sábado, janeiro 30, 2010

As Comédias brasileiras de Verão


" O futuro é uma folha pautada esperando a primeira anotação do ano, que tanto pode ser 'Dentista' na sexta quanto 'Deus, levar questionário' no sábado"


Luis Fernando Veríssimo



Essa é uma das frases do ótimo livro que reune alguns novos contos de Veríssimo. Comédias Brasileiras de Verão ( Objetiva, 2009) é um daqueles livros que podemos ler numa sentada, em um par de horas, durante a espera no dentista, no médico, ou mesmo durante uma aula monótona ( não podemos esquecer dos contos que Veríssimo escreveu para serem lidos especialmente na escola).

Pois bem, Comédias não traz nada muito aprofundado a não ser que você goste de adentrar pelos meandros dos tão explorados conflitos entre homens e mulheres. Em sua maioria, os contos de Veríssimo exploram estas relações tão difíceis entre as pessoas com os costumeiros humor e ironia que só mesmo o autor gaucho é capaz de imaginar.


Desde um pé inoportuno roçando outro debaixo da mesa, ao ciúme patético de um homem apaixonado, Veríssimo nos faz entrar nos lares das famílias de classe média, compostos, não raramente por homens e mulheres entediados com a relação e que deixam transparecer seu descontentamento nos mínimos detalhes e pelos mais variados e inusitados motivos:


" Higino era o que se chamava de um rapaz 'bem-apessoado', em contraste com a sua namorada Naralei, que tinha um nariz que só podia ser chamado de hediondo, como certos crimes. Ninguém entendia por que o simpático e talentoso Higino, que podia ser o que quisesse na vida, namorava Naralei, que era tudo que ele não era"


O tirano - Comédias Brasileiras de Verão



Veríssimo sempre pareceu muito apto a falar sobre as pequenas coisas do dia-a-dia que chegariam ao nível do trágico se não fossem cômicas, as personagens masculinas idealizadas pelo autor vão do ciumento possessivo que chega a imitar um cachorro tudo para não ser flagrado vigiando a amada até os inseguros machões que precisam entrevistar cada parceira para ter certeza de sua potência sexual. Das femininas então, muito se pode falar.


Temos uma grande galeria nestas deliciosas Comédias, desde Mariazinha, a mulher média, comum, trabalhadora que não sabe se vestir para encontrar um homem e sentir-se mais feminina até Ana Luiza, a tal moça que, sorrateiramente roça seu pé na perna do amigo de seu marido. Não podemos, como se pode notar, falar de uma ética nestas personagens tão únicas pensadas por Veríssimo: muitas vezes, é mais divertido não ter ética nenhuma.


Por este motivo, espia-se por trás de um poste a mulher amada, pensa-se com alegria numa possibilidade fortuita de traição conjugal, finge-se que um orgasmo é verdadeiro toda vez que assim o fazem crer.


As personagens destas Comédias transitam entre o cômico e o trágico, sem nem por isso fazê-lo de maneira pesada, mesmo quando se trata de uma tentativa de suicídio ( a vizinha leonina do homem capricorniano): É que pelas mãos, pela pena de Veríssimo tudo é risível, até mesmo a impostura,o desprezo e o desespero.


Vale a pena tirar umas horinhas para se deleitar com este imperdível livro. Sua vida não mais será a mesma quando descobrir que as neuroses suas de cada dia não lhe são tão exclusivas assim...