domingo, julho 24, 2011

Por uma nostalgia salvadora











Eu sei que há tempos se critica - e sempre irão criticar - esse tipo rançoso que vive como se vivesse atravessado por um tempo outro, um tempo melhor, em que não se matava, em que não se morria - não pelo que se mata e pelo que se morre hoje, ah, estes eram os meus tempos.


Por todos os campos do conhecimento sempre existirá lugar para o teórico nostálgico - e eu não estou falando de Psicanálise apenas, estou incluindo aí, nesta mesma seara, os sociólogos, os linguistas, os filósofos. Sempre há uma legião de defensores dos dias de outrora. Eu também os defendo. Na cara dura. E direi por que.


O passado parece ser o lugar das realizações, o lugar do conforto. O passado é sempre uma casa mobiliada como nos tempos das avós - cristaleiras, móveis de imbuia, e porta-retratos bem antigos estampando outros tempos. Assim é o passado, uma casa de vó, bem mobiliada, cheirando a pitanga e a genipapo. É a este lugar , situado em algum lugar da história dos homens, que muitos dedicam suas vidas, suas trajetórias.


A contrário do que alguns possam pensar, ao contrário de toda a ladainha modernosa, o passado não é feito de naftalina: é lugar de reflexão por excelência - lugar para repensar o presente e de idealizar o futuro, o qual, nunca, mas nunca será tão colorido como o passado em preto e branco. Bem já disse Janis Joplin ao dizer que trocaria vários dias no futuro por apenas um dia no passado, e, o mais irônico de tudo é que a cantora de voz singular era considerada tão avant gard tão prafrentex em sua época. É. Até os moderninhos têm saudade de um não sei o quê que nem viveram.


Recentemente, o último filme de Woody Allen, "Meia-noite em Paris" revelou o que todos já sabiam, seja através de biografias do cineasta americano, seja por perspicaz observação: Allen é frequentador assíduo das confeitarias do passado, e mesmo na pele do ótimo Owen Wilson, Allen consegue nos deixar entender o porquê da nostalgia ser válida , ou melhor dizendo: porque o passado é alento.


A esta altura alguém poderia perguntar: o que tem isso de novo? Realmente, nada há de novo em nostalgia a não ser a exaltação desta como nunca antes em outros tempos: roupas retrô, brechós, móveis vintage, tudo isto surge como uma novidade da sociedade pós-moderna que cansou - ou não resistiu - aos constantes apelos que bradavam: "inovem!inovem!". O passado, a casa e as receitas da vó - além de seus vestidos e coques - voltaram a ser valorizados e ostentados por cabecinhas tão modernas. Só que a onda nostálgica para aí na área do design, da estética.


Como sabemos, ou podemos suspeitar, não parece nada bonito assumir-se um nostálgico convicto. Retrô é apenas moda pós-moderna, de uma contemporaneidade ímpar, mas não vá sair por aí ostentando o que viveu - ou o que não viveu, mas que gostaria. O idealismo nostálgico - cunho o termo agora - não é bem vindo, está roto, é tão anacrônico como a palavra anacrônico.


Desse modo, aquele teórico que , porventura, deixar sua alma saudosa dos tempos da brilhantina falar mais alto e denunciar que bons mesmo eram os velhos tempos será execrado, chamado de antigo, ultrapassado, intransigente, até mesmo de "defensor de uma visão de futuro apocalíptica". Pois é na carona desses que vou.


Não peço desculpas por continuar ostentando o velho discurso de que sou do tempo em que as pessoas temiam os professores, não pelo autoritarismo destes, mas pela simples existência daquele sentimento misto de afeto e medo que um dia Piaget chamou de respeito. Sou do tempo de agora, mas bem que me agradaria esperar por um antigo Peugeot à meia-noite em Paris.


Por isso não peço desculpas por realmente constatar que o passado, sim, nem precisa ser aquele de Dali ou de Picasso, ali sim é que eram os tempos. Afinal, uma hora teremos que tomar partido, apesar desta sociedade politicamente correta que escorrega em tantas cascas de banana por amor à contemporaneidade.


Assistir a juventude aclamar Charlie Sheen como ídolo não por seu talento como artista, mas por sua vida desregrada, presenciar os supostos fãs de uma celebridade que vivia no terrível mundo das drogas deixarem bebidas álcoolicas em sua porta como uma bizarra homenagem não me deixa animada com os dias que virão e, provavelmente, todos estes fatos que assistimos diariamente me deixam mais saudosas do tempo não vivido, mas por mim internalizado, seja por sorte, seja por neurose.


Diante de tudo isto que vemos por aí é que não devemos nos encolher com medo dos olhos da crítica: a nostalgia é benéfica, talvez seja ela a única coisa que nos faz suportar o mundo. Bradem aos tempos da vóvó, estes sim!