quinta-feira, abril 26, 2012

O evento, o Real e Paul McCartney


O dia de 21 de abril de 2012 será lembrado como  o dia em que me encontrei com o Real. Segundo os desdobramentos lacanianos. O Real é tudo aquilo que não podemos abarcar por meio de símbolos, o Real mais se aparenta com um acontecimento, com um evento. Eu lembro agora de outro momento, que talvez não tenha muita relação com o que eu estou tentando dizer, mas acabei me lembrando.


Lembrei agora de uma palestra de um filósofo que me chamou bastante atenção: ele falava de amor, falava da necessidade atual das pessoas disciplinarem o amor, higienizarem as relações a ponto de pouco sobrar para nos deixarmos arrebatar. Você poderia agora pensar: Filosofia, Real, amor?Como estes fatos se entrelaçam com o tal 21 de abril?

Vejamos os argumentos: segundo o tal filósofo, o evento seria algo que não podemos programar, algo que irrompe, que nos toma de assalto e tem a característica imútavel de ser surpreendente. O evento é um acontecimento e isto deve nos arrebatar, justamente porque não o programamos, ele apenas acontece e nos toma.
Poderia falar da consequência disto para as relações amorosas. Vou insistir no Real, e percebemos que o evento é parte do Real,  é mesmo aquilo que não se inscreve. Vejamos: se estamos realmente envolvidos e tomados pelo evento, ele é o Real, aquilo que, por mais que tentemos, não conseguimos simbolizar.

Agora vem a parte mais interessante, voltemos ao dia 21 de abril de 2012. Deu-se o evento para mim, o evento verdadeiro. Inesperado, surpreendente. O que não posso simbolizar, mas tentarei porque sou um ser simbólico. A partir daqui, então, esqueçam os ensinamentos sobre Lacan e seu Real, esqueçam o filósofo e seu evento. Vamos ao que arrebata.
O evento do qual falo é tudo aquilo que não consigo abocanhar com os símbolos dos quais aprendi a dispor quando cresci: Sou fã dos Beatles, minha identidade , minha vida como sujeito se formou junto com os quatro de Liverpool. John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison sempre foram para mim os amigos de infância que não tive, as pessoas com as quais compartilhei meus momentos mais marcantes, e falo isso sem o temor da pieguice. Falo apenas o que se dá.

Depois de vários anos de Beatlemania solitária, eis que o improvável acontece: surgem boatos em fevereiro que sir Paul McCartney se apresentaria no Nordeste, em Recife, cidade vizinha à minha. Esta seria a terceira visita consecutiva do ex-beatles ao Brasil, tamanha frequencia causava uma espécie de descrença por parte de todos os beatlemaniacos brasileiros: seria estranho Paul estar no  Brasil, de novo, em tão pouco tempo, numa capital do nordeste que tem fama de ser megalomaníaca, enfim, em poucas palavras: não seria mais do que um boato.

Até que o impensável se dá: Paul realmente vem, e eu seria uma das pessoas que se cercaria de todas as informações possíveis sobre esta vinda tão estranha, e ao mesmo tempo tão esperada: eu estava arrodeando o evento, procurando me informar sobre as homenagens, sobre o set list , sobre tudo enfim que diria respeito a Paul. Eu estava tentando programar o evento, comprando ingresso, programando a viagem.
O dia do evento chega, e falo evento porque assim ele é referido: o evento começaria às 21:30 da noite, em um estádio de futebol, e os portões se abririam ao público desde às 17:30.
Depois de muito tempo na fila, já sentia uma espécie de comoção por conta da situação, das pessoas do país todo que se espremiam e se maltratavam naquela fila quilométrica. Eis que entro no tal estádio e busco um lugar na frente. É interessante porque não me servia qualquer lugar, à despeito de qualquer advertência, de qualquer ressalva financeira, decidi gastar os tostões que tinha numa experiência que valeria por uma vida.

Às 21:35, aproximadamente, sir Paul McCartney aparece, eu digo aparece porque foi num lampejo, de um simples palco à espera, cheio de parafernalhas eletrônicas, instrumentos e pessoas trabalhando exaustivamente, ele chegou e tudo parecia fazer sentido, ou não fazer nenhum sentido. Pergunto-me agora a sensação que tive ao vê-lo ali, na minha frente, o homem das capas dos discos, o homem que está no quadro no meu quarto, na minha caneca preferida, enfim, era Paul McCartney.  E falo isso
 sem o temor da pieguice, insisto.

Aí entra o conceito de evento, como inesperado. Por mais que se houvesse anunciado o tal evento, o evento em si, o show, a visão de Paul ali, reluzente, vivo, elétrico na minha frente, era a personificação do evento, do inesperado que, por mais que tivesse sido esperado, acalentado nos melhores sonhos, a sensação reinante em mim era: como é possível?

Nesse momento estou buscando associações, revivendo as experiências sensoriais vividas no dia, e não consigo , de maneira alguma, transformar isto em palavras: estamos na seara do Real. Por mais que eu tente, por mais que existam registros de que realmente o show aconteceu, eu não consigo compreender como aconteceu.

O Real é o que não se explica, naquele momento não filmei, não me preocupei em registrar o momento incessantemente por meio de fotografias; tirei algumas, mas ainda não acredito no que elas me mostram. O Real de Lacan se apresentou para mim ali, com Paul McCartney cantando todas as canções da minha infância e seminário nenhum iria me dar melhor definição do que vi, e precisamente do que senti, ao ouvi-lo cantar, ao alimentar meus olhos com a visão daquele que tão frequentemente habitou os meus melhores anos de vida - decididamente não temo a pieguice.

E quanto mais eu penso e tento articular teoria ao evento inesperado, sempre será o evento que me arrebata e que me deixa sem palavras, porque não existe símbolo nenhum no mundo que consiga traduzir a sensação do encontro com o Real, ali, a 15 metros de mim, por quase três horas. Infinitas horas de encontro com o Real.