lembrada pela sociedade a todo minuto: Você estudou, presume-se que os longos anos, a entrada no mercado dos estágios, a passagem pelo trabalho de conclusão de curso faça de você uma pessoa mais madura, isso mesmo, de novo, mais serena, e agora, apta a cuidar das mentes alheias.

E por que não antes? Porque antes você nada sabia. Essa transição de estagiário/estudante para profissional da psicologia é desestruturante, muitas vezes alucinante, como em outras profissões também é, mas, no caso da Psicologia, o negócio é pior: Como asssim, você é Psicólogo e não sabe da sua vida? Como não consegue ter maturidade suficiente para lidar com o fato de que, agora, você é um desempregado, mas, com um canudo na mão?

Como vencer essa situação parece um mistério. Alguns resolvem (tentam) isso em suas terapias, que muitas vezes começaram dizendo que era uma “exigência curricular” (anhan, ok) mas que também não é fonte de alívio completo, uma vez que, não se esqueça, você é desempregado, mal tem dinheiro pra pagar o CRP (Conselho Regional de Psicologia) e depende dos pais, então, como pagaria as sessões no terapeuta, no analista, pra falar do sofrimento psíquico que é ser desempregado, da dor existencial da depressão pós-TCC?

Não, certos luxos, por favor, têm que ser cortados. Porém, você é um profissional, levante-se. Ânimo! É o que digo a mim e a muitos que estão na mesmíssima situação. Há de existir alguma alma caridosa que confie em seu potencial (que na verdade você não tem) e que o ajude a ser alguém na vida, talvez daí, de um emprego, de um salário em dia advenha serenidade e tranqüilidade (vamos ser objetivos, essa é a vida real).

Apesar da descrição da vida difícil do psicólogo cheirando a leite, cabe aqui acrescer um fato bom, uma luz no fim do túnel, uma vantagem, enfim, de ser recém formado: o orgulho e a soberba que podem ser encenados diante dos que ainda não se formaram. Veja bem, você pode não ter emprego, nem dinheiro pra pagar a anuidade do CRP e nem pra continuar a terapia, você pode não ter dinheiro também pra participar dos eventos sempre tão estimulantes e dos coffee breaks tão pobres lá servidos, mas aquele olhar de quem já passou por tantos percalços, leituras, seminários, isso você pode ter, ou ensaiar.

Isso mesmo! Ainda há um motivo para sorrir: Passar diante dos que não são formados, dos que ainda esquentam as regiões traseiras nas cadeiras carcomidas da Universidade Federal de Alagoas, ou de qualquer instituição que se denomine de ensino.
Ora, todos nós sabemos que o ambiente acadêmico é um ninho de cobras, cada um querendo passar a perna (cobra tem perna? Ai como queria entender de Biologia!) no outro, é concurso pra lá, fraude pra cá, então, se o ambiente já é assim nefasto, por que não dar a sua contribuiçãozinha de maldade e desfilar um certo ar esnobe diante dos aprendizes, inferiores que são?

Aí você pode, esquecer as misérias da sua vida, e desfilar um sorrisinho no rosto de suposto-saber. Ahá, eu sei mais que você, eu já passei pelas fases turbulentas, eu já li Freud, Lacan, Winnicott e Klein e, obviamente, já apresentei meu TCC, inclusive abracei a teoria das minhas entranhas, que, claramente, é a melhor de todas, isso me faz melhor que você! Puro engodo, pobre de nós... é uma defesa tão triste, mas que dá um consolo, isso dá.

Não somos nós que entendemos de fantasia? Que tal esta? Se não há dinheiro, só nos resta é o imaginário, nele podemos vestir as roupas mais bonitas. E haja tarja preta!

quarta-feira, março 14, 2007

Estando “nem aí” na era do “tanto faz”

Muito já se falou a respeito da sociedade contemporânea ou pós-moderna. Inúmeros debates acerca de temas polêmicos como eutanásia, suicídio, violência e novas enfermidades psíquicas recheiam as páginas dos jornais de grande circulação no país, também aparecendo como assuntos centrais em revistas semanais que visam mesclar entretenimento e informação.

No entanto, cabe nos perguntarmos, o que esta implicado na condição de sujeito pós-moderno? Melhor e , objetivamente dizendo, o que nos cabe fazer diante do que nos é apresentado diariamente?

Com isto quero dizer que sim, estamos implicados nessa condição de pós-modernidade à medida em que reproduzimos o que nos é proposto pelo poder midiático, pela avalanche de cientificidade que inunda todos os dias os nossos lares.

Reproduzimos a pós-modernidade, com todas as suas vantagens (existem!) e desvantagens, mas, por outro lado, não estamos apenas assujeitados, podemos dispor da “liberdade” que os tempos atuais proporcionam e fazer algo para que mudanças efetivas sejam tomadas em prol do bem-estar de cada um enquanto grupo.

No entanto, ao mesmo tempo em que criticamos o consumo desenfreado, a transformação de objetos de necessidade em objetos de desejo (Melman, 2005), os interelacionamentos baseados na futilidade geral que toma conta dos sujeitos, fazemos nossa parte para a perpetuação desse pensamento que prioriza o perecível, o descartável. Somos, pois, criaturas paradoxais, criticamos ao mesmo tempo em que consumimos; nos abismamos com as desigualdades sociais mas nos sentimos frustrados se não temos um carro novo, uma casa nova, um emprego que pague mais.

Qualquer pessoa instruída, ou melhor dizendo, qualquer pessoa que dispensa parte de seu tempo livre assistindo à televisão, ou gaste 15 minutos de seu dia ao folhear qualquer revista semanal, um jornal perceberá que o que acomete a sociedade contemporânea é moléstia séria, talvez incurável, se não fizermos nada para deter o que está posto.

O que quero dizer é que, é impossível nos desgarrarmos dessa raiz que nos prende e nos fixa na contemporaneidade, somos filhos sim, não mais da Revolução, mas do conformismo, diria até de uma apatia. Assim, tanto faz votar, tanto faz se estamos vendo alguém ao nosso lado ser assaltado, tanto faz se o filho do vizinho é drogado, se um colega de trabalho entra em depressão. Vivemos na era do “tanto faz”.

Estamos a todo momento expostos a essa cultura narcisista em que o que importa é ter e exibir-se diante de um outro a quem , não visamos seduzir de outro modo, que não pela submissão, pelo livre uso do corpo e das subjetividades de quem olha. (Birman, 2005).

O sujeito pós-moderno é, pois, um exibicionista nato, narcisista de carteirinha, como nunca existiu em outras sociedades. Porém, o que se vê hoje não é apenas o narcisista estereotipado que todos nós conhecemos; o narcisista de hoje nem sempre corresponde àquela criatura que segura o espelho e mira-se com um sorriso no rosto.

O narcisista de hoje está preocupado, cria rugas ao pensar que não está seguro em seu próprio lar, que tudo pode lhe acontecer sem que possa ter domínio de quaisquer situação. Mas, para rugas, já existe o novo decontrator facial, aquele que apaga qualquer marca imposta pelo tempo, pela tristeza e pela dor, pela expressão de qualquer sentimento, enfim...Ah! as benesses da pós-modernidade...

Porém, infelizmente ou felizmente, ainda não inventaram cosmético anti-violência: O narcisista de hoje é atormentado pela violência que explode e que denuncia a desigualdade social, que denuncia a sociedade do ter para ser. (Lipovetsky, 2004).

Pensando dessa forma, parece que tudo está interligado. A violência cada vez mais assusta, mete medo e cada vez mais arrebanha jovens, esses mesmos jovens que fazem parte da cultura do “tanto faz”. A violência está aí, mas, assim como o narcisista, mudou.

Dito de outra maneira, a violência saiu do gueto, deixou as favelas e fez morada nos condomínios de luxo das grandes e pequenas cidades, foi morar ao lado das famílias abastadas e convive quase que harmonicamente com a classe média.

A violência chegou aos chamados ‘filhinhos de papai” e “patricinhas” que, cansados de uma vida medíocre em que desejo significa consumir, em que o pensamento foi suspenso, passaram a agir de alguma forma, buscando, talvez, uma razão para as suas vidas apáticas.

A violência também chegou ao interior. Hoje em dia não é raro saber de grandes assaltos a agencias bancárias de cidadezinhas minúsculas em que o banco é referência, ponto de encontro de populações em que todos se conhecem pelos primeiros nomes.

Tudo está mudando, está a nossa frente. O sujeito pós-moderno, ao mesmo tempo em que gosta de se exibir ao olhar do outro, sente-se acuado, aprisiona-se em suas casas, mas, tomado por tanta angústia advinda do consumir desenfreado que lhe é “imposto”, tem as funções de seu pensamento embotadas, diminuídas.

O que nos resta, então? Acredito que vencer a apatia que toma conta. Já que não existe modo de teletransporte para outros tempos, já que temos que aceitar o que está diante de nós, posto algumas vantagens que existem, temos mesmo que fazer algo e criar para que possamos nos implicar mais nas questões que dizem respeito à sociedade como um todo.

Sei que é difícil compreendermos alguma noção de coletividade metidos que estamos em nos mesmos, no individual e no privado de nossas mentes maravilhosas e narcísicas, porém, é preciso que se aja em nome mesmo da continuidade de nós mesmos, enquanto classe, enquanto grupo, enquanto setor da sociedade.

É bem possível que, do jeito que vamos, não mais existamos, ou, pior dizendo, estejamos entregues, de vez, à barbárie. Os telejornais e a mídia em geral, apesar de tentar despertar algum sentimento nos telespectadores de maneira sensacionalista, é um importante demonstrador do caminho que estamos tomando. A cada dia encontra-se mais evidências de que caminhamos para o total desrespeito à coletividade e a vida humana.

Esses tempos conturbados que vivemos nos coloca frente , sempre , à mesma questão: E aí, para aonde vamos? Cabe a nós buscar respostas e enfrentar as situações ou pegar o controle remoto e continuarmos “nem aí”.

Referências: (estou sem saco de colocar as regras segundo a ABNT ou APA, como sei que quase ninguém lê isso aqui, vai só o nome dos livros)

Joel Birman: Mal-estar na atualidade

Gilles Lipovetsky: Metamorfoses da cultura liberal

Charles Melman: O homem sem gravidade

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Mata-psicologia e meta-arte


Hoje eu vim falar de Psicanálise. Não que nunca tenha falado dela, não que ela esteja ausente em outros textos por mim escritos, mas hoje eu vim falar especificamente de Psicanálise.

Já que viso me deter nesse tema, não posso esquecer do vienense audacioso que inventou lá a tal “arte”. Para Freud, a sua Psicanálise é a metapsicologia, uma Psicologia, assim, que vai além, para além dela mesma, para além do consciente e , especialmente, para além do individuo, buscando o sujeito, aquele que mora aonde não pensa.

Eu vejo a Psicanálise como uma arte, ou, se eu quiser seguir o “criador”, é mesmo uma meta-arte essa tal de teoria psicanalítica. Pesadelo da medicina positivista ocidental, revolução paradigmática, a Psicanálise nos interroga a todo momento, nunca fornecendo respostas. Digo que o que ela faz é mais o trabalho de semear a discórdia do que de plantar a harmonia – haja visto ser criação de uma mente judia, sentimentalismo cristão ou noções de piedade e fraternidade parecem não combinar com a tal arte.

Mas, o que seria uma meta-arte? Por que eu falo que isso se parece ou pode ser mesmo identificado com a criação freudiana?

Para além da arte. Não é esse o caso daqueles que se debruçam diante de uma obra literária, de um filme, de uma poesia, de um quadro, até numa música? Essas são criaturas curiosas que buscam psicanálise em todo lugar, em todo lugar que haja sujeito do inconsciente, por isso sujeito do desejo.

Acho que a meta-arte não está apenas quando se analisa uma obra de arte, não, não é como a poesia de Drummond, que falava da metalinguagem da poesia; a minha definição de meta-arte não equivale ao psicanalista que, por ser afeiçoado a literatura ou a pintura, resolve investigá-las sob o viés da teoria psicanalítica.

Na verdade, toda a Psicanálise, toda a tarefa do psicanalista consiste numa meta-arte, presente na escuta e, como toda a arte exige um mínimo de talento, então, cabe analisar o que há de tão especial.

Freud que me perdoe, sei que não sou ninguém para julgá-lo, digo mesmo que é uma personalidade por mim muito estimada, que tem feito a diferença na minha vida. No entanto, não concordo que a criação freudiana seja resumida a uma metapsicologia. Se me permitem o trocadilho, na verdade, um ato falho, considero que seja a Psicanálise uma mata-psicologia.

Parece que essa foi pesada. Mata-psicologia, meta-arte. Do que diabos essa criatura está falando, alguém pode pensar. Mata tudo antes concebido, mata aquela psicologia de auto-ajuda que abarrota as livrarias, mata a psicologia que abomina ouvir falar no tal Acheronte nosso de cada dia. Mata mesmo e nada mais artístico do que matar o que está estabelecido.

É nesse ponto que cabe agora a explicação sobre a tal meta arte. Eu digo arte, porque não é a todo mundo que a Psicanálise é passível de aplicação. E com isso eu não falo de pacientes, não falo aqui de pré-requisitos necessários para uma pessoa poder deitar-se num divã.

Eu falo do analista. Nem todo mundo pode sê-lo, não basta querer. Nada disso é especial, afinal, para ser jogador de futebol também não basta querer, é preciso saber chutar.

Por isso, nem todos podem ser analistas, o que é fantastico. Um sujeito pode saber de cor todas as virgulas escritas por Freud em suas obras, pode ter decifrado todos os matemas lacanianos e suas fórmulas complexas, pode ter até desatado o nó borromeu, mas, escutar, escutar com um ouvido psicanalítico, aí sim, aí é preciso arte: Meta-arte.

O mais triste de tudo isso é que muita gente jura que faz Psicanálise,muita gente – o que é grave – abre consultórios jurando que é disso de que se trata. No entanto, há psicanalistas sem anel (vide a sociedades das quartas-feiras criada por Freud), há
psicanalistas sem formação do IPA (international psychoanalitic association), há mesmo psicanalistas aonde menos se espera. Alguns desses são até melhores do que os pretensos freudianos ou do que os esnobes lacanianos.

Tal como há algo de podre no reino da Dinamarca, no reino de Freud parece que muita coisa não cheira bem também. É preciso arte, e é preciso ouvidos, muito mais do que bocas, para dar a cara a bater , mesmo que esse outro esteja de costas.

Não é a sabedoria de botequim que se vende por aí que faz alguém entender de psicanálise, tampouco é apontar atos falhos a torto e a direito. Não, Psicanálise também não é saber fazer trocadilhos legais em torno de palavras que, realmente, pedem muito uma piada de duplo sentido (apesar de algumas “sumidades” lacanianas utilizarem demasiadamente tal artifício).

É aí na encenação que se faz no setting nosso de cada dia que é preciso arte. Não digo tanto talento dramático, mas saber escutar, despojar-se até de Freud, largar os livros, e apenas escutar. Saber escutar, o que nada tem a ver com o ouvir.

Eu não sou psicanalista, o que eu sou é uma reles recém formada na tal psicologia, quem dera um dia ser formada na mata-psicologia. No entanto, eu acho que tenho algum respaldo pra dizer que fazer Psicanálise vai além de ler Freud, vai além da ignorância que diz-se sábia, e vai além da pretensão.

Fazer Psicanálise, me parece, é uma outra história. Faz-se no contato com o outro, faz-se na entrega à transferência que, certamente, um dia virá. Fazer psicanálise, pra mim, é saber que não vai se escapar à contra-transferência e nada que não se pareça com isso é Psicanálise.

Cabe também dizer, que para ocupar o lugar do “sujeito suposto saber” do qual fala Lacan, é preciso mais, bem mais que teoria; é preciso dimensionar-se enquanto humano, e , humano é errar, humano é falha por excelência. Caso fosse o contrário, não seria chamado de suposto.

Acredite, é apenas suposto, você não é uma criatura melhor do que os outros porque é psicanalista ou pretende sê-lo, você não é mais inteligente, nem mesmo mais astuto.

Você não é melhor que ninguém porque está na poltrona e não no divã.Você nem mesmo é alguém, porque ali você é um pai, uma mãe reeditada.

No máximo o que você pode ter é um ouvido agudo e afeiçoado à arte. Meta arte é o que tentamos ao escutar um discurso com outros olhos e ouvidos.

Portanto, vamos entender que da verdade ninguém sabe. Se Freud não dominou a própria criação, o inconsciente, não vai ser um qualquer que conseguirá; lembre-se que você também tem o seu, não só a criatura dita perturbada, a que pede atendimento. Então, contente-se em ser um artista ao escutar e console-se com isto.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

A cola do mosaico

“ O que havia em você que eu pudesse influenciar? Seu cérebro? Ele era subdesenvolvido. Sua imaginação? Ela estava morta. Seu coração? Ainda não tinha nascido”

Oscar Wilde



Essa frase parece ilustrar de forma adequada o que acontece depois da idealização, sobretudo, o que ocorre quando alguém despenca do pedestal no qual o mantivemos por algum tempo.
Alfred , ou simplesmente “Bosie” foi a criatura merecedora dessa e tantas outras frases cheirando a ódio de Oscar.
Em “Di Profundis , o até hoje polêmico autor irlandês resolve varrer para além do tapete – certamente persa – toda a tristeza e o ressentimento que lhe foi causado pelo amor desmedido e por isso, fatal.
O livro parece mais uma enciclopédia de ofensas e, por isso, um bom lugar pra se aprender todo o tipo de humilhação que se possa infligir a algum outro.
No entanto, o livro nada mais é do que uma tentativa de sublimar, de dizer sobre esse amor tão cruel capaz de ofuscar o gênio do autor, levando-o à miséria e, finalmente, à morte.
Quando estamos magoados, quando algo nos atinge de tal maneira que não restam palavras, somente estas, paradoxalmente, podem nos salvar.
É um tal de escreve daqui, lê dali que vai ocupando todo um espaço na nossa mente, antes preenchido por uma mistura de vácuo e de sentimentos ruins, dirigidos a uma pessoa, certamente “algoz” da nossa existência, ou simplesmente o vilão da história da qual somos protagonistas (lembre-se que sempre procuramos responsabilizar um outro pela nossa dor, conveniente, não?).
Claro que existem outros modos de sublimação, a arte é o que fazemos com os pedaços de nós, na tentativa de voltarmos a um estado original (imaginário, diga-se de passagem) onde dor nenhuma existia, onde tudo era alegria.
Sublimar é uma arte, mesmo que não tenhamos o talento de Wilde, nem os pincéis de Picasso, nem o conhecimento de Freud. Cada um de nós está imbuído nessa atividade, na construção de um mosaico no qual as peças somos nós mesmos , ou o que restou de nós, depois de todas as avarias que vamos sofrendo durante nossas existências.
Há quem diga que se sublima de tudo, mas, eu acredito que muito da arte que foi sendo constituída ao longo dos séculos, mesmo representativa de movimentos culturais diversos, produto de um contexto sócio cultural específico está cheia de dores de amor, de ressentimento por causa do objeto amado perdido ou nunca alcançado.
A alma, essa, juntamente com o inconsciente, permanece, e está bem ali, na nossa frente. No entanto, os livros de história procuram classificar toda atividade artística de acordo com características específicas. A isso se chama “estilo”. Engraçado é que inconsciente não conhece estilo, nem escola, nem teoria. Inconsciente dói, desatina, antes mesmo de alguém ousar descobri-lo, desde que o mundo é mundo.
Portanto, o que digo nada mais é do que repetir que, para o inconsciente não há tempo, não importa se estamos falando da arte renascentista, de arte moderna, pós moderna. Ali, há sempre um inconsciente, atemporal, e, melhor ainda: igual ao meu e ao seu.
Por sermos tão “irmãos em inconsciente” é que podemos nos identificar com as palavras, produtos de sublimação, de autores tão distantes da nossa realidade, que podemos sentir algo com a arte de um pintor tão longínquo, podemos nos emocionar com uma canção. Por quê?
Porque falam das coisas tão comuns, tão simples, sejam elas dores de amor, dores de existir, angustia, dúvida quanto ao propósito da vida...
Essa cumplicidade inconsciente permite que as palavras de Wilde ecoem e sejam valorizadas até hoje, aqui ou na Inglaterra, não importa, somos os mesmos e sofremos igualmente.
Quando não encontramos elixir melhor pra sanar nossa dor, talvez quando toda uma farmácia não é suficiente, quando parece que não vai cicatrizar, que procuramos a arte que há em nós.
Claro que algumas pessoas fazem com maestria esse trabalho de transformar a dor em alguma coisa bela, como Wilde, outros, nem tanto, o que importa mesmo não é o talento nem o reconhecimento do outro, mas, simplesmente pôr para fora, de alguma maneira, varrer, e não para baixo do nosso tapete, nossos sentimentos.
Eu fico aqui pensando...será que algum dia chegamos a concluir essa tarefa de mosaico? Será que podemos um dia nos considerar finalmente “curados” das marcas que a existência vai nos deixando? Enfim, será que um dia não será necessário sublimar?
Não consigo achar respostas para algumas dessas perguntas, talvez porque nada na vida se pareça com respostas, ou não é a existência um longo caminho em busca destas? Nos constituímos na busca de algo, sempre na busca, mobilizada pelo nosso desejo.
Por isso, vamos atrás das nossas glórias, assim como vamos atrás das nossas desgraças particulares, nessa busca, vamos nos quebrando, nos colando, para quebrarmos de novo, em uma busca constante. De que? De respostas.
E , se um dia, acontece de as encontrarmos? Estaremos certamente mortos, não restará muito o que fazer por essas bandas, a existência simplesmente não nos seria possível. Algo estaria podre dentro de nós, viveríamos num estado de dormência profunda. Aí sim, sublimar não seria possível.
Acho que temos mesmo é que procurar a nossa arte, tão nossa, e fazer desta a cola e o cimento do nosso mosaico. Mesmo que o talento não nos renda reconhecimento público, nem fama, nem dinheiro. Sublimar é preciso, é tão indispensável à vida como oxigênio.