terça-feira, abril 05, 2011

Movendo-se com Marc Augé


Pensar a mobilidade. É este o convite que Marc Augé faz ao leitor. O antropólogo francês que andou transitando - quem diria - pelo campus da Ufal Maceió no ano passado, traz o essencial de seu pensamento acerca da mobilidade e do que chama de tempos sobremodernos em seu Por uma antropologia da mobilidade (Unesp/Edufal, 2010). O livro é um reflexo do que Augé pensa sobre esse ir e vir que caracteriza a contemporaneidade, mas vai além disto: articula as noções de cidades mundo e mundo cidades com a perenidade do presente, passando, sem sombra de dúvidas, por temas já trabalhados por outros teóricos como Gilles Lipovesky, Zygmunt Bauman, Sebastien Charles e claro, Guy Debord, sobre a consumação do tempo e a sociedade de consumo calcada em imagens e mensagens.


Por uma antropologia da mobilidade é um livro de leitura agradável, dividido em seis capítulos nos quais o autor nos apresenta a sua visão sobre as perspectivas futuras da humanidade, para tanto, resolve analisar os percalços presentes na subjetivação sobremoderna que nos caracteriza: somos sujeitos do presente, um presente que passa rápido mas que nem todos entendem seu movimento.


Augé também adverte o leitor desavisado sobre o uso de certas palavras que ocasionam, na verdade, o engessamento de determinadas noções pensadas justamente para serem engessadas. É o caso das expressões "marginalidade", "clandestino", "exclusão", que, se não colaboram para o pensar acerca do que visam significar, contribuem para a naturalização de algo nítido: a fronteira. O autor inclusive alerta para o fato de que caracterizar alguém como "clandestino"não quer dizer que uma cultura não o reconhece, ao contrário, o conhece, só não faz sentido incluí-lo.



Para pensar a mobilidade é interessante pensar no que a obstaculiza: a fronteira. Fronteira seria o que tradicionalmente demarca o dentro e o fora, o interior e o exterior. Para o autor, essas fronteiras são de variadas espécies: há fronteiras culturais, fronteiras de linguagem, fronteiras geográficas, mas, seja qual for a fronteira, esta serve para delimitar ao marcar o que está dentro e , consequentemente deixar o espaço da exclusão para o externo.


De acordo com o autor de Por uma antropologia da mobilidade, o problema das fronteiras está justamente no fato de que elas não se desfazem jamais, mesmo em eras de globalização e de superconexões entre cidades, as fronteiras jamais deixam de existir, apenas adquirem novos contornos, um novo desenho.


Ora, podemos pensar, se a fronteira é o invariável, ela continua, mesmo em tempos sobremodernos a delimitar o que é o exterior e o que é o interior. Acabei de lembrar , inclusive da mensagem publicitária que anuncia um produto sem fronteiras; o mundo move-se e você é convidado pela publicidade a mover-se com ele, caso contrário você estará fora. Quando mantemos isto em mente, chegamos a outro conceito explorado por Augé: o conceito de periferia.


Periferia, como o bom e sábio senso comum já instituiu, significa todo aquele "outro lado" da cidade que se agrupa e se integra num determinado espaço que não o centro: espaço de exclusão, uma vez que essa exclusão e essa periferia só podem ser pensados se imaginamos seu contraponto: o centro. Desse modo, tudo que se localiza na periferia encontra-se ex-cêntrico. Semelhante pensamento pode ser associado ao termo "marginalidade" que serve para caracterizar o indivíduo que se encontra à margem da sociedade, sem contudo, esqueçamos que este existe, ele existe em sua invisibilidade. Não é de se espantar que esses sujeitos, em determinadas circunstâncias apelem para a violência para serem enxergados.


Toda essa discussão acerca de termos que passamos a utilizar como que mecanicamente faz saltar aos nossos olhos os paradoxos nos quais nossa sociedade midiática se sustenta: É preciso viver o hoje como se não houvesse amanhã; mas é necessário entender a história, entender a humanidade que nos antecedeu, não através de um processo interno, mas sim, através do consumo do passado, consumo de história, o qual, por sua, vez , se baseia num consumo de mensagens e imagens que fazem alusão a um passado.


Neste ponto chegamos a uma das mais interessantes discussões do livro em questão, refiro-me em especial ao capítulo intitulado "O escândalo do turismo". Antes de tudo creio que o que, de saída se impõe é na verdade o impacto causado pelo título da seção: o escândalo, a meu ver, lembra a noção de espetáculo que nos foi apresentada por Debord. Mas em quê consiste esse escândalo?


O escândalo do turismo relaciona-se, para Augé, com a atividade do turista-consumidor que, diante de paisagens que lhe são virtualmente apresentadas por agências de turismo, pode mover-se espacialmente, buscando consumir a cultura de um determinado local tal como consumiria uma coca-cola no deserto do Saara.


Assim opera o escândalo: a partir da lógica de que o turista contemporâneo é aquele que , em férias, decide adquirir um pouco de cultura, visitando as ruínas que testemunharam a queda de nossos ascendentes, e mais, que testemunharam a queda do modelo de História do qual temos notícia. Para Augé, e seu ponto de vista não pode ser confundido com uma percepção apocaliptica da contemporaneidade, nosso tempo atual não nos deixará ruínas; não há espaço para elas, há, de fato , registros, imagens, fotografias, tudo que nos mostrará o passado como imitação , tal como um álbum de fotografias , mas não nos deixa evocar um tempo qualquer, "puro", como sustenta ao autor.


Ao defender essas concepções acerca da figura do turista sedento por conhecimento, consumidor de cultura, Augé o contrapõe a outra figura, diferente do turista em muitos aspectos mas que se aparenta com este em um determinado ponto: estamos falando da figura do etnólogo, do estudioso que se imbui de um objetivo e destina-se a vivenciar a realidade de uma outra cultura, ao colocar-se em campo e em suspenso diante de uma experiência que, inevitavelmente, o modificará, além de modificar o campo em questão.


Etnólogos não são turistas, mas há turistas que desejam aprender, estudar, conhecer como se etnólogos fossem. Etnólogos vão ao campo e diferenciam-se do turista pelo simples fato de utilizarem um método. A semelhança entre ambos talvez estivesse no fato - e isto Augé sustenta - de ambos apresentarem o mesmo fascínio pelo que veio a chamar de charme de encontrar indivíduos e paisagens.


Certamente não há espaço para buscarmos clarificar todos os importantes conceitos que nos são apresentados por Augé, mas resta algo da leitura de sua Antropologia: o fato de que, por mais que nos aproximemos do tal fenômeno, jamais chegamos a conhecê-lo profundamente, totalmente. É nesse momento que o autor nos interroga: É possível nos conhecermos? É possível conhecer esse outro que se impõe como diferente de mim?


Em outras palavras, vamos a campo, viramos antropólogos, etnólogos - e por que não, psicólogos sociais, não com a pretensão de dominar o objeto de nosso estudo, mas, sobretudo, com a intenção de nos desenraizarmos de nós mesmos, de sairmos do posicionamento concêntrico, e assumirmos o difícil lugar do estrangeiro, lugar de falta, por excelência.


Ampliando esta questão para termos gerais, encontramo-nos, todos, em uma sociedade que, apesar de nós - tal como enfatiza Augé- caminha, segue um rumo que nós, inevitavelmente, seguimos. A última lição que o autor nos oferece é a de que necessitamos da mobilidade para fazermos o penoso exercício de nos afastarmos de nós mesmos e sairmos de nossos contornos. Precisamos repensar a mobilidade para podermos pensar em novos modelos de nos relacionarmos uns com os outros.


Assim, em sua antropologia Augé nos mostra de uma forma honesta o que significar mover-se atualmente, levando-se em consideração a necessidade urgente de descentrar-se no mundo, nas cidades, nas moradas, descentrar-se na História, e, por que não, descentrar-se de si mesmo.