terça-feira, junho 16, 2009

Para se aguentar a vida



Há mil maneiras de começar esta receita. Poderia falar de cinco ou seis maneiras , poderia até mesmo citar palavras vindas de nobres poetas, nobres escritores. Fato é que para se aguentar a vida, há que se ter alguns itens os quais se fazem não necessários, mas imprescindíveis. Para começar, eu digo que para se aguentar a vida é preciso , sobretudo, muitos dentes ou, pelo menos, os que a natureza nos empresta durante este caminhar que ninguém sabe onde nem quando vai parar.

É preciso dentes para rir quando nada vai bem, ou quando, o que ia bem, começa a ir mal. É preciso dentes para estampar na cara um sorriso tão indolente que é capaz de gritar sozinho: " Eu nem me importo".

É preciso, para aguentar a vida, um ou dois livros de poesia, um de Carlos Drummond, outro de Quintana, mas, aconselho, jamais vá pelos lados de Clarice ou Florbela, que é para não piorar o estado de quem vive para aguentar.

Um poema faz muito por quem já vem cansado de tanto caminhar, diria até que uma estrofe, um soneto tem muito mais o que dizer do que certas bocas que tanto falam e não dizem nada.


Também recomendo um amor, porque somente ele é capaz de nos fazer acordar todos os dias e recomeçar, tal como uma maratona sem fim, a vida que nos cabe. Um amor nos dá tudo isso que disse, dentes para sorrir, poemas para se ouvir. Um amor, este sim, pode até substituir uns livros de Drummond, uns versos quintanares, sobretudo se for bem amado, cheio de beijos e abraços, que é para se ter forças para dormir e acordar no outro dia.


Aconselho um gato ou um cachorro. passarinho ou o que for, para aquele que deseja aguentar a vida. Ver um animal repousar e suas pálpebras a cochilar desperta no olho humano uma inveja capaz de nos fazer pensar: Eis que o gato repousa, eis que o cachorro ronca. Pretende-se que o sossego do animal ao nosso lado encoraje nosso mais profundo ser a dar uns cochilos. É sempre invejável a calma do animal que não mais espreita, mas dorme, e sonha, com o quê não sabemos. Isso é encorajador, é pacificador, portanto, nos faz aguentar a vida. Se até o gato aguenta!


Recomendo, além do amor, se preciso for, um ou dois goles de qualquer substância etílica, que é para não cegarmos na sobriedade em que desejamos sempre conduzir nossas vidas. Há que se ter uma gota de inconsciente, posto que, se pensarmos que a grande maioria de nossos pesares são inconscientes, por que não encará-los de igual para igual. Sejamos nós, também, inconscientes, e brindemos, porque brindar é essencial quando se bebe.


Estava quase encerrando, mas por obrigação não posso deixar de comentar sobre os pôres do sol, os mares, algumas nuvens em forma de desenho, um quadro bonito ( não importa o autor), um bom chocolate, um filme divertido´e um seriado humorístico ultrapassado. Estes, sem dúvida, são itens indispensáveis para aquele que deseja aguentar a vida.


Como se pode notar, apesar da listagem acima, há que se ter também uma boa parcela de paciência, que é para entender que tudo há de passar, mesmo quando se acha que o mal que foi feito jamais findará. É, inclusive importante, se desfazer de relógio ou qualquer coisa que o valha, posto que , quase nunca, funcionaremos de acordo com o tempo estampado em nossos pulsos.


Ah, para aguentar a vida é preciso saber viver. Parece redundância, parece infantil. Mas, viva mais de duas décadas e comece então a entender o que é preciso para continuar, sem vacilar, essa maratona sem fim que , mesmo assim, teima em terminar.

Há que se aguentar a vida, porque, acima de tudo, ela nos aguenta, todos os dias. E o melhor, não desiste de nós.