sábado, novembro 10, 2007

Objeto causa de desejo e poesia




“ O objeto pequeno a é um oco, uma falta, é o outro enquanto falta que convoca eu desejo. Chame-se Cármides ou Albertina, o amado é para o amante o objeto a ser sempre conquistado”.

Juan David Nasio


A frase acima faz uma explicação deveras simplificada sobre um conceito psicanalítico que considero mais bonito, mais poético. Perto dele não há Édipo, não há significante, não há objeto transicional. O objeto a, ou objeto causa do desejo é poético porque sua essência é passível de ser compreendida pelos mais leigos dos leitores, geralmente os que mais sabem de psicanálise.

Digo isto porque muito antes de Lacan falar em objeto causa do desejo, artistas já o fizeram, poetas, escritores, escultores e pintores já fizeram arte com o que se desprende do ser amado, causando esse ofuscamento que produz um desejo, uma luz.

Drummond, sem precisar de Lacan, conhecia o objeto a: “ Quando estou, quando estou apaixonado, tão fora de mim eu vivo que nem sei se vivo ou morto quando estou apaixonado”.
Florbela era outra: “ Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes Borboletas de sol, de asas magoadas, poisam nos meus, suaves e cansadas, como em dois lírios roxos e dolentes”.

O que podemos apreender disso tudo é que Drummond sabia tanto quanto Lacan que estar apaixonado é estar fora de si uma vez que se dá o encontro com o objeto causa de desejo, é ser desalojado, por querer, da própria alma. Florbela parece ter ido além quando torna visível , palpável o objeto a que se deprende do ser amado, os olhos.

Olhos, boca, voz...tudo isso pode ser recortado, retirado do ser amado para que possamos tomar posse. É-nos revelado um “não sei o quê”, como já disse em outros lugares que nos faz seguir em frente, que nos faz desejar. O desejo independe de beleza física, não conhece raça social e nem tabus. O desejo apenas irrompe e vai, segue rumo a um não sei onde guiado por uma mão invisível.
O desejo, justamente por saber-se desatino não nos leva a lugares sempre calmos, é mais provável que nos leve à ruína. E aquela voz supre todas as necessidades e aquele cheiro do cabelo dela deixa o coração do amado despedaçado.
Despedaçado, si, essa é uma das características do objeto causa do desejo; ele não representa o sujeito ali, visto em sua integridade, ele é apenas uma parte deste que o outro sujeito escolhe para amar.
Por isso ama-se de tudo, ama-se sapatos, para os mais fetichistas, ama-se uma verruga (acredite, existe), ama-se olhos zuis gigantescos, ama-se uma voz, ama-se a pele. Ama-se isso tudo justamente porque isso não é a totalidade.
O objeto causa do desejo aponta para a incompletude, e aí é que se perde o rumo: entrega-se sem freio, buscando que aquela voz, aquele olhar, aquele beijo, aquele modo de andar, aquilo tudo que é o ser amado faça morada em mim. E quem vê nem diz que acontece isso tudo.
Não sei porque tento aqui explicar o inexplicável, o objeto causa do desejo não tem explicação, é sedutor por excelência mas não se sabe exatamente o porquê que os escolhemos, ele é retirado do ser amado, recortado e colado em nossa imaginação. É triste mas, nós estamos sempre despedaçando o ser amado em busca do objeto causa do desejo.
Acho mesmo que o objeto causa do desejo não é Albertina, como diz Nasio, mas aquele sotaque tão faceiro da Albertina, aquele modo único com o qual ela mexe os cabelos, o jeitinho de andar de Albertina.
E nós seguimos, sem saber explicar, porque diabos aqueles olhos azuis gigantes nos mobiliza a escrever. E nós seguimos sem saber porquê aquele cabelo tão sedoso nos faz chorar de soluçar.
Não sabemos, nunca saberemos o real motivo daquele quê se desprender e vir a se tornar a razão do desejo, mas, se passarmos a entender um pouco que não se pode entender e sim, sentir, já é meio caminho andado.
Assim, sentindo e não entendendo eu posso criar uns versos sobre aquele cabelo da Albertina. Não me espanto agora ao descobrir que os maiores sonetos foram compostos não para o ser amado, mas para o objeto causa de desejo, objeto causa de poesia.