segunda-feira, outubro 05, 2009

Budapeste: Metalinguagem e identidade


"A palavra metalinguagem, formada com o prefixo grego meta, que expressa as idéias de comunidade ou participação, mistura ou intermediação e sucessão, designa a linguagem que se debruça sobre si mesma. Por extensão, diz-se também: metadiscurso , metaliteratura, metapoema e metanarrativa . "


Em "E-dicionário de termos literários"


Se eu pudesse resumir o filme Budapeste em uma palavra, esta seria "Metalinguagem". Ao conhecermos a estória do escritor José Costa , iremos nos aventurar, em língua estrangeira , pelos caminhos que unem e separam duas cidades tão distintas: Rio de Janeiro e Budapeste.


A narrativa diz respeito a um escritor brasileiro que, vivendo uma vida apática e sem sentido, desloca-se por entre duas cidades numa tentativa de encontrar a sua identidade. No Rio, é José Costa, autor de best-sellers, porém, na condição de Ghost Writer, ou seja, escreve, mas não recebe os louros da obra; escreve para outrem , por outrem.


Em Budapeste, José Costa torna-se Kósta Zsozé, escritor, marido de Kriska (quem lhe ensina a língua húngara, a qual, segundo ela, é impossível de se aprender por livros) e também autor, não de prosa, mas de poesia, o que significa muito: Costa nunca escrevera em português nenhum verso, já em húngaro, viu-se diante do fascínio de uma outra língua, aquela, a única a qual o diabo respeitava, segundo Kriska, e, por isso, tinha que fazer algo, este algo foi: deixar as palavras surgirem assim, no papel pálido, tais como os "Fecse", as andorinhas, em húngaro, cujo bater de asas dava origem à obra.


Budapeste, baseado no romance homônimo de Chico Buarque, nos fala essencialmente de metalinguagem: o fim do filme deixa esta intenção muito clara em diversos momentos: seja no aparecimento na tela do autor da verdadeira obra, o próprio Chico, seja no olhar que, surpreendentemente José Costa ou Kósta Zsozé nos endereça, depois de nós, espectadores, nos depararmos com a capa do livro fictício escrito pelo Costa, igual à capa do livro de Chico, tudo culminando com a imagem da câmera que filma tudo e parece nos entregar a informação de que tudo é ficção, corroborado pelo apropriado "corta" do diretor que encerra a película.


Budapeste fala de entre-lugares, língua, metalinguagem. Melhor dizendo, podemos questionar: O que muda quando deixa-se de ser José Costa para ser Kósta Zsozé? Budapeste e Rio? Prosa ou Poesia? Autor ou Ghost Writer?


Trata-se da linguagem que fala sobre a própria linguagem, a poesia de quem só se aventurava em prosa é um caminho novo para Costa, tal como a prosa não deixa de ser um caminho novo para aquele que ficou famoso na Música. Mas, em que podemos mais pensar, ao nos surpreendermos com o Amarelo de Budapeste e o azul do Rio de Janeiro?


Pensamos, sobretudo, e não por acaso, no que somos, do mesmo modo que Costa era outro quando se travestia de Kósta e falava o idioma, e buscava entranhar-se naquela língua tão diferente do português. Por que a necessidade de outro país, outra língua, outra mulher? - Costa era casado com Vanda no Rio de Janeiro, jornalista de sucesso cujo principal papel era inferiorizá-lo, ele, que não tinha escrito um livro sequer ( Vanda ignorava a condição de Ghost Writer).


Temos a necessidade premente de nos reinventar, de buscar quem somos , e, mesmo assim, esta busca não incorre em certeza de descoberta, tampouco em sucesso. Nunca acharemos quem somos, sequer teremos a vaga noção do que somos, o que não é pouco angustiante. Costa ao se transformar em Kósta, busca a todo momento o seu reconhecimento, e nada mais simbólico do que a profissão que escolheu: escrever sem aparecer, porém, em alguns momentos esta necessidade irrompe e ele brada: "Sou eu, sou eu o autor do livro!".


A metalinguagem permeia toda a obra, assim como palavras, estruturadas assim, em sílabas e transformadas nos "tercetos secretos" escritos por Kósta, cuja poesia nunca será húngara porque irremediavelmente estrangeira, brasileira. Era o que Kósta não sabia: Não se podia abandonar a essência, traduzida em nacionalidade, o que não o impediu de tentar: A palavra para explicar a palavra, Fecse para Andorinha, assim como Costa para Kósta e Budapeste para Budapeste ( o do Chico).


No fim percebemos que em Budapeste ou no Rio , algumas coisas certamente não mudam. Costa será sempre Costa, mesmo que em outro cenário, e nós, nós nos depararemos com a nossa não menos angustiante condição de espectador a qual o filme bruscamente nos remete, esta é a função da câmera e do olhar inesperado do ator para nós, nós que estamos no cinema, uns estupefatos, outros não tanto.