segunda-feira, agosto 25, 2008

Os planetas não falam


"Os planetas não falam"


Jacques Lacan (Seminário livro 2)


À primeira vista eu achei a frase acima poética, apenas. À segunda, intrigante, à terceira, desafiadora, à quarta, decididamente parei de ver e me pus a escrever. Por quê? Porque todas essas olhadelas me fizeram entender que há muito mais que se possa dizer nessa frase que é poética, intrigante e desafiadora, por isso, mãos à obra.

Claro que retirada do contexto em que o autor a menciona fica um tanto complicado para nós - meros mortais que não temos nem a classe de Lacan e nem a didática de Freud - entendermos que a frase não tem nada de engraçadinha , ou reducionista, vá lá. Para dar uma situada, a frase é desdobrada ao longo do texto "Introdução ao Grande Outro" e anunciada anteriomente, como de costume, em outro lugar.

Parece que Lacan tinha essa mania de sair com uma frase dessas e encerrar uma palestra. Acredito que deveria ser decepcionante para os ouvintes ver que, ao término de uma conferência, mais dúvida se produz e agora, deparar-se-iam com a falta e com a espera até o próximo encontro.

Eu digo que a frase me intrigou bastante. Ele fala que os planetas não falam e, por isso nos dintingue - nós, em nosso lugar de sujeitos assujeitados pelo desejo do Outro - destes. Em meio a vários entremeamentos, cortes e reviravoltas, Lacan nos diz que o objetivo de uma análise deveria ser tornar um sujeito o mais circular possível, e este circular, segundo o autor, está relacionado com a existência desses seres planetários, às vezes no texto situado como "estrelas". É isso. Os planetas e as estrelas não falam e tem existência circular, estão ali, sao redondos e feitos para brilhar, para estarem acima de nós e sabemos que de lá do alto nao sairão. Parece uma existência plena, pacífica e possível, posto que planetas não falam, seja para reivindicar uma boca, seja para regozijar-se do lugar que ocupam acima das cabeças humanas.

O certo é que não falam, e portanto, não reclamam. Já os sujeitos , quanta diferença! Esses sempre guiados por um desejo que existe aonde eles nem mesmo sabem existir desejo, estão sempre aos pedaços, remendados e eternamente buscando "num-sei-qual-cola", seja no consolo-desconsolo da análise, seja no colo das sublimações ou no destempero da passagem ao ato (melhor dizendo, em palavras mais certeiras, no chilique).

É. Parece que até aqui podemos pensar que talvez fosse melhor que fóssemos não Maria, nem João, mas Urano ou Saturno e nos satisfizesse o fato de sermos circulares, de brilharem e assumirem sei lá qual função que eles têm e que tanto deve intrigar os homens da magnânima Ciência. Eu não sei, tenho cá comigo minhas dúvidas se preferia ser um ser circular ou se prefiro estar nesse eterno desconsolo de poder falar, de ser barrado pelo muro da linguagem e, por isso, mesmo, existir. Existo?

É mais uma questão lacaniana. Aonde existimos? Certamente moramos no lugar que não pensamos em morar, Falamos a partir de um lugar, a saber o desejo do Outro - e respondemos a partir deste. A que conclusão podemos chegar? A muitas, podemos, de saída, responder.

A mim, uma delas veio à mente: Se falamos de um lugar que nos é dado pelo Outro, respondemos deste e, isso deve ser a existência, porém, falamos.

Aí é que está o ponto em que sacaneamos a física de Newton e nos aproximamos da loucura: Nós falamos e aí está a dupla-face da linguagem: morte e vida: A linguagem nos dá o aparato necessário para criarmos laço social, no entanto, ela nos empurra abismo adentro, abismo de quê? De nós mesmos, da nossa falta, do nosso vazio e do nosso inevitável assujeitamento ao desejo do Outro , disto não fugimos.

Estamos como que presos a um discurso de não-suficiência - porque somos mesmo insuficientes - e por isso estamos barrados pela linguagem e denunciamos essa barreira pela nossa boca. Blablablá, falamos, falamos, e o que dizemos, mesmo quando a boca cala, é que precisamos e amamos esse Outro imensamente, com toda a nossa força. Se planeta fôssemos , arrisco a dizer, uma vez que seríamos desprovidos da boca, daríamos um jeito de apenas brilhar em nome do Outro,brilhar para o Outro, este nunca condizente com o outro minúsculo, tão fracos como nós.


No fim, chegamos ao nada: continuamos na mesma galáxia, a procura de outros Outros, à procura do desejo que ninguém sabe aonde de certo se esconde. Chego a conclusão que a natureza é bastante sábia, posto que, se não nos igualou aos planetas fazendo de nós seres falantes, dando-nos a herança maldita e ao mesmo tempo bendita da boca, foi prudente dando-nos apenas uma.

Nossa sorte é que analista tem dois ouvidos.