terça-feira, maio 12, 2009

D' O Beijo



Eu sei, muito já foi dito sobre O Beijo (1907-1908) de Gustave Klimt. Mesmo assim, para endossar o que já disseram, resolvo dizer um pouco mais. Eu pergunto a mim: Por que o quadro fascina?

De acordo com alguns teóricos, a obra de Klimt segue as tendências do que ficou conhecido como Art Nouveau europeu, com seus toques dourados , seu estilo em mosaico inconfundível, Klimt transforma em beijo o apaixonamento dos amantes, tão cantado e verso e prosa, tão estudado pela Psicanálise.

O Beijo em mosaico nos apresenta um casal desligado do restante do mundo, suas figuras descoladas do fundo parecem invadir a tela em cores vibrantes fazendo com que o mais atento espectador se esqueça do fundo de tons dourados e marrom. Alguns teóricos afirmam que este óleo sobre tela reflete o cenário ideal de felicidade e harmonia. Outros dizem que o quaro foi baseado no amor real do próprio artista por Emile. Muitos dizem muito: auge do período dourado, expressão da sexualidade latente, feminino submisso, as interpretações são várias, distintas e eu só posso a estas acrescentar algo mais.

Falo do apaixonamento, deste momento em que nos esquecemos do mundo, das cousas outras para nos focalizarmos na coisa amada. E quantas vezes já não falei disso aqui? Pois é, O Beijo re-convoca os amantes, nos faz pensar no arrebatamento próprio da paixão na qual muitas vezes nos refugiamos contra o mundo que segue injusto, cruel.
Em "Sobre o Narcisismo: Uma introdução", Freud, tão austríaco como Klimt, sustenta que o apaixonamento é um estado que sugere uma compulsão neurótica cuja origem remonta à um empobrecimento do ego face à libido que é dirigida a este objeto , objeto pelo qual o apaixonado mata e morre, simbolicamente, esperamos.

Nas palavras do mais famoso conterrâneo de Klimt, " o estar apaixonado consiste num fluir da libido do ego em direção ao objeto. Tem o poder de remover as repressões e de reinstalar as perversões [...]. O estar apaixonado ocorre em virtude da realização das condições infantis para amar, podemos dizer que qualquer coisa que satisfaça essa condição é idealizada".
Isto é, trocando em miúdos, estar apaixonado é poder dirigir o amor de si mesmo para além dos nossos próprios umbigos, para além de nosso próprio nariz.

E é isto que Klimt nos mostra em óleo: o fusionamento e o livre fluir da libido de um para outro; do homem para a mulher e vice-versa; as figuras aparecem imbricadas, como que, de alguma forma, fusionadas, sendo apenas o tecido de suas roupas o que nos revela que o corpo de um acabou para começar o outro.

As cores vibram, como se pode notar, nos corpos dos apaixonados e não no restante da tela, no fundo. Os amantes parecem descolados, deslocados da realidade externa, como se vivessem um para o outro à despeito do mundo que continua girando, rodando.
A figura feminina aparece de joelhos, submissa às mãos do amante, que lhe beija a face, como se desejasse beijá-la por completo. “ Uma pessoa apaixonada é humilde”, já disse Freud. Ela fecha os olhos, tal como - isto apenas podemos imaginar – o seu amante também os cerra.


O apaixonamento nos convoca a pensar no outro, objeto que causa nosso desejo (se quisermos beber na fonte lacaniana), nos convoca a assumir tantos quantos são os papéis que aprendemos a encenar na nossa mais tenra infância. O mais incrível é que, por mais que saibamos tudo isto, continuamos a brincar da mesma brincadeira, continuamos a jogar o mesmo jogo, toda vez que nos apaixonamos.

Seja Klimt ou Freud, ou mesmo qualquer outro austríaco, brasileiro, alagoano, enfim, estaremos sempre à espera desse beijo que nos desloca do fundo e nos faz protagonizar a própria vida. Em tempos de crise , mal não faz ter um passe livre para transitar por outros mares e esquecer um pouco a crueza do mundo real. Quem não ama O Beijo?