quarta-feira, abril 23, 2008

Prefiro um livro


Eu queria falar sobre muitas coisas, mas, não conseguia focar meu pensamento em um determinado assunto. Na falta deste, comecei a divagar...vejamos o que temos em minha mesa: computador (não, não sou tão prática a ponto de escrever um texto sobre as benesses trazidas por tal complexa máquina), bolsa (definitivamente não sou do tipo de pessoa consumista que deseje passar horas a fio escrevendo a respeito dos mais novos modelos e acessórios da moda Outono-Inverno), também não escreverei sobre dinheiro (não sou capitalista o suficiente , tampouco sou economista para analisar os altos e baixos do mercado financeiro atual).

Restou-me Livros. Sim, os únicos fieis amigos, companheiros e parceiros que alguém pode ter em sua vida. Sim, por exemplo, eu sei que meu exemplar de " Dom Casmurro" estará ali me esperando , sobre a mesma estante, com suas mesmas páginas amareladas e rabiscos em suas margens.

O exemplar do Dom Casmurro é meu, o que quer dizer que contém muito de mim em suas páginas que servirão de alimento de traças (já que estamos em Dom Casmurro, porque não lembrar de Cubas?) . Também posso dizer que os insights que já tive lendo e relendo tal livro me fizeram ser quem sou hoje e me preparam para os próximos que, certamente, virão se um belo dia eu resolver relê-lo. Um livro é assim, nunca reprisado, sempre muito a ser descoberto nas mesmas linhas pelas quais nossos olhos passam, muitas vezes aflita e ansiosamente, desejando chegar ao fim.

Arriscaria dizer que meu exemplar de Dom Casmurro me fez compreender a Psicanálise antes mesmo desta entrar, declaradamente, em minha vida. Dom Casmurro entrou antes com seus mistérios, me apresentou Machado de Assis e me colocou uma interrogação na cabeça: Quem era Capitu? O que diabos o autor quis dizer com "olhos de cigana oblíqua e dissimulada?".

Pois é, Dom Casmurro me apresentou Machado de Assis, que me apresentou Freud que, por sua vez, me introduziu Lacan. Minha sorte é que o círculo de amizades é seleto e não ocorreria jamais de um Machado de Assis vir a me apresentar um Paulo Coelho ou mesmo um Dan Brown da vida. Machado tem bom gosto e o mínimo que poderia esperar dele era que me apresentasse uma Martha Medeiros.

Esses devaneios todos servem para que eu possa dizer, sem meias palavras, que as palavras aglomeradas em um livro jamais podem ser tidas como inertes, elas dançam em nossas mentes, juntam-se a outras tantas que aprendemos diariamente, que ouvimos que apreendemos durante a vida, fazem cócegas em nossos cérebros encharcados de informações...enfim, possibilitam novas sinapses, novos aprendizados e novos sentimentos.

Um livro não decepciona - considerando aqui que você disponha de dois elementos básicos para um bom leitor: sorte na escolha de um título e bom gosto/inteligência . No máximo você discorda do enredo, dá palpite sobre uma ou outra personagem, reflete sobre o tamanho dos capítulos, mas raramente se arrepende de ter lido um livro que um dia te fascinou.

Eu dou a meu Dom Casmurro um valor imenso, sem ele não seria o que sou hoje, não conheceria tantos amigos, tampouco saberia o que é Psicanálise. Meu Dom Casmurro não é temperamental, tampouco tem dificuldades em se relacionar comigo, me ouve tranquilamente, como se um bom amigo fosse, daqueles fiéis por virtude e pacatos de caráter.

Com todas essas qualidades, eu só poderia concluir que mais vale um Dom Casmurro nas mãos e grudado aos olhos do que muitas pessoas que somente tirariam o pouco tempo que tenho para me dedicar a tantas outras leituras.