quarta-feira, março 14, 2007

Estando “nem aí” na era do “tanto faz”

Muito já se falou a respeito da sociedade contemporânea ou pós-moderna. Inúmeros debates acerca de temas polêmicos como eutanásia, suicídio, violência e novas enfermidades psíquicas recheiam as páginas dos jornais de grande circulação no país, também aparecendo como assuntos centrais em revistas semanais que visam mesclar entretenimento e informação.

No entanto, cabe nos perguntarmos, o que esta implicado na condição de sujeito pós-moderno? Melhor e , objetivamente dizendo, o que nos cabe fazer diante do que nos é apresentado diariamente?

Com isto quero dizer que sim, estamos implicados nessa condição de pós-modernidade à medida em que reproduzimos o que nos é proposto pelo poder midiático, pela avalanche de cientificidade que inunda todos os dias os nossos lares.

Reproduzimos a pós-modernidade, com todas as suas vantagens (existem!) e desvantagens, mas, por outro lado, não estamos apenas assujeitados, podemos dispor da “liberdade” que os tempos atuais proporcionam e fazer algo para que mudanças efetivas sejam tomadas em prol do bem-estar de cada um enquanto grupo.

No entanto, ao mesmo tempo em que criticamos o consumo desenfreado, a transformação de objetos de necessidade em objetos de desejo (Melman, 2005), os interelacionamentos baseados na futilidade geral que toma conta dos sujeitos, fazemos nossa parte para a perpetuação desse pensamento que prioriza o perecível, o descartável. Somos, pois, criaturas paradoxais, criticamos ao mesmo tempo em que consumimos; nos abismamos com as desigualdades sociais mas nos sentimos frustrados se não temos um carro novo, uma casa nova, um emprego que pague mais.

Qualquer pessoa instruída, ou melhor dizendo, qualquer pessoa que dispensa parte de seu tempo livre assistindo à televisão, ou gaste 15 minutos de seu dia ao folhear qualquer revista semanal, um jornal perceberá que o que acomete a sociedade contemporânea é moléstia séria, talvez incurável, se não fizermos nada para deter o que está posto.

O que quero dizer é que, é impossível nos desgarrarmos dessa raiz que nos prende e nos fixa na contemporaneidade, somos filhos sim, não mais da Revolução, mas do conformismo, diria até de uma apatia. Assim, tanto faz votar, tanto faz se estamos vendo alguém ao nosso lado ser assaltado, tanto faz se o filho do vizinho é drogado, se um colega de trabalho entra em depressão. Vivemos na era do “tanto faz”.

Estamos a todo momento expostos a essa cultura narcisista em que o que importa é ter e exibir-se diante de um outro a quem , não visamos seduzir de outro modo, que não pela submissão, pelo livre uso do corpo e das subjetividades de quem olha. (Birman, 2005).

O sujeito pós-moderno é, pois, um exibicionista nato, narcisista de carteirinha, como nunca existiu em outras sociedades. Porém, o que se vê hoje não é apenas o narcisista estereotipado que todos nós conhecemos; o narcisista de hoje nem sempre corresponde àquela criatura que segura o espelho e mira-se com um sorriso no rosto.

O narcisista de hoje está preocupado, cria rugas ao pensar que não está seguro em seu próprio lar, que tudo pode lhe acontecer sem que possa ter domínio de quaisquer situação. Mas, para rugas, já existe o novo decontrator facial, aquele que apaga qualquer marca imposta pelo tempo, pela tristeza e pela dor, pela expressão de qualquer sentimento, enfim...Ah! as benesses da pós-modernidade...

Porém, infelizmente ou felizmente, ainda não inventaram cosmético anti-violência: O narcisista de hoje é atormentado pela violência que explode e que denuncia a desigualdade social, que denuncia a sociedade do ter para ser. (Lipovetsky, 2004).

Pensando dessa forma, parece que tudo está interligado. A violência cada vez mais assusta, mete medo e cada vez mais arrebanha jovens, esses mesmos jovens que fazem parte da cultura do “tanto faz”. A violência está aí, mas, assim como o narcisista, mudou.

Dito de outra maneira, a violência saiu do gueto, deixou as favelas e fez morada nos condomínios de luxo das grandes e pequenas cidades, foi morar ao lado das famílias abastadas e convive quase que harmonicamente com a classe média.

A violência chegou aos chamados ‘filhinhos de papai” e “patricinhas” que, cansados de uma vida medíocre em que desejo significa consumir, em que o pensamento foi suspenso, passaram a agir de alguma forma, buscando, talvez, uma razão para as suas vidas apáticas.

A violência também chegou ao interior. Hoje em dia não é raro saber de grandes assaltos a agencias bancárias de cidadezinhas minúsculas em que o banco é referência, ponto de encontro de populações em que todos se conhecem pelos primeiros nomes.

Tudo está mudando, está a nossa frente. O sujeito pós-moderno, ao mesmo tempo em que gosta de se exibir ao olhar do outro, sente-se acuado, aprisiona-se em suas casas, mas, tomado por tanta angústia advinda do consumir desenfreado que lhe é “imposto”, tem as funções de seu pensamento embotadas, diminuídas.

O que nos resta, então? Acredito que vencer a apatia que toma conta. Já que não existe modo de teletransporte para outros tempos, já que temos que aceitar o que está diante de nós, posto algumas vantagens que existem, temos mesmo que fazer algo e criar para que possamos nos implicar mais nas questões que dizem respeito à sociedade como um todo.

Sei que é difícil compreendermos alguma noção de coletividade metidos que estamos em nos mesmos, no individual e no privado de nossas mentes maravilhosas e narcísicas, porém, é preciso que se aja em nome mesmo da continuidade de nós mesmos, enquanto classe, enquanto grupo, enquanto setor da sociedade.

É bem possível que, do jeito que vamos, não mais existamos, ou, pior dizendo, estejamos entregues, de vez, à barbárie. Os telejornais e a mídia em geral, apesar de tentar despertar algum sentimento nos telespectadores de maneira sensacionalista, é um importante demonstrador do caminho que estamos tomando. A cada dia encontra-se mais evidências de que caminhamos para o total desrespeito à coletividade e a vida humana.

Esses tempos conturbados que vivemos nos coloca frente , sempre , à mesma questão: E aí, para aonde vamos? Cabe a nós buscar respostas e enfrentar as situações ou pegar o controle remoto e continuarmos “nem aí”.

Referências: (estou sem saco de colocar as regras segundo a ABNT ou APA, como sei que quase ninguém lê isso aqui, vai só o nome dos livros)

Joel Birman: Mal-estar na atualidade

Gilles Lipovetsky: Metamorfoses da cultura liberal

Charles Melman: O homem sem gravidade