quarta-feira, dezembro 12, 2007

Contraponto à boa Amélia

" [...] pelo casamento, é que o sexo feminino poderá alcançar o sustento que lhe é necessário"
Schopenhauer - A arte de se fazer respeitar.
" As mulheres representam o triunfo da matéria sobre a mente".
Oscar Wilde - O Retrato de Dorian Gray
" A mulher nao teria arte para se enfeitar se não pressentisse o papel secundário que desempenha".
Nietzsche - Para além do bem e do mal
Quando juntei esses três pensadores nesse texto não pretendi nada além do óbvio: demonstrar como, ao longo dos séculos, a história do pensamento humano tem relegado à mulher o mesmo papel secundário do qual Nietzsche fala. O incrível é que, mesmo que tenhamos, nós mulheres, ultrapassado os limites impostos pela autoridade paterna, ainda há aquelas que existem apenas com o intuito de corroborar o pensamento dos autores citados.
Desse modo, vestem-se e vivem suas vidas baseadas no pretenso brilho que tem o falo. Como bem se sabe, o falo não é propriedade de ninguém; ele atua como moeda de troca entre os sexos. Claro que muito se passou desde Lacan e seu falo, porém, há de se convir que em toda relação se supõe que o outro detenha algo que poderá completar o sujeito.
Desde os primórdios do pensamento humano, a mulher está associada à beleza, juventude, e desejo. O que foge disso ou é associado ao masculino, ou é associado à figura materna. Logo, gordura, velhice, feiura, é, literalmente, a mãe (obviamente estamos excluindo aqui os casos edípicos, em que, como bem diz o termo, a mãe possui as mesmas qualidades que a mulher passível de ser desejada sexualmente, excluamos então o pobre Édipo).
O que falamos aqui é que, ainda assim, tem sido mais confortável conceber as mulheres como belas e preocupadas com características de meiguice e sedução do que entendê-las como seres pensantes.
Exemplo? Posso dar. Na Grécia Antiga, na ilha de Safo, uma poetisa e pensadora que doutrinou muitas mulheres para a atividade do pensamento, do entendimento das coisas e dos objetos. Certamente poucos sabem disso, mas de Sócrates todos ouviram falar em qualquer apostila de cursinho pré-vestibular.
Poderia citar outras mulheres "injustiçadas" mas não quero parecer feminista. Elas tiveram seu valor, hoje em dia qualquer ranço de inflexibilidade é mal visto e/ou mal interpretado. Não quero dar esse tom ao texto.
O que quero dizer, sem meias palavras e sem mais rodeios, é que uma mulher que pense continua incomodando, seja o homem Nietzsche, Schopenhauer ou mesmo o Zé da esquina, ou seu João da padaria. Uma mulher que pensa é vista como exceção à espécie destinada à luxúria e ao desejo (masculino) apenas. Logo, a mulher que pensa é sobretudo, imaginada como feia, desprovida de qualidade sedutoras, desprovida de atrativos visuais, aqueles que saltam aos olhos masculinos.
Uma mulher que pensa e é bonita é mais aberrante ainda, e o que fazer com ela? cerrá-la em uma laboratório e investigar as vicissitudes do seu cérebro ou subjulgá-la ao fictício poder fálico?Eis a dúvida quase shakesperiana. Acredito que poucos sao os corajosos a aguentarem uma mulher que pensa.
Com isto quero dizer que, exceção e aberração, a mulher que pensa assusta e atrai o olhar masculino, mas, a grande maioria dos homens prefere subjulgá-la, inferiorizá-la para que assim se sinta melhor em sua própria pele.
Não raramente a mulher que pensa passa os natais sozinha, comemora sozinha seus aniversários e não tem para quem ligar num sábado a tarde que não os bons amigos de longa data. Em relacionamentos amorosos ela assusta por não se contentar com o pouco que alguns lhe oferecem em troca do pretenso falo que pensam possuir. Ela sabe que é um engodo essa coisa de falo estar no masculino. O falo dela está em sua inteligência, em seu saber, e esse é que atrai o masculino, ao mesmo tempo que lhe esfrega na cara a incompetência viril.
Apesar do tom aqui utilizado, não acho que todos os homens estejam com medo da mulher que pensa, há os pensantes que reconhecem o seu valor e fazem de tudo para não deixá-la escapar, há também aqueles que não se assustam e conseguem manter uma relação equilibrada com alguém que pode ser intelectualmente superior a ele. Enfim, há diversas possibilidades visto que esse mundo que habitamos não é uma ilha fechada, tampouco carece de mudanças, estamos sempre mudando e generalizações não cabem quando estamos falando de seres humanos, feixe de possibilidades por si sós.
Feita aqui a defesa e tendo dito de antemão que não pertenço a classe daquelas que acha que homem e dejeto são sinônimos, pretendo aqui dizer que a mulher que pensa também deseja e deseja muito. Cabe a quem se aventurar, e tiver coragem de, embarcar.
Aos que não conseguem modificar seu discurso e nem seu comportamento assustado diante de uma mulher assim, cabe meu conselho de que leiam Schopenhauer, Nietzsche, Platão...qualquer um desses, e tente buscar em suas entrelinhas uma corroboração inteligentemente embasada para subjulgar, inferiorizar o feminino. Ah, mas nem tudo está perdido, para cada mulher que pensa existem 100 Amélias.
Exatamente. Aquela que era mulher de verdade.