quarta-feira, setembro 10, 2008

Sobre Seinfeld e o Nada


Eis que o tema, de saída, não tem nada a ver com Psicanálise. Fato é que, para nós, ávidos deglutidores das palavras freudianas, há que se ver a tal da Metapsicologia em tudo: desenhos infantis, nuvens, quadros, músicas, e , porque não, seriados americanos.

Sim. Sei que os entusiastas da Psicanálise, indubitavelmente, prefeririam analisar Godard, Bergman, Sjorman, entre outros expoentes artísticos lá das bandas da Europa.

No entanto, cá estou eu para analisar a aclamada "série sobre o nada", porque ninguém vive só de intelecto, há que se dar lugar ao cômico, à piada para tornar a existência um pouco mais digerível, por assim dizer.

Criada pelo comediante Jerry Seinfeld e Larry David, Seinfeld tinha como argumento o despretensioso dia-a-dia de quatro amigos, todos eles na faixa etária dos 30 anos, solteiros. O discurso era vazio, feito de palavras vazias, permeado ora por ironia fina, ora pela zombeteria característica do humor dos idealizadores.

Seinfeld é uma comédia daquelas que os americanos convencionaram chamar de sitcom ou "comédia de situação". Seus episódios mostram a neurose nossa de cada dia, os pequenos chistes, as pequenas manias e rotinas das quais pouca gente gosta de falar, mas que, invariavelmente, nos cercam como se fossem oceanos e nós, pobres ilhas perdidas.

Interessante é que durante o fim da década de 60 e início da década de 70 os europeus, mais precisamente os suecos, inauguram o que denominaram de "novo cinema" cujo argumento principal de suas obras era o decadente relacionamento afetivo/amoroso de pessoas adultas, mais ou menos na faixa dos 30 anos de idade. Alguma semelhança ou mera coincidência?

Claro, como minha instrução é pouca, não vou aqui falar de cinema sueco, porém, interessante é que pelas bandas da América, vemos que o mesmo tema está presente em Seinfeld, digo até que é o motor da série: estamos sempre a par dos revéses de Jerry, Elaine , George e Kramer, sobretudo quando se fala de relacionamentos amorosos.

Desse modo, assistimos Jerry terminar um relacionamento porque a namorada insistia em comer uma ervilha de cada vez; podemos também nos lembrar de episódios em que George acaba um namoro porque não admite que sua mulher o vença em um jogo de xadrez. O mais engraçado de tudo isso: nós rimos.

Mas, por que diabos rimos? Acredito que rimos porque estamos sempre encontrando nas personagens e em suas neuroses e manias uma espécie de cumplicidade. Ao rir com Seinfeld estamos como que aquiescendo com a cabeça. Sim, somos assim, temos tantas neuroses quantas nosso vão psiquismo as admitir, porém, não as confessamos, a não ser por intermédio da risada.

Assim, vamos assistir filmes de artes, vamos comentar sobre política, religião e Ciência. Mas, e o que fazer com aquele pedacinho de alface que teima em se revelar em nossos dentes incisivos? O que fazer com a pedrinha no sapato?

Tudo o que não sabemos fazer com o que nos incomoda aparece em Seinfeld de uma maneira tão caricata, mas, ao mesmo tempo, tão verdadeira, que nos faz sorrir, sorrimos por nos familiarizar.

Não me admira que mesmo que a série tenha acabado ainda seja considerada um clássico das sitcoms.

É bem verdade que não estou aqui para defender o jeito yankee de pensar, sua cultura e afins, mas acredito que devamos tirar o chapéu para algumas das produções televisivas americanas: têm-se de tudo, em uma só noite podemos assistir a reality shows sobre moda, beleza e música, porém, sobre o nada, bem, sobre o nada, até onde eu sei, só existe Seinfeld.

É hora de pensar sobre o que seria esse "nada" o qual a série exalta: O nada seria o que nos constitui, a nossa natureza essencial, nossa estruturação. Sim, somos constituídos do nada e com o nada abraçamos a nossa vã existência. Filosofia? Não.

Durante a vida podemos adquirir bens materiais, famílias, amigos, diplomas. No entanto, o nada, o vazio estará sempre dentro de nós; até buscamos nos tratar - os mais saudáveis, os que admitem que a cota de nadinhas tem os prejudicado deveras ao longo da vida.

Quão contraditória é esta conclusão: "Por mais coisas que acumulemos durante a vida, o nada e o vazio é o que sempre vai nos acompanhar até o dia do último e merecido suspiro"? O nada, as neuroses, os tiques e as manias é o que nos dá sustância, nos dá uma existência única e me faz diferenciar João de Maria.

O nada é , de fato, o que nos faz humanos, demasiado humanos, humanos e risonhos: Assistimos a desgraça dos quatro amigos de Nova York como se estivéssemos dizendo: Faço igual, sou igual.

É, a vida é isso: uma sucessão de sitcoms que vamos assistindo - como platéia e nas quais atuamos como protagonistas, ora de forma trágica, ora pendendo pro cômico, mas, ainda assim, comédia. Ainda bem.

Àqueles que não gostam de rir recomendo Godard, ou cinema sueco.