
A multidão costuma dizer que de amargo, já basta a vida e que melhor adoçante não há além de uma boa poesia, aquela capaz de consolar a todos e revelar pela milésima vez o mistério que teimamos em esquecer: a vida e sua beleza.
É disso que vivem os poetas. Aqui vai uma dessas que costumar tornar tudo tão mais doce:
Ar noturno (1919)
Tenho muito medo
destas folhas mortas
e medo dos prados
cheios de rocio
Vou adormecer;
se não me despertas ao teu lado
deixo meu coração frio.
Que é isso que soa tão longe?
Amor. O vento nas vidraças, meu amor!
Eu te pus colares
com gemas de aurora.
Porque me abandonas
por este caminho?
Se vais muito longe,
meu pássaro chora
e o vento vinhedo
não dará seu vinho.
Que é isso que soa tão longe?
Amor. O vento nas vidraças, meu amor!
Não acabarás nunca,
esfinge de neve,
o muito que eu te houvera querido
essas madrugadas quando chove tanto
e no ramo seco se desfaz o ninho.
Que é isso que soa tão longe?
Amor. O vento nas vidraças, meu amor!
Federico García Lorca