domingo, agosto 31, 2008

No encalço de si mesmo - "Into the Wild"



Um jovem em busca de si mesmo. Essa poderia ser uma boa definição para o filme "Into the Wild", roteiro e direção de Sean Penn. Bem. Em um determinado momento de sua vida, um jovem insatisfeito com sua existência tediosa resolve pôr um basta em tudo que vivia, inclusive sua vida abastada de pequeno burguês para sair vagando pelo mundo, como um "super vagabundo" (Supertramp, que adota como sobrenome).

Seu objetivo de vida: desvencilhar-se do materialismo, da vida de faz-de-contas, para ir rumo ao Alasca.

A jornada, como se poderia pensar inicialmente, não pode ser considerada uma "viagem", um simples "passeio": trata-se da história de um jovem que busca bravamente conhecer-se, viver a vida no que nela existe de mais bruto, institivo, talvez tudo de que a redoma familiar lhe protegeu.

Não vou falar aqui como termina o filme, tampouco falarei da fotografia, muito menos falarei do brilhantismo e da técnica de interpretação dos atores. Falarei do que presumo saber falar, de Psicologia e de tudo que o filme fez ebulir em mim para que eu pudesse estar aqui falando, neste momento.

Durante o filme, o espectador começa a rever certos valores, tais como "felicidade" "união" "família", "moralidade", "bem", conceitos estes que, se formos analisar aqui, precisaremos de muito tempo e certamente descamparíamos para uma discussão filosófica.

O que é felicidade? Segundo Chris, ou "Supertramp" (personagem principal do filme), a felicidade só pode ser real se compartilhada.

Eu fico cá comigo pensando: Certo, a felicidade pode ser, tanto um par de botas (isto está em um conto de Machado de Assis chamado "O Último capítulo" , vale a pena) , como pode ser um pote repleto de brigadeiro, como pode ser um filho, um casamento.

Fato é que felicidade para mim é um conjunto de muitas coisas que só dizem respeito a mim, o mesmo acontece com o "amor", conceito que nem me atrevo explicar, visto a complexidade da temática. Não quero falar disso.

A felicidade, para mim, pode ser simplesmente estar em paz comigo mesma e ainda assim, não ter com quem compartilhar esse sentimento. Se formos pelos lados da Psicanálise saberemos que não existe nada em nosso aparelho psíquico capaz de abarcar o que a humanidade costumou designar com este nome.

Eu acredito que existem momentos em que é necessário largar os livros, largar a aparência, seja ela qual for, e viver. Em certas ocasiões o que o ser humano quer é carinho e este não está disponível em nenhum volume de nenhum livro, não está nas enciclopédias, não se aprende na escola e também não se ensina na universidade.

Dito isto, cabe sim, fazer uma jornada para dentro de si mesmo, se perguntar o que realmente importa, para você, você, um ser humano único constituído de uma vivência única, com sua cultura, que nasceu na família que é apenas sua, que tem os irmãos que ninguém mais tem e os pais que ninguém mais tem (visto que até nossos irmãos têm pais diferentes dos nossos, simbolicamente falando).

Fato é que poucas pessoas procuram o seu Alasca. Estamos tão imersos na pequenez do dia-dia, tão arraigados a nossa cultura, ao que os nossos pais convencionaram como sendo o principal ponto pelo qual devemos nos nortear que me pergunto: Aonde está o espaço para viver sem bússulas? Será que procuramos? Viver sem bússulas, uma vida e uma existência constituída por cada gene nosso, por cada fio de cabelo de nosso corpo, por todos os livros que lemos, pelas músicas que ouvimos, pelas pessoas que amamos. Isso deve ser o real sentido da vida: buscar-se, permitir-se, perder-se para buscar-se novamente.

O problema é que quando rumamos para o Alasca interno estamos saindo da posição confortável que ocupamos debaixo da asa do Estado, da Moral, da Lei e da família. Para crescer é necessário romper limites, ultrapassar o teto que muitas vezes é baixo demais para nossas cabeças que teimam em apontar para um ponto mais alto.

Inevitável se torna, nesse processo de crescimento, nos depararmos com constantes quedas, desprendimentos, arranhões e rasteiras. A vida, alguém já o disse, é uma questão de sobrevivência, é estar sempre preparado para o próximo golpe. Negativista? Realista.

Com isso, entendam, não quero dizer que viveremos sempre com uma atitude defensiva diante de tudo e todos. Não. Acredito ser necessário dar sorrisos, recebê-los também, dar amor e não esperar muito em troca, hoje algúem me disse que quando se é mais velho nota-se que o mais importante é amar do que ser amado ( ilusão narcisista pela qual vivemos boa parte da vida a procurar).

Não existe uma espécie de "manual de como se viver bem", um tipo de cartilha que podemos ler e que se adequará a nossas existências - é nisso, a meu ver, que derruba a maioria dos argumentos dos chamados 'livros de auto-ajuda' - Ninguém pode ensinar ninguém a viver, no máximo você pode absorver ensinamentos de pessoas mais experientes para formar a sua própria concepção de existência.

Para viver - o que até hoje entendi como vida, você pode entender uma coisa completamente diferente do que eu entendo - é preciso equilíbrio para conseguir manter-se de pé mesmo quando zonzo de um soco que levou, é necessário escapar de rasteiras que, eventualmente, você pode evitar, se for esperto. Para viver é preciso paciência e desprendimento, para entendermos que a morte há de vir e a vida, por si só, é finitude.

Buscar o norte que é apenas o meu norte, constituído dos pedacinhos de cultura, de amor e de esperança que só eu usei no mosaico de mim mesmo que construo e reconstruo a cada passo que dou, a cada dia que vivo. Compartilhar e saber apreender o que de melhor o outro tem, e entender que o mal que fulano me faz pode, muitas vezes, atingi-lo muito mais do que a mim mesmo, seu alvo em potencial.

Viver, no fim das contas, não é nada fácil, é complicado, e cada dia torna-se uma luta constante diante da tentadora opção de simplesmente desistir.

Virar vagabundo, na acepção real do termo, foi para Chris o ponto de chegada e o ponto de partida de sua vida. Outros casam, outros escrevem, outros matam, outros se matam.

Viver não é nada fácil, implica muito equilíbrio e mãos extremamente ágeis, para que o choro - que invariavelmente vem- seja enxuto de maneira rápida, tão rápida a ponto de não nos marcar a face e a alma eternamente.

Anatomicamente diria, viver implica mãos ágeis, pernas fortes para suportar as rasteiras, jogo de cintura para conviver com os outros - posto que homem nenhum é ilha - e olhos, mas olhos muito atentos para poder, um dia, enxergar o Alasca, aquele de dentro de nós.