sábado, junho 16, 2007

Vá ao cinema: Uma demonstração de como a culpa pode ser útil à humanidade

Hoje estive pensando porque diabos a culpa aparece em nossas vidas. Certamente quem estuda Psicanálise entende, desde os seus primeiros estudos, desde as primeiras cópias tiradas no primeiro semestre de faculdade que não existe humanidade sem culpa; sequer existe civilização sem culpa.
Na verdade desde que nascemos já nascemos banhados pela culpa e pelo líquido amniótico, claro. Somos culpados por desejar nossa mamãe, depois, nossos pais do sexo oposto. Somos culpados por tentar dar vida a um desejo que nos é , desde o sempre proibido. Em Totem e tabu (1914) Freud traz um mito psicológico das hordas primitivas e do banquete totêmico. Segundo tal história, os homens, cansados de viverem sob o julgo de um pai maior, decidem matá-lo, enfastelando-se com tudo que lhes era proibido outrora. No entanto, depois desse momento inicial de euforia por se verem livres do pai, aparece um momento depressivo; É como se fóssemos bipolares!
Advém então a inaplacável culpa. Matamos o pai, nos enfastelamos, e agora? Agora é nos desculpar. Botar esse pai no pedestal. Sim, afinal, fomos malvados, somos malvados e nada que façamos minorará essa culpa.
Então, por que falo disso? falo disso, obviamente, por causa do sintoma que me aflige. Mas, por favor, deixemos de máscaras, todos nós sentimos culpa em algum momento, fomos criados pela culpa. foi justamente a culpa que nos fez ter filhos, crir famílias, pois, uma vez que não podemos casar com mamãe, o que me restam são as outras mulheres; também não posso ter um filho de papai, então, quero ter uma família.
Não fujamos: somos filhos da culpa e a ela para todo o sempre pertenceremos. Claro que existem aqueles cuja culpa sente como completamente expiada, projetando-a para o mundo externo, assim, não sou eu que devo ao mundo, mas sim, o mundo deve a mim. Essa é bem a lógica perversa, tão conhecida pelos assassinos, delinquentes.
Eu, como boa histérica, ainda faço parte daquelas mulheres novecentistas, da sociedade burguesa vienense, certamente estaria me contorcendo se estivesse no hospital Salpetrière, local onde Freud primeiro encontrou-se com as histéricas. Certamente estaria dizendo que padecia de cegueira, ou manca da perna. Sim, não nasci pra ser perversa, sou neurótica e me sinto eternamente em dívida.
Eu devo à Deus e ao mundo. Sou culpada por desejar, por amar e por não amar, mea culpa, mae máxima culpa. E nessa tentativa de expiar tanta culpa, de tirar tanto peso dos meus ombros, eu continuo assim, dando cada passo a procura da expiação.
No entanto, algo me preocupa: E o que aconteceria se um dia essa culpa simplesmente deixasse os meus ombros. Não sejamos ingênuos, a culpa nunca vai nos deixar, e o bom é isso!Teremos sempre algo a dever. Quão anormal é isso?
Juro que se fosse pra eu escolher uma estrutura psíquica, eu escolheria sem titubear a perversão! Além de estar em moda atualmente, deve dar uma adrenalina a mais em nossas vidas...como seria bom sair enganando o próximo e poder rir depois, como seria bom viver a vida só do presente, em busca de alcançar um prazer sem igual. Sim, eu queria ser perversa e não dever nada a ninguem, "ninguém paga as minhas contas". Mas o negócio é que eu devo.
Outra coisa interessante: Quem disse que o neurótico nao sente prazer? Poxa, nós temos nossas vantagens também; ao contrário do ´psicótico, nós podemos sublimar, sublimar tudo aquilo que desejávamos fazer e não temos a coragem. Sublimando criamos arte, criamos filmes, poesias, peças, músicas, e inclusive, textos sobre culpa.
A sublimaçao e a culpa é que são a mola do mundo. Caso não o fosse, existiria Woody Allen? Seus filmes densos, complexos revelam todo o dilema do neurótico "quero mas não posso". Não, sem a culpa não existiria o cinema de Woody Allen, no entanto, sem a perversão não existiria Almodóvar.
O que nos resta? Seja você neurótico ou perverso, vá ao cinema. Caso for psicótico e não estiver internado vá, ou aproveite se o hospício possui um telão. Vá ao cinema, seja para ver outras pessoas fazendo o que você jamais faria, por culpa, seja para deliciar-se com toda a perversão que você reconhece em você, ou seja simplesmente para ter um delírio de grandeza que você é tão famoso quanto o ator na tela.
Vá ao cinema, mas, caso volte tarde, não se sinta culpado.