terça-feira, janeiro 22, 2008

Piriguete: um conceito, acima de tudo, psicanalítico



A cada dia me surpreendo mais com minha própria capacidade de ver teoria nas coisas que talvez nem necessitem de teoria. No entanto, seja por vício ou habilidade, resolvo trazer hoje uma figura contemporânea para dentro da teoria, o que faço sem pudores, almejo mesmo me divertir e - não vou mentir - aprender um pouco, por que não? Quem disse que não se aprende na futilidade?

Pois bem, quero tratar aqui da famigerada "Piriguete". O que seriam os atributos que caracterizam a Piriguete? Como ela se constitui num modelo de mulher contemporâneo, capaz de inspirar algum Mc desocupado a ponto de virar "hit de verão"? Bem, essa coisa de virar "hit" de verão não é lá nenhum mérito da Piriguete, mas já que virou, isso implica dizer que em todos os botecos se escuta algo referente a Piriguete, o que, se faz alguns descerem até chão, faz outros especularem, na falta do remelexo, sobre o que diabos é a Piriguete.

Para uma análise, digamos assim, mais apurada e embasada teoricamente, trarei alguns trechos da letra do "Mc Papo" para tentar desvendar esse enigma que circunda a imagem da mulher-Piriguete. Vamos à análise então:


1. Quando ela me vêela mexe piri pipiri pipiri piriguete


Nota-se, pelo fragmento citado, que a Piriguete é alguém que busca através sedução um meio de conquistar a fascinação e o olhar do outro, nesse caso, o olhar do Mc o que generalizado pode ser considerado o olhar de todos os outros homens que curtem uma Piriguete ou se deixam seduzir por tal mulher.


2. Mini-saia rodada, blusa rosinha, decote enfeitado com monte de purpurina. Ela não paga, ganha cortesia


O trecho acima corrobora o que foi explicitado no tópico 1: A Piriguete é uma mulher definida pela sensualidade e que busca na aparência, bem como nas vestimentas provocantes o olhar masculino sexualizante que vai colocá-la na posição de desejável, ao menos em se tratando de seu corpo. A última frase do trecho aqui trazido demonstra que a Piriguete, por ser essencialmente sedutora, também utiliza essa característica como recurso visando conseguir barganhas como entradas gratuitas em locais em que possa exercer sua essência piriguete.


3. Foto de espelho na exibição.


Confesso que esse trecho não me parece muito claro para ser passível de uma análise mais detalhada, no entanto, arrisco dizer que o que Mc Papo, o compositor da pérola em questão quis dizer é que a Piriguete é alguém que vê no olhar do outro e na exposição de si mesma um modo de construir sua identidade, o que é feito diante do espelho. Nesse ponto podemos notar que Mc Papo utiliza conhecimentos psicanalíticos, sobretudo no que diz respeito a teoria lacaniana da constituição do sujeito a partir do espelho. No entanto, McPapo não utiliza o termo metaforicamente, uma vez que parece falar que a Piriguete se exibe na frente do espelho, objeto concreto mesmo, aqueles que estão em todos os banheiros das baladas e outros lugares frequentados por tal mulher.



4. Ela curte funk quando chega o verão. No inverno essa mina nunca sente frio, desfila pela night de short curtinho.


Percebe-se que a Piriguete prioriza a atividade sedutora em detrimento da saúde física. Mesmo durante o inverno, faz uso de roupas provocantes e incoerentes com as condições meteorológicas visando unicamente a sedução, sua atividade preferida.


5. Um cinco sete de marido, ela gosta é de cara comprometido.


Aqui vemos uma outra faceta da Piriguete: a preferência por relacionar-se com figuras masculinas interditadas, demonstrando uma não ultrapassagem do Complexo de Édipo. Notamos novamente os conhecimentos de McPapo acerca dos conceitos fundamentais da psicanálise freudiana. Neste pequeno trecho o compositor aborda sutilmente, o que deixa margem para interpretações, o que Freud aponta como uma caracteristica intrinsecamente feminina, a saber, a não resolução do Édipo que torna-se sintoma e aparece nas clínicas de psicoterapia como sendo a maior queixa feminina.


6. Ela não é amante, não é prostituta, ela é fiel, ela é substituta


Vemos novamente que a Piriguete, além de uma mulher sedutora, assume essa posição, como se pode notar em toda a letra da música, de forma submissa. A Piriguete anda de short curto mesmo no inverno, de gloss e piercing no umbigo, necessita desesperadamente desse olhar masculino, não se importando com o fato de não ser tomada como figura digna de casamento.

A Piriguete, portanto, assemelha-se a uma imagem da Amélia do samba de Mário Lago (perdoem-me a comparação). No entanto, é uma Amélia contemporânea, bem arrumada, provocante, mas, ainda assim, Amélia, contenta-se em ser a substituta. Mais uma vez uma alusão a Psicanálise, sempre, claro, de forma bastante sutil. McPapo refere-se a teoria freudiana quando sustenta que a Piriguete está situada entre a prostituta e a esposa, comportando-se como aquela que está disposta ao que lhe aparecer, em nome do falo que acha estar situado na figura masculina, representada pelo Mc.


7. Mexe o seu corpo como se fosse uma mola, dedinho na boquinha, ela olha e rebola


Vemos novamente que a Piriguete utiliza-se da sua imagem corporal demandando o olhar fetichizador masculino. Sabe ser sedutora e o faz convocando o outro masculino para a atividade da cópula: a Piriguete está sempre disposta à atividade sexual e para tanto utiliza os recursos que tem à mão (literamente, o dedinho) para seduzir e copular.


8. chama atenção, vem na sedução, essa noite vai ser quente, eu vou dar pressão


O referido trecho é complementar ao item 7 e demonstra que a Piriguete alcançou êxito em sua atividade sedutora que tem por objetivo incitar o outro ao ato sexual, o que pode ser compreendido pela frase "eu vou dar pressão", uma sutil referência a atividade masculina durante a cópula.



Nota-se que a letra instiga diversas interpretações. Mc Papo demonstra sutilmente, uma vez que seu público-alvo é constituido, em sua maioria, por pessoas leigas, seus conhecimentos acerca da psicanalise, sobretudo quando traz referências das teorias de Lacan e de Freud para construir a imagem da mulher contemporânea e sedutora a qual denomina Piriguete.

Poderíamos inclusive especular que o termo "Piriguete" deve originar do substantivo "Perigo", algo que pode ser compreendido tanto como representando o perigo para o masculino como referente à expressão contemporânea "estar a perigo", o que justifica sua submissão diante do masculino, já que a Piriguete é 157 de marido.


O que podemos concluir disso tudo? Bem, podemos concluir o que quisermos, mas certamente que é possível ver teoria em tudo, que o McPapo deve ser alguém muito modesto e que demonstra conhecimentos psicanalíticos de forma quase vulgar para fazer-se compreender pela massa rebolativa constituida por Piriguetes e seus equivalentes masculinos.´

Se Freud dizia que às vezes um charuto é só um charuto, digo que nem sempre um funk é só um funk.