quinta-feira, fevereiro 19, 2015

As Solteironas (por Carmen da Silva, fevereiro de 1974)

Solteirona é uma palavra pesada, com uma conotação precisa, às vezes amarga, às vezes maliciosa, que ecoa socialmente como uma punição à mulher que vive sozinha. Carmem traça três perfis distintos, três maneiras de uma mulher enfrentar esta situação: aceitando, e se tornando uma solteirona irrecuperável; ou mulher realizada, ligada à vida e às coisas; ou o tipo solteirona por atitude



Matéria original
Todas vocês seguramente conhecem alguma solteirona. Talvez ela não tenha mais de 30 anos (às vezes nem isso) e seu aspecto seja excelente; mas, mesmo assim, ela já mostra as características da solteirona. Aliás, se vocês forem boas observadoras, já terão descoberto esses traços desde que ela tinha 18 anos. Ela é uma pessoa cheia de pudores e medos; tem tendência a achar que tudo está mal, abstém-se de mil coisas por causa da possível opinião dos outros ( que nem estão reparando no que ela faz) e critica com mal disfarçada acritude os modos das que são sexy, espontâneas, flertadoras, admiradas, populares. Às vezes posa de indulgente: ‘Não é que eu reprove, mas eu não tenho temperamento para agir assim’ – e seu tom está insinuando quem está certa é ela, ou melhor, que as outras estão muito erradas e são ‘salientes’ demais. Nossa solteirona é um pouco beata, bastante piegas e muitíssimo apegada aos pais, sobretudo à mãe; basta um gesto meio displicente desta para afundá-la na fossa; ela fica deprimida como uma criancinha cujo universo ainda girasse exclusivamente em torno das atitudes maternas; se os pais são mortos, ela cultua a memória deles; não é apenas o carinho e a gratidão normais, senão a dedicação fundamental que os transforma em eixo da vida dela. Exigente demais com as amigas, nunca dá tanto quanto recebe, nunca se considera obrigada a tomar uma iniciativa, a dar o primeiro passo: fecha-se em copas e espera que a outra se aproxime, chame, convide, insista. 


Ciumenta e absorvente, sente-se traída quando a amiga tem outros interesses, outras relações afetivas, de amizade ou de amor, que absolutamente não a excluem, mas que ela, em sua hipersensibilidade, considera como uma escolha que a desfavorece, uma exclusão: quer ser a única importante na vida dos outros – e nada faz para conquistar esse lugar. Amargurada, só sorri com meio lado da boca; parece estar sempre insinuando: ‘Claro, para você é muito fácil: com um marido ao lado...’ – como o pobre faminto que olhasse de fora o banquete alheio. Nunca pensa em marido em termos de compartilhar a vida, as responsabilidades, os prazeres e as vicissitudes: pensa só em termos de proteção e apoio, de jogar-se como um fardo nas mãos de alguém.


Convidada para uma festa ou reunião, logo esquece que se divertiu, conversou, brincou: a única coisa que lembra é que na hora de ir embora cada um pegou seu par e ela não tinha par; foi levada em casa ( com toda a gentileza, com toda a consideração) por um casal amigo que lhe deu carona e isso envenena retrospectivamente a noitada. Ela tem inveja da felicidade – real ou suposta – dos outros e essa inveja lhe estraga todos os bons momentos; não desfruta do que tem e passa o tempo lamentando o que não tem.


A solteirona triunfante, a casada

Se nossa solteirona é mulher de sucesso em seu trabalho, em seus negócios, o mais provável é que ela e torne masculinizada, da forma mais crua: voz áspera, gestos abruptos, atitudes de quem não admite brincadeiras, conversas puramente intelectuais ou comerciais, impaciência com os interesses, que ela acha frívolos, das outras mulheres; será a amiga dos maridos, que só tolera as esposas com  um grau visível de desdém. Mas talvez vocês conheçam uma solteirona casada: ela existe, responde ao tipo descrito e o erro não é da natureza, e sim, do Registro Civil. Por assim dizer, ocorreu uma mancada, e a solteirona foi parar onde não tinha nenhuma vocação de estar. Tem infinitas queixas contra o marido: nenhum homem está em condições de dar – ou suportar – o que ela espera dele. Sua atitude é de dependência viscosa ou de dominação castradora. Para o olho sagaz, a coisa é clara: ela continua sendo a ‘filhinha de mamãe’ com relação ao marido, ou é para ele a mamãe de um ‘filhinho’ irresponsável e imaturo – nos dois casos se sente frustrada, pois nenhum homem, por mais neurótico que seja, consegue cumprir totalmente suas exigências regressivas. Ela não se casou para ser feliz ao lado de um homem, senão para repetir com ele, na forma passiva ou ativa, uma relação materno-filial em moldes infantis: a única relação de que ela é capaz.


Quando uma mulher, com vocação de solteirona, se casa, é comum que acabe se desquitando; e aí todos os amigos sagazes têm a impressão de que ela encontrou seu verdadeiro caminho; apesar de todos seus ressentimentos, está mais tranquila, mais ‘normal’, sem um homem.


A celibatária

Vocês conhecem uma celibatária? Uma mulher que é solteira além da idade, sem ser solteirona. Talvez não, pois o tipo é bem mais raro entre nós: os preconceitos de nossa sociedade não são propícios ao seu desenvolvimento. Mas ela existe e é uma personalidade bem definida. Vive de seu trabalho e tem a sorte de adorar seu trabalho – ou então, se esse for o caso, consegue suficiente tempo livre para fazer algo que adora e, com isso, se sente realizada. Mora num apartamentinho cheio de bossa e repleto de  amigos que se sentem bem aí. As outras mulheres, casadas ou solteiras, correm para ela para contar-lhes seus problemas e serem confortadas, tendo ouvido a palavra cordial e compreensiva de que necessitavam. As crianças são vidradas nela: a tia que todas desejariam ter.

Os homens procuram sua companhia, acham-na estimulante, divertida, generosa, sempre pronta a ouvir com simpatia uma confidência difícil, a dar o conselho sincero e desinteressado ou, se for o caso, a debater opiniões com altura e objetividade. Dela dizem os maridos das amigas: ‘Puxa, não compreendo como  é que Fulana continua solteirona: será que os homens não têm olhos?’ – e as respectivas esposas aprovam, sem o menor ciúme. Ela pode ter ou não ter um amor: isso depende de sua escolha. E não é raro que, já bem avançada nos 40, ela ainda tenha um bom número de candidatos na fila de espera. 


Se chega a decidir-se por algum deles, não é por medo de terminar sua vida sozinha: ela sempre ‘se virou’ e nunca sofreu de solidão; é porque achou que dá pé. Isto é, que sua vidinha feliz será ainda mais feliz com ele. E o escolhido vai esfregar as mãos de contente, sentindo-se um privilegiado. Nunca pensará: ‘Peguei alguém que ninguém mais quis’, mas sim: ‘Ela passou anor recusando uns e outros para finalmente se decidir por mim: sou o maior’


A vidinha pedida a Deus

 Confesso que fico profundamente penalizada ao ler cartas de mulheres solteiras que já estão acima da considerada ‘idade casadoura’, morando sós ou com os pais e me escrevem queixando-se de solidão, vazio, necessidade de amor, frustração por não ter ao lado marido e filhos, falta de objetivos, vontade de morrer. 


Elas me fazem pensar no mendigo que tem milhões escondidos no colchão e vive uma existência miserável, alimentando-se de sobras e abrigando-se com farrapos. Pessoalmente, casei tarde e antes morava sozinha; sei por experiência própria o que é a vida de celibatária, curtindo seu apartamentinho, seus amigos incondicionais, seus bons papos, sua turma sempre disponível, seu telefone sempre chamando – enfim, uma vida plena de afetividade, comunicação, diálogo.

Posso garantir que desfrutei cada minuto dessa existência. E se bem não a lamento, agora que entrei em outra, não é sem saudades que relembro minha vidinha de celibatária. Eu trabalhava fora e a empregada vinha fazer a limpeza durante as horas em que eu não estava em casa; assim, eu encontrava tudo em ordem sem ter preocupações domésticas e sem ver minha intimidade invadida por uma estranha.


Fazia minhas refeições em restaurante e não tinha de pensar em compras, cardápios, etc.

Às vezes o dinheiro ficava curto e eu rondava pelas redações, oferecendo matérias freelance para desapertar o orçamento. Amigos dos dois sexos vinham todas as noites, e juntos discutíamos a arte, o futuro do mundo. Quem quiser um panorama mais completo desse estímulo de vida, leia A força da Idade, de Simone de Beauvoir; aí poderá ver o que  é uma existência baseada em objetivos próprios, mas sem carências afetivas; livre de amarras convencionais e aberta aos acontecimentos, aos contatos, às surpresas.


É certo que nem todas podem ter ao lado um Sartre: mas quantas o desejam? Nem sempre é preciso tanto para satisfazer – e satisfazer plenamente – o nível das próprias aspirações.

Enfim, ao ler uma dessas inúmeras cartas que dizem: ‘Tenho xis anos, sou solteira, vivo do meu trabalho e não me conformo por não ter ao lado marido e filhos, sofro uma solidão horrorosa, sinto-me diminuída, inferiorizada, vazia, infeliz’, é com muito de reação pessoal que penso: Puxa, essa moça tem a vidinha que qualquer uma pediria a Deus – e ainda se queixa?


A diferença

As circunstâncias externas são praticamente as mesmas nos dois casos. O que as distingue é a atitude emocional de cada uma. A celibatária não tem pressa de casar e nem sequer decidiu a priori se um dia chegará ao casamento: optará por ele ou não, de acordo com suas inclinações, quando chegar o momento oportuno. Não está pensando que suas amigas casaram e ela não; imagina que, se as outras já casaram, é porque tinham para isso boas razões que ela ainda não tem. Não olha o par com inveja ou ciúme; ao contrário: se a amiga ou o amigo casou, seu parceiro (ou parceira) é mais uma amizade que lhe vem ‘ de quebra’.


Frustração dos instintos maternais? Isso é relativo, muito fomentado: a sociedade espera que a mulher que não tenha tido filhos na idade convencional seja infeliz e frustrada. Os homens saltam muito rápida e arbitrariamente à conclusão de que assim é – a tal ponto que, às vezes, fico pensando se eles não projetam nela sua própria frustração pela incapacidade biológica de procriar. A verdade é que a vida oferece muitíssimas outras satisfações além da maternidade: o amor, a tarefa, a realização, a criatividade, a amizade: e essas tradições se substituem entre, si, umas compensam a ausência de outras. O único que não é possível é viver sem nenhum tipo de gratificação: mas quando vários são possíveis, a pessoa bem integrada não tem nada a lamentar. A celibatária não se sente incomodada pela falta de filhos ou de um homem a seu lado, assumindo a vida por ela, responsabilizando-se por ela: é mais do que capaz de assumir-se e responsabilizar-se sozinha.


Enfim, a celibatária é uma mulher que resolveu construir sua própria existência, ser uma pessoa por si mesma. Isso de nenhum modo exclui o amor de um companheiro, mesmo que ele não seja o definitivo; e também não exclui a escolha de um companheiro definitivo, em qualquer etapa: o casamento não está eliminado de suas cogitações, sem ser, entretanto, a finalidade primordial de sua vida. A celibatária se organiza a partir de  dados reais: o que ela é, o que ela tem em si, o conjunto de  sua situação, as potencialidades que ela pode desenvolver – sem idealizar o que poderia ter sido. Em resumo, ela possui suficiente maturidade emocional para enfrentar o desafio.


As limitações do casamento

O casamento não é nenhuma prisão. Mas a verdade é que, nas condições vigentes na sociedade patriarcal, mesmo um casamento feliz e harmonioso cerceia em muito a liberdade o desenvolvimento da mulher. Por mais que numa união desse tipo não haja ciuminhos tolos nem restrições absurdas à liberdade de ação da esposa, os próprios preconceitos sociais pautam sua conduta em moldes rígidos, privando-a de seguir certos impulsos, tomar atitudes espontâneas, permitir-se gestos e modos menos circunspectos, que só seriam tolerados numa solteira. Ela se submete a essas imposições em atenção ao bom nome do marido, pois, se a mulher não se conduz conforme as convenções, todo mundo passa a chamá-lo de ‘coitado’ ou ‘boboca’.


Por outro lado, recai sobre ela a carga da rotina doméstica, com o peso das preocupações materiais, miúdas, rotineiras embrutecedoras, embotando-lhe o cérebro e absorvendo-lhe o tempo e as energias que assim são desviados de finalidades mais criativas.

E não me digam que a solteira que mora só, numa pensão ou apartamentinho, tem os mesmos problemas: todo mundo sabe que seu estilo de vida, no que tange às tarefas domésticas, é infinitamente mais simplificado. E nem poderia ser de outro modo, pois ela tem de trabalhar para sustentar-se.


Tudo isso sem falar nos filhos. Aqui nem vale a pena pormenorizar: qualquer mãe de família sabe das milhares de obrigações de seu dia-a-dia, da impossibilidade de dispor de suas noites, da atenção constante e dos inúmeros cuidados materiais – não falo dos outros – que ela tem de dispensar às crianças.


Nessas condições, eu me pergunto: se uma mulher não está apaixonada por ninguém em particular – uma pessoa cuja companhia lhe pareça compensação mais do que suficiente por tudo de que ela deverá abdicar – , se ela se mantém sozinha com seus próprios recursos: se ela tem um vasto campo de possibilidades de realização, afetiva e social, por que é que ela não desfruta dessa maravilhosa liberdade e vive amargurada pela falta de marido, pela falta de amor?


O cárcere interior

Em realidade, quando falo de liberdade, refiro-me somente à celibatária. A solteirona, embora com as circunstâncias a seu favor, não a tem, porque vive encarcerada dentro de si mesma. Dentro de sua neurose, de sua própria incapacidade de dar amor.


Sei que as atingidas vão protestar. Pois se elas não fazem mais do que pensar em amor, o amor é sua ideia fixa, seu desejo obsessivo; sentem-se asfixiadas de amor sem objeto.

Quem tem amor de verdade para dar, sempre recebe amor em troca. Pode haver um intervalo, uma pausa, um período em que essa pessoa não esteja apaixonada por ninguém em especial; mesmo assim, mesmo assim, ela continua dando amor aos parentes, aos amigos, à tarefa que realiza, às atividades que lhe agradam, às ideias ou causas em que crê. E por fazer tudo isso com amor, ela se sente fundamentalmente feliz, mesmo que o lugarzinho privilegiado em seu coração esteja temporariamente desocupado. Essa momentânea ausência de um objeto específico de amor não a angustia: segura de suas disponibilidades, de suas reservas afetivas, não precisa estar sempre provando a si e aos outros que as possui.


No caso da solteirona, esse amor encruado, sem extravasão, só lhe traz frustração, rancor contra os homens que não a procuram, inveja das mulheres que tiveram mais ‘sorte’, ressentimento pela felicidade alheia, senso de exclusão injusta, de barreira que as separa do resto do mundo. Vê-se, pois, que esse chamado ‘amor’ só se traduz em sentimentos negativos: em realidade, ele não é senão o disfarce de um profundo ódio recalcado, isso se torna particularmente evidente quando um homem se aproxima da solteirona com intenções eróticas. Em geral, ela começa por afastá-lo: com sua frieza camuflada de recato, sua agressividade dissimulada em ‘nervosismo’, suas atitudes pouco cordiais, seus intensos receios de que possa ‘não dar certo’, seu medo de comprometer-se numa ligação que talvez venha a fazê-la sofrer, ela encontrará meios e modos de estragar tudo. E só quando ele tiver ido embora definitivamente, ela começará a alimentar a fantasia de amá-lo: adora-o, sofre por ele, está desesperada, tem vontade de morrer – mas tudo isso quando ele já se tornou inalcançável. É óbvio que ela não se atreve a amar um homem real. O que ela fez, no caso, é tomar um homem real como modelo físico para sua própria fantasia: ama um objeto criado e idealizado em sua imaginação; esse objeto pode ter as feições de Fulano ou Sicrano, mas isso é tudo: como pessoa concreta, Fulano ou Sicrano não consegue ter acesso ao mundo interior narcisista.


Muitas vezes esse amado ideal nem tem rosto; em outras ocasiões, a solteirona cultua a memória de um ex-namorado da adolescência, de um noivo morto há vinte ou mais anos atrás.


Em busca de uma saída

As solteironas se revoltam quando me escrevem pedindo ajuda, e eu respondo ‘Psicoterapia, psicoterapia!” Não se consideram doentes, e sim, infelizes. Acham-me dura, insensível, incapaz de compreender as infinitas riquezas de amor que elas têm no íntimo, de simpatizar com seu sofrimento. Neste último ponto estão redondamente enganadas: posso avaliar, talvez melhor do que elas próprias ( pois há muita coisa que elas reprimem, negam, escondem de si mesmas), a extensão de sua dor, o caráter absorvente e esmagador de sua depressão. O que não posso é dar cumplicidade ao seu sistema de autoengano: elas não sofrem de amor – aliás, ninguém sofre de amor; sofrem é de ódio que não ousa assumir seu nome; e por essa distorção, isto é, por não estar conscientizado, ele neutraliza todo o amor real que elas possam ter em si.


A solteirona é uma pessoa que, não tendo sido suficientemente amada, ou tendo tido exigências excessivas de amor, na sua infância, ficou fixada a essa fase da vida, om um senso de reivindicações. Ela cresceu em anos, mas não em estrutura psicológica: já adulta, continua querendo vingar-se daquela mãe que não a amou o bastante, daquele pai indiferente ou severo demais. Ou recuperá-los, se, ao contrário, eles abafaram sua personalidade com excesso de mimos e proteção. É a eles, os pais, que está referido seu desejo de dar e receber amor; mas esse intercâmbio é concebido em termos infantis: mamar, ser levada ao colo, paparicada, dirigida, dependente; portanto, ele é impossível, mesmo que haja pais vivos e dedicados. Ela está situada fora do tempo real: não quer um amor aqui e agora, que, como todo o amor normal, se projete no futuro: ela quer amor ontem. E isso, sendo irrealizável, deixa-a permanentemente frustrada e, em consequência, permanentemente raivosa – e culpada por essa raiva, punindo-se por ela através da solidão e da depressão. Ela também não quer o amor do outro: para o bebê, os pais não são “outros”, são partes de  si mesmo; o que a solteirona deseja é o vínculo narcisista com sua imagem no espelho, a simbiose com os pais, que lhe permitirá amar-se.


Enfim, ser celibatária é ser madura de idade e de estrutura psíquica, e não estar casada, agora, no momento; ser solteirona é ser madura de idade, imatura de estrutura psíquica, sofrer com sua condição e não ter dentro de si os recursos para modificá-la. Não ridicularizemos, como fazem alguns, os tormentos da solteirona: ela sofre a carência instintiva e afetiva mais radical, que é a de quem vive voltada para uma satisfação impossível, porque baseada em fantasias regressivas, reivindicações arcaicas.


A tomada de consciência do verdadeiro núcleo do problema (através da psicoterapia como método ideal; ou, quando esta for impossível, mediante uma honesta e corajosa auto-análise, até chegar às raízes) daria à solteirona sua oportunidade de transformar-se numa celibatária e viver uma vidinha invejável, com todas as perspectivas – inclusive matrimoniais – da celibatária. Uma mulher – feia ou bonita, não vem ao caso – tão cordial, tão generosa, tão gente que todo mundo que a conhece diz: “Puxa, será que os homens não têm olhos?” E vai ver  que eles têm – e estão lá: quem fala é porque não sabe.