sábado, abril 10, 2010

Vinícius, a garota de Ipanema, e Freud: Um triângulo amoroso?



Não é novidade que um dos temas recorrentes nas canções do chamado movimento da Bossa Nova na música brasileira, sem dúvida, é a mulher. Este corpo moreno, cheiroso e gostoso que você tem sempre é cantado em verso e prosa também. Muita prosa , diga-se de passagem, se deve a Vinícius de Moraes, amante incorrigível, para quem o amor era sempre possível, mesmo que fugidio, mesmo que se tenha que buscá-lo repetidamente.


Poderíamos aqui tentar entender de que maneira a Bossa Nova cantou as mulheres, mas para isso é necessário que viajemos um pouco no tempo e no espaço. Rio de Janeiro, 1958, é lançado "Chega de Saudade", álbum de João Gilberto um tanto quanto inicial, como se fosse um esboço do que viria a ser este movimento que ultrapassou os limites da música, tornando-se estilo de vida, de comportamento.


Viajemos mais no tempo e na história de um dos grandes nomes da Bossa, o velho poetinha , já citado. Em 1933, O Caminho para a distância é lançado, sendo este o primeiro livro de Vinícius, então com 20 anos, composto de cerca de 40 poemas em que Religião e o conceito de Sagrado aparecem exaustivamente como temas corriqueiros, em relação á mulher, havia uma névoa cobrindo a imagem da mulher idealizada, posteriormente cantada em todos os seus atributos que não necessariamente incluem o sagrado, pois está mais para o profano.

Por ora vejamos esses poeminhas tão ingênuos, em que Vinícius retrata a figura feminina:


Aquela que dormirá comigo todas as luas

É a desejada de minha alma

Ela me dará o amor de seu coração

E me dará o amor da sua carne.


[...]


Ela é a minha poesia e a minha mocidade

É a mulher que se guardou para o amado de sua alma

Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.



Trecho de " A que há de vir"


Ainda podemos relembrar outro trecho interessante, agora do poema "A esposa":


Às vezes, nessas noites frias e enevoadas

Onde o silêncio nasce dos ruídos monótonos e mansos

Essa estranha visão de mulher calma

Surgindo do vazio dos meus olhos parados

Vem espiar minha imobilidade


[...]


E ela fica horas longas, horas silenciosas

Somente movendo os olhos serenos no meu rosto

Atenta, à espera do sono que virá e me levará com ele.

Nada diz, nada pensa, apenas olha - e o seu olhar é como a luz.



Caminho para a distância já foi discutido aqui, em outro post, no qual trato especificamente deste livro, então, vamos atalhar. Em Para uma menina com uma flor, uma coletânea de vários trabalhos de Vinícius que abrange um quarto de século de atividade do poetinha, percebemos uma mulher mais libidinosa, luxuriosa, que em pouco ou nada lembra a devotada esposa, dos olhos caridosos com aspecto de cuidadora, de mãe-mulher.


Vejamos porque, em "Conto Rápido"


Todas as manhãs de sol ia para a praia , apertada num maiô azul.

Por onde passasse, deixava atrás de si olhares de homens colados a suas pernas douradas,

a seus braços frescos.

Os fornecedores vinham para a porta, os velhos para a janela,

as ruas transversais movimentam-se extraordinariamente à sua passagem cotidiana


[...]


O corpo era de vinte anos,

no entanto, os cabelos pareciam velhos,

mortificados de permanentes

e, faltava-lhe aos olhos verdes a luz da mocidade.


Em outro, Vinícius alude À mulher que veio das sombras, o trecho é de " A mulher a sombra":


A aurora é uma mulher que surge da noite,

de qualquer noite - essa treva que adormece os homens e os faz tristes.

Só a sua claridade é amiga e reveladora.

Ao poeta mais nobre não seria dado desvendá-la em sua humildade extrema.


[...]


A aurora dos que sofrem, a única aurora.

Aquela mesma que eu vira um dia, mas cujo segredo não soubera revelar.

Uma mulher que surge da sombra...



É , para o poetinha, o mesmo que conseguia ser doce e dedicar uma flor à uma menina que gosta de brigadeiro e que tem um andar de pajem medieval, a mulher é encantadora em seus dotes, em suas curvas, alucinante aos olhos do mais nobre homem, o poeta, confuso entre o entendê-la e o amá-la. Vinícius é o poeta do amor, mas, sobretudo, é o poeta das mulheres.


Se aos vinte anos, o poetinha carioca sonhava com a amada de sua vida, ela, única mulher que iria dormir todos os sonos de sua vida ao seu lado, cerca de 25 anos depois, torna-se mestre em odes ao feminino que não necessariamente rima com a "amada eterna e única". Ele mesmo, não contente com uma, teve nove esposas, para ele o amor era sempre mais, sempre poderia dar mais e, caso não estivesse dando, é porque não era mais amor, era preciso resgatá-lo, seja em que braços for.



Claro que em Caminho para a distância também constam alusões ao corpo feminino como fonte de prazer, os seios, os braços, as pernas, mas, ainda assim, isso é feito de maneira tímida, quase ingênua, ingenuidade essa que desaparece aos poucos na prosa madura de Vinícius.


O que vemos na Bossa Nova é uma reprodução de muitos textos e da prosa, agora cantada, de Vinícius , a mulher cheia de curvas é aquela garota que desfila em uma famosa praia carioca, a arrebatar os olhares de todas as gentes, seria ela a mesma moça do "Conto Rápido", aquela cujo corpo atraía para si os olhares de todos nos arredores?


Não podemos esquecer também do fato de que muitas canções de Vinícius tiveram co-autoria de Tom Jobim, outro grande apreciador da espécie feminina. Até hoje a tal Garota de Ipanema é alvo de curiosidade, e não há quem não a tenha feito o protótipo perfeito da mulher carioca, presente no imaginário social, continuamente referenciada em tantas outras canções, mesmo que não sejam mais Bossa Nova, o mito foi criado, a mulher carioca, a garota de ipanema, a mulher enfim, duas ou uma pessoa?


Acredito que a resposta não seja tão simples, mas podemos questionar uma coisa: nem uma, nem duas pessoas, mas um mito, algo que está para além do conceito de objeto de consumo, acredito que a mulher na Bossa Nova, estereotipou , em geral, a mulher brasileira, dotada de curvas e de um "nãoseioquê", também conhecido como "balacobaco" ou "ziriguidum" de que nenhuma outra no mundo parece ser provida. Devemos isso a Bossa Nova.


Ao fim de tudo isto e de tantas reflexões a gente pode dizer que a mulher, seja a mulher cantada aos vinte anos, ou anos 45, 50, é uma mistura, uma profusão de mistério , suavidade e candura, que, do mesmo modo que confundia a cabeça do velho Freud (não esqueçamos jamais do célebre continente negro!), mexia com a cabeça e com o coração ( porque poesia não é ciência!) de nomes como Vinícius.
Em Psicanálise, precisou Freud revelar que não entendia, não havia solução de se compreender a sexualidade feminina para que tantos outros também repetissem a mesma ladainha, o que gerou um certo estigma sobre o feminino dentro da teoria psicanalítica: E há de surgir aquele que a entenderá, aquele que desbancará Freud e finalmente retirará o véu que esconde a garota de Ipanema, ironicamente, tão descoberta em seu biquini ou em seu maiô azul?
Seriam duas pessoas diferentes, a garota da Bossa e a da Psicanálise? Se pensarmos em Freud, lembraremos do feminino quase sempre relacionando-o com as histéricas, Paris, Charcot e o hospital Salpetrière, mulheres neuróticas e recalcadas, mudas diante do poder fálico, a elas só cabia encenar.
Já a mulher da Bossa, a mesma garotinha encantadora de Ipanema, não parece nada recalcada, nada muda, ao contrário, "sua beleza é um avião, demais para o meu coração", poderia algum poeta comentar. Voltando ao poema da "Mulher e a sombra", verificamos que, engraçado, a mulher também não era tão entendida pelos poetas.
Será que Freud errou? Não era ele que alegava a superioridade dos poetas sobre os cientistas em relação a todo assunto que fosse ligado aos estratagemas inconscientes? Engodo.
Estes senhores tão devotados à figura feminina não saberiam tantas coisas mais do que os homens da ciência, a questão é que, o que velho Freud e seus seguidores tentaram fazer e teorizar acerca da mulher, não deu muito certo, o que nos deixa a alternativa descoberta por Vinícius : "Se não entendemos, que ao menos se cante sobre seus mistérios, mas não esqueçamos de seu andar, de seu requebrado".


Resultado: Bossa Nova 1 X Psicanálise 0

Retorno!

Como é bom estar de volta ao meu aconchego.
Permaneço aqui, porque assim me permitiram...
A partir de hoje, estamos voltando para casa!
Quem apareceu no moveracheronta finja que nunca esteve lá e retorne a este lugar, se é que alguém lê isso!