sexta-feira, dezembro 17, 2010

Woody Allen e a humanidade sem plumas



"A beleza está em quem vê. Se quem vê for míope ou estrábico deve perguntar à pessoa ao lado qual é a garota mais bonita"


Woody Allen


Ao se deparar com esta frase, o atento leitor poderia já adivinhar a autoria: Woody Allen. Ele é desses autores que já fazem parte do imaginário popular. Não conto as vezes em que Woody apareceu aqui neste modesto blog, seja devido às sensações de estranhamento, seja devido às perolas como estas, presente em seu pequeno livro, editado no Brasil pela L&PM, em 2008 , Sem Plumas.


Seria pouco dizer que o livro é de fácil e agradável digestão: lê-se em menos de duas horas, nas quais o leitor poderá , além de ler, que é seu ofício nato, rir, que é algo que somente os autores talentosos podem causar. São 17 historietas com títulos bastante sugestivos, tais como: Examinando excertos psíquicos, Os Pergaminhos, O gênio irlandês e para mim , a mais genial de todas: Se os impressionistas tivessem sido dentistas.


Sem Plumas seria um modo de desdizer Emily Dickinson que uma vez afirmou: "a esperança é uma coisa com plumas". No mais puro estilo Allen de ser, o autor americano fascinado por jazz e por teoria psicanalítica - não necessariamente nesta ordem - parece nos dizer que seus escritos são relatos desesperançosos diante dos lugares comuns mais desejados pela humanidade: felicidade, amor, sorte, saúde.


Claro que o leitor atento perceberá que é na desesperança que Allen encontra seu gênio: Auto de frases como " Morrer é uma das poucas coisas que se pode fazer deitado", sendo da opinião de que o Além existe, o problema seria saber a quantos quilômetros fica do centro da cidade e até que horas fica aberto, Allen nos revela a mesma veia cômica que faz sucesso em seus filmes, exemplo disto são "Melinda & Melinda", "Maridos e Esposas", "Vicky, Cristina , Barcelona" , e o mais recente "Tudo pode dar certo" que, apesar do péssimo título em português vem ressaltar exatamente a noção de que, na impossibilidade da felicidade eterna, deveríamos nos contentar com qualquer coisa que dê certo.


Esta ideia aparece e reaparece na obra de Allen, se fosse eu Zizëk, comentado no post passaado, diria que a desesperança, o fato do homem ser ontologicamente sem plumas seria o sinthoma de Woody Allen, esse jeito irreverente e irônico de rir de si mesmo ao trazer suas neuroses para a tela e para qualquer outro meio em que se expresse transforma o diretor de O que você sempre quis saber sobre sexo mas tinha vergonha de perguntar num dos maiores nomes da desesperança de que se tem notícia atualmente.


O primeiro deles? Acho que não erraria se falasse que foi Freud: Se houve alguém que começou com essa história de denunciar nossa ausência de penas, este alguém foi o psicanalista de Viena, Allen foi apenas o carona. Vejamos alguns dos tipos e das situações sem plumas exploradas por Allen :

1- A jovem pseudo-intelectual:


" Família grã-fina de Nova Iorque. Passava as férias com o pessoal da esquerda festiva. Podia ser vista em todas as sessões dos cinemas de arte. Viciada em escrever ' É isso aí!' nas margens dos livros de Kant" (ALLEN, 2008, p.45)


2- A prostituta intelectual:


" O quente custava 300 dólares: uma recém-formada em psicologia fingiria apanhar [ o cliente ] no Museu de Arte Moderna, envolver-se-ia com [ele] numa discussão sobre o conceito freudiano da mulher, deixá-lo-ia ler a sua tese de mestrado e até encenaria um suicídio" (ALLEN, op cit. p.47)


3 - O problema filosófico original:


" Se uma árvore tomba na floresta e não há ninguém por perto para ouvi-la cair - como sabemos que fez barulho?" (ALLEN, op. cit. p. 121)


4 - Sobre a diferença entre amor e admiração:


" É evidente que ser amado é diferente de ser admirado, já que sempre se pode ser admirado a distância - enquanto, para se amar de verdade uma pessoa, é preciso estar no mesmo quarto com ela e, de preferência, enrolado atrás das cortinas" (ALLEN, op. cit. p. 94)


5 - Sobre o dinheiro:


" O dinheiro não é tudo, mas é melhor do que ter saúde. Afinal, não se pode entrar num açougue, pedir um quilo de alcatra e dizer ao açougueiro: 'Olhe como estou bronzeado. Vendendo saúde!Nunca fico gripado!' e esperar que ele lhe entregue a carne" ( ALLEN, op cit. p. 93)


Como estes existem tantos outros espalhados, como que impregnando a obra deste homem que, senão nos conta nada inédito, ao menos nos ensina a rir das nossas próprias mazelas. Sim, somos humanos, passíveis de erros, interesseiros, frugais , fúteis e essencialmente desamparados, sem plumas que somos. Recomendo fortemente.




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