quinta-feira, setembro 25, 2008

Videogame X Novela



" O amor, como se sabe, é como marcação sob pressão no futebol. Por mais bem preparados fisicamente que estejam os jogadores, eles não podem marcar sob pressão os 90 minutos"


Luis Fernando Veríssimo


" Enquanto o sexo feminino exige e espera tudo do masculino, ou seja, tudo o que deseja e de que precisa, o masculino exige do feminino, em primeiro lugare diretamente, apenas uma coisa"


Arthur Schopenhauer



De fato , estejamos nós nos meandros da literatura contemporânea ou entre filósofos da estirpe de Schopenhauer, a questão é que deve ser mais fácil ver um eclipse lunar durante o dia, toda semana, a fazer com que homens e mulheres se entendam. Homem e Mulher não nasceram para se entender, não , nasceram para se espezinharem durante toda a existência, para se infernizarem, para que assim possam dar mais valor a uma tal vida que seria mais feliz, mais celestial: a vida eterna.

Desde que mundo é mundo, desde muito antes de Cristo e de Adão, o Homem é caracterizado por ser egoísta, egocêntrico, volúvel e muito, muito inclinado à novidades, sejam elas ligadas a automóveis, a brinquedos automáticos e/ou a nova vizinha bonitona.

Eu não saberia dizer aqui o que é ser homem, posto que, por motivos óbvios, falaria melhor sobre ser mulher, porém, acredito que ser homem é viver num mundo muito colorido, às vezes lúdico até,ter que lutar constantemente contra inimigos malévolos e, algumas vezes, dar a sorte de encontrar uma vilã de corpo escultural para que possam atravessar portais mágicos juntos. Tudo isso se passa numa dimensão intrigante a qual não corresponde nem a realidade material, palpável e nem equivale ao domínio dos sonhos. Sim, a vida para um homem deve ser um jogo de videogame. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Observem bem: a vida para um homem é um videogame pois:


1) O jogo de videogame pode ser jogado sozinho, e muitas vezes é até preferível que se jogue sozinho. Um quarto aconchegante, ar-condicionado e muita paz e tranquilidade. Sozinho. SO-ZI-NHO. A presença de outrem seria apenas justificada se este viesse trazer líquidos e comidas para que o bravo guerreiro recupere suas forças, derrote o gênio malévolo e divirta-se, no plano virtual, com a gostosa lutadora.


2) Em jogos de videogame não se vê personagens discutindo relação, dialogando sobre a feira do mês e nem sobre as obrigações do lar. O videogame é , por si só, acolhedor posto que não faz perguntas, está ali quando for solicitado e , mais importante de tudo: é possivel jogar sem som. Qualquer televisor possui a tecla "Mute", preciosa invenção da qual as mulheres são privadas.



3) No jogo de videogame a personalidade masculina parece dotada de uma característica que parece somente possível na tela da tevê: Coragem. Alguém já viu um herói, um personagem desses jogos de videogame dotado de uma personalidade sensível, de gosto musical apurado e bastante dado à atividades intelectuais/artísticas? Não. No videogame é possível ser macho, macho mesmo, daqueles que cospem no chão e enfrentam qualquer desafio, que tomam decisões rapidamente, que têm atitude diante de quem quer que seja. Isso é impossível. É falácia, é utópico. É o modo de sublimar masculino.



Como se poderia supor, não é porque sou mulher que vou sair aqui defendendo a classe. Isso aqui não é um post panfletário e eu também não sou paga para isso. Quem tiver o ímpeto de reclamar que funde um sindicato, já existem as "delegacias da mulher", estamos chegando lá.

Mulher é um ser complicado que, geralmente, faz uso de todos os percalços biológicos por quais passa durante a existência para justificar seus arroubos raivosos e sua cólera que é, no fundo, infundada. Mulher também gosta de falar, portanto, se você é homem , está lendo isso ainda e visa conquistar uma mulher, deixe-a falar, finja-se de compreensivo, atento e altruísta, disfarçando até quando puder o seu egoísmo nato. Deixe-a falar, sempre, falar pelos cotovelos, mas, deixe a pobre se expressar, você não perde nada, e , no fim de noite, poderá ser agraciado com algo que vá saciar seus hormônios.

Se podemos comparar a existência masculina com o videogame, por que não comparar a vida das mulheres a um folhetim romântico? Isso, desses que passam em qualquer canal de tevê aberta. Em geral esses romances adocicados dizem muito sobre a vida de uma mulher. Vejamos em que me baseio:


1) Está-se sempre em busca do mocinho, rejeitando o vilão e, ao mesmo tempo, querendo-o. Sim, há que se perceber que o vilão guarda em si um tempero especial, algo do qual o mocinho (estamos falando de ficção, reitero) não é provido e que atiça a curiosidade da mocinha que, burra que só ela, insiste em não saber quem quer.


2) Uma vez que o dito cujo não a escuta, não manda flores e nem mensagens no dia seguinte, para que conservá-lo no lugar de mocinho? Não. É vilão, acabará no ostracismo e, provavelmente terminará na cama com alguma vilã inescrupulosa que o sedou a fim de consumar o ato sexual e procriar.


3) O mocinho é constantemente substituído por outros candidatos a mocinhos os quais devem obedecer ao modelo de perfeição exigido pela mente doentia feminina para que alcancem os céus. Porém, será que as mulheres realmente estariam satisfeitas com algo? Acredito que nada é capaz de satisfazer uma mulher: Constantes "sim, meu bem" enfadam e abrem a porta - ou a janela - para o vilão roubar a cena, assim como freqüentes "não mesmo!" também preparam o terreno para o adultério conveniente.


4) Nas novelas que se prezam há que se ter casamento e um final feliz. Homens e mulheres felizes, caminhando pelas areias da praia, desenhando corações. Isso é impossível. É falácia, é utópico. É o modo de sublimar feminino.

terça-feira, setembro 23, 2008

Entre rodelas de pepino e pó de arroz



Eis que me chega às mãos uma espécie de almanaque de feminilidade. Nele existe tudo de mais caricato que pôde ser enquadrado como pertencente ao denominado "universo feminino".

"Só para mulheres: conselhos, receitas e segredos" (Editora Rocco, 2008) é o que podemos chamar de "Manual para ser uma boa mulher". O interessante livro reúne textos de Helen Palmer, Ilka Soares e Tereza Quadros veiculados em jornais entre as décadas de 50 e 60 do século passado.

Certamente para vocês os nomes acima citados não dizem muito, talvez não sejam nem mesmo atraentes para aqueles que julgam o conteúdo dos livros pela pompa dos escritores. Eis aonde o gato pula: Ilka, Helen e Tereza nada mais são do que pseudônimos usados por Clarice Lispector para escrever em jornais como o "Correio da Manhã" e "Diário da Noite".

Através de receitas para uma pele cansada e conselhos sobre como se portar num jantar a dois, Clarice revela um universo feminino no qual muito do encanto das mulheres se resumia em possuir um bom liquidificador, "instrumento da feiticeira moderna" (Lispector, 2008, p.69), ter algumas rodelas de limão à mão, umas gotas de óleo de fígado de bacalhau, e , claro, uma certa camaradagem com o farmacêutico da vizinhança.

A mãe da Macabéia (heroína de "A hora da estrela") com seus textos cor-de-rosa, escritos exclusivamente para as boas esposas, mães e donas de casa, mostra uma faceta pouco conhecida sua, a de mulher vaidosa, amante da boa maquiagem e dada aos truques da boa e velha "coqueteria"
Supondo que de bruxa e fada toda mulher tem um pouco, "Só para mulheres" é um divertido manual no qual mulheres como eu, filhas desta contemporaneidade, podem se deparar com textos de uma época remota, na qual a criatividade era um dos ingredientes essenciais no caldeirão dessa "feiticeira moderna" da qual fala a autora, ou as autoras, como prefirirem.

Em "A Máscara da face" , coluna datada de 1960 e veiculada pelo "Correio da Manhã", por exemplo, revela-se a noção de mulher construída no imaginário social da época: " A mulher deve se conservar numa atitude de discrição, embora se pinte e procure ser bela, pois não há nada mais encantador que uma bela mulher vestida com roupas elegantes e modernas, mostrando o mais amável dos sorrisos! É mesmo um céu em vida!"

Mas, vejam vocês, a feminilidade é quase um dom angelical, concedido a essas criaturas tão dadas aos truques da maquiagem, do vestuário e da elegância, com um único intuito: a produção perfeita destinada aos olhares masculinos, pois, que homem resistiria a uma mulher tão encantadora, representante terreno dos anjos de maiores cargos nas assembléias celestiais?

Nenhum, afirmo tachativamente. Não esqueçam que se deve sempre ostentar um sorriso e aparentar ser este tal de "céu em vida". Eu me pergunto e o que fazer com aqueles dias em que só se chove, em que não se tem isso de ver estrelas nem luar, apenas breu?

Sabe-se que a sedução feminina é algo muito estudado e também cantado em verso e prosa, não seria de um compêndio de receitas para as mulheres que a atividade sedutora seria suprimida. Portanto, o livro mostra que nada há de errado com as que não são belas naturalmente, a não ser que recusem embelezar-se. Toda feiura é passível de ser dissimulada assim como toda beleza é capaz de ser acentuada.

O objetivo é fácil de ser adivinhado, mais fácil do que tirar mancha de vinto tinto de roupa branca: É necessário fazer-se bela, desejável e, sobretudo, agradável para alcançar o mais alto posto ao qual uma mulher, na época, poderia almejar: Ser mulher de alguém e, por conseguinte, mãe dos filhos deste alguém.

A família burguesa necessita dessa mulher, por isso, é necessário que esta se enfeite, mas sem tanto glamour, sem tanta ostentação - posto que não se deve almejar jamais ser uma réplica de Brigitte Bardot, isto incorreria em grave erro e afetação, segundo afirma Lispector - para que assim consiga seu homem, e , finalmente, possa descansar de tanto esforço que fez para fisgá-lo, relaxar dessa beleza e dessa busca incessante pela perfeição para ser, finalmente, a mãe bondosa.

É , parece que ser o céu em terra não é tarefa das mais fáceis: É preciso inventar uma tal beleza, cuidar para que a pele esteja sempre limpa, asseada, cuidar das mãos, das unhas, dos pés e dos cabelos, inventar um jeito próprio de ser feminina para depois deixar tudo isso em nome da função mais bonita que a família burguesa já inventou que é a procriação.

Ora, qual homem encantar-se-ia por uma mulher que passasse longe dessa existência etérea, e que se assemelhasse mais a certas alegorias infernais? Nenhum, e ele tem lá suas razões: há de se buscar a perfeição na mãe dos filhos, esta deve ser a criatura mais celeste, digna do nome do marido.
Clarice estava certa em falar tanto para as mulheres, a dar tantos conselhos, alguns deles, acreditem, são bem interessantes e ainda válidos, mesmo nos dias atuais, nos quais qualquer creme hidratante resolve muita coisa.
Em nome da instituição familiar, há que se ter sempre as mais belas flores no jardim, as mais graciosas estrelas a brilhar para o deleite dos olhos masculinos.

Haja rodela de pepino, tudo em nome da família, claro.