Solteirona é uma palavra pesada, com uma conotação precisa, às vezes
amarga, às vezes maliciosa, que ecoa socialmente como uma punição à mulher que
vive sozinha. Carmem traça três perfis distintos, três maneiras de uma mulher
enfrentar esta situação: aceitando, e se tornando uma solteirona irrecuperável;
ou mulher realizada, ligada à vida e às coisas; ou o tipo solteirona por
atitude
Matéria original |
“ Todas vocês seguramente conhecem alguma solteirona. Talvez ela
não tenha mais de 30 anos (às vezes nem isso) e seu aspecto seja excelente;
mas, mesmo assim, ela já mostra as características da solteirona. Aliás, se
vocês forem boas observadoras, já terão descoberto esses traços desde que ela
tinha 18 anos. Ela é uma pessoa cheia de pudores e medos; tem tendência a achar
que tudo está mal, abstém-se de mil coisas por causa da possível opinião dos
outros ( que nem estão reparando no que ela faz) e critica com mal disfarçada
acritude os modos das que são sexy,
espontâneas, flertadoras, admiradas, populares. Às vezes posa de indulgente:
‘Não é que eu reprove, mas eu não tenho temperamento para agir assim’ – e seu
tom está insinuando quem está certa é ela, ou melhor, que as outras estão muito
erradas e são ‘salientes’ demais. Nossa solteirona é um pouco beata, bastante
piegas e muitíssimo apegada aos pais, sobretudo à mãe; basta um gesto meio
displicente desta para afundá-la na fossa; ela fica deprimida como uma criancinha
cujo universo ainda girasse exclusivamente em torno das atitudes maternas; se
os pais são mortos, ela cultua a memória deles; não é apenas o carinho e a
gratidão normais, senão a dedicação fundamental que os transforma em eixo da
vida dela. Exigente demais com as amigas, nunca dá tanto quanto recebe, nunca
se considera obrigada a tomar uma iniciativa, a dar o primeiro passo: fecha-se
em copas e espera que a outra se aproxime, chame, convide, insista.
Ciumenta e absorvente, sente-se
traída quando a amiga tem outros interesses, outras relações afetivas, de
amizade ou de amor, que absolutamente não a excluem, mas que ela, em sua
hipersensibilidade, considera como uma escolha que a desfavorece, uma exclusão:
quer ser a única importante na vida dos outros – e nada faz para conquistar
esse lugar. Amargurada, só sorri com meio lado da boca; parece estar sempre
insinuando: ‘Claro, para você é muito fácil: com um marido ao lado...’ – como o
pobre faminto que olhasse de fora o banquete alheio. Nunca pensa em marido em
termos de compartilhar a vida, as responsabilidades, os prazeres e as
vicissitudes: pensa só em termos de proteção e apoio, de jogar-se como um fardo
nas mãos de alguém.
Convidada para uma festa ou
reunião, logo esquece que se divertiu, conversou, brincou: a única coisa que
lembra é que na hora de ir embora cada um pegou seu par e ela não tinha par;
foi levada em casa ( com toda a gentileza, com toda a consideração) por um
casal amigo que lhe deu carona e isso envenena retrospectivamente a noitada. Ela
tem inveja da felicidade – real ou suposta – dos outros e essa inveja lhe
estraga todos os bons momentos; não desfruta do que tem e passa o tempo
lamentando o que não tem.
A solteirona triunfante, a casada
Se nossa solteirona é mulher de
sucesso em seu trabalho, em seus negócios, o mais provável é que ela e torne
masculinizada, da forma mais crua: voz áspera, gestos abruptos, atitudes de
quem não admite brincadeiras, conversas puramente intelectuais ou comerciais,
impaciência com os interesses, que ela acha frívolos, das outras mulheres; será
a amiga dos maridos, que só tolera as esposas com um grau visível de desdém. Mas talvez vocês
conheçam uma solteirona casada: ela
existe, responde ao tipo descrito e o erro não é da natureza, e sim, do
Registro Civil. Por assim dizer, ocorreu uma mancada, e a solteirona foi parar
onde não tinha nenhuma vocação de estar. Tem infinitas queixas contra o marido:
nenhum homem está em condições de dar – ou suportar – o que ela espera dele.
Sua atitude é de dependência viscosa ou de dominação castradora. Para o olho
sagaz, a coisa é clara: ela continua sendo a ‘filhinha de mamãe’ com relação ao
marido, ou é para ele a mamãe de um ‘filhinho’ irresponsável e imaturo – nos
dois casos se sente frustrada, pois nenhum homem, por mais neurótico que seja,
consegue cumprir totalmente suas exigências regressivas. Ela não se casou para
ser feliz ao lado de um homem, senão para repetir com ele, na forma passiva ou
ativa, uma relação materno-filial em moldes infantis: a única relação de que
ela é capaz.
Quando uma mulher, com vocação de
solteirona, se casa, é comum que acabe se desquitando; e aí todos os amigos
sagazes têm a impressão de que ela encontrou seu verdadeiro caminho; apesar de
todos seus ressentimentos, está mais tranquila, mais ‘normal’, sem um homem.
A celibatária
Vocês conhecem uma celibatária?
Uma mulher que é solteira além da idade, sem ser solteirona. Talvez não, pois o
tipo é bem mais raro entre nós: os preconceitos de nossa sociedade não são
propícios ao seu desenvolvimento. Mas ela existe e é uma personalidade bem
definida. Vive de seu trabalho e tem a sorte de adorar seu trabalho – ou então,
se esse for o caso, consegue suficiente tempo livre para fazer algo que adora
e, com isso, se sente realizada. Mora num apartamentinho cheio de bossa e
repleto de amigos que se sentem bem aí.
As outras mulheres, casadas ou solteiras, correm para ela para contar-lhes seus
problemas e serem confortadas, tendo ouvido a palavra cordial e compreensiva de
que necessitavam. As crianças são vidradas nela: a tia que todas desejariam
ter.
Os homens procuram sua companhia,
acham-na estimulante, divertida, generosa, sempre pronta a ouvir com simpatia
uma confidência difícil, a dar o conselho sincero e desinteressado ou, se for o
caso, a debater opiniões com altura e objetividade. Dela dizem os maridos das
amigas: ‘Puxa, não compreendo como é que
Fulana continua solteirona: será que os homens não têm olhos?’ – e as
respectivas esposas aprovam, sem o menor ciúme. Ela pode ter ou não ter um
amor: isso depende de sua escolha. E não é raro que, já bem avançada nos 40,
ela ainda tenha um bom número de candidatos na fila de espera.
Se chega a decidir-se por algum
deles, não é por medo de terminar sua vida sozinha: ela sempre ‘se virou’ e
nunca sofreu de solidão; é porque achou que dá pé. Isto é, que sua vidinha
feliz será ainda mais feliz com ele. E o escolhido vai esfregar as mãos de
contente, sentindo-se um privilegiado. Nunca pensará: ‘Peguei alguém que
ninguém mais quis’, mas sim: ‘Ela passou anor recusando uns e outros para
finalmente se decidir por mim: sou o maior’
A vidinha pedida a Deus
Confesso que fico profundamente penalizada ao
ler cartas de mulheres solteiras que já estão acima da considerada ‘idade
casadoura’, morando sós ou com os pais e me escrevem queixando-se de solidão,
vazio, necessidade de amor, frustração por não ter ao lado marido e filhos,
falta de objetivos, vontade de morrer.
Elas me fazem pensar no mendigo
que tem milhões escondidos no colchão e vive uma existência miserável,
alimentando-se de sobras e abrigando-se com farrapos. Pessoalmente, casei tarde
e antes morava sozinha; sei por experiência própria o que é a vida de
celibatária, curtindo seu apartamentinho, seus amigos incondicionais, seus bons
papos, sua turma sempre disponível, seu telefone sempre chamando – enfim, uma
vida plena de afetividade, comunicação, diálogo.
Posso garantir que desfrutei cada
minuto dessa existência. E se bem não a lamento, agora que entrei em outra, não
é sem saudades que relembro minha vidinha de celibatária. Eu trabalhava fora e
a empregada vinha fazer a limpeza durante as horas em que eu não estava em
casa; assim, eu encontrava tudo em ordem sem ter preocupações domésticas e sem
ver minha intimidade invadida por uma estranha.
Fazia minhas refeições em
restaurante e não tinha de pensar em compras, cardápios, etc.
Às vezes o dinheiro ficava curto
e eu rondava pelas redações, oferecendo matérias freelance para desapertar o orçamento. Amigos dos dois sexos vinham
todas as noites, e juntos discutíamos a arte, o futuro do mundo. Quem quiser um
panorama mais completo desse estímulo de vida, leia A força da Idade, de Simone de Beauvoir; aí poderá ver o que é uma existência baseada em objetivos
próprios, mas sem carências afetivas; livre de amarras convencionais e aberta
aos acontecimentos, aos contatos, às surpresas.
É certo que nem todas podem ter
ao lado um Sartre: mas quantas o desejam? Nem sempre é preciso tanto para
satisfazer – e satisfazer plenamente – o nível das próprias aspirações.
Enfim, ao ler uma dessas inúmeras
cartas que dizem: ‘Tenho xis anos, sou solteira, vivo do meu trabalho e não me
conformo por não ter ao lado marido e filhos, sofro uma solidão horrorosa,
sinto-me diminuída, inferiorizada, vazia, infeliz’, é com muito de reação pessoal
que penso: Puxa, essa moça tem a vidinha que qualquer uma pediria a Deus – e
ainda se queixa?
A diferença
As circunstâncias externas são
praticamente as mesmas nos dois casos. O que as distingue é a atitude emocional
de cada uma. A celibatária não tem pressa de casar e nem sequer decidiu a priori se um dia chegará ao casamento:
optará por ele ou não, de acordo com suas inclinações, quando chegar o momento
oportuno. Não está pensando que suas amigas casaram e ela não; imagina que, se
as outras já casaram, é porque tinham para isso boas razões que ela ainda não
tem. Não olha o par com inveja ou ciúme; ao contrário: se a amiga ou o amigo
casou, seu parceiro (ou parceira) é mais uma amizade que lhe vem ‘ de quebra’.
Frustração dos instintos
maternais? Isso é relativo, muito fomentado: a sociedade espera que a mulher que não tenha tido filhos na idade convencional
seja infeliz e frustrada. Os homens saltam muito rápida e arbitrariamente à conclusão
de que assim é – a tal ponto que, às vezes, fico pensando se eles não projetam
nela sua própria frustração pela incapacidade
biológica de procriar. A verdade é que a vida oferece muitíssimas outras
satisfações além da maternidade: o amor, a tarefa, a realização, a
criatividade, a amizade: e essas tradições se substituem entre, si, umas
compensam a ausência de outras. O único que não é possível é viver sem nenhum tipo de gratificação: mas quando
vários são possíveis, a pessoa bem integrada não tem nada a lamentar. A celibatária
não se sente incomodada pela falta de filhos ou de um homem a seu lado,
assumindo a vida por ela, responsabilizando-se por ela: é mais do que capaz de
assumir-se e responsabilizar-se sozinha.
Enfim, a celibatária é uma mulher
que resolveu construir sua própria existência, ser uma pessoa por si mesma. Isso
de nenhum modo exclui o amor de um companheiro, mesmo que ele não seja o
definitivo; e também não exclui a escolha de um companheiro definitivo, em
qualquer etapa: o casamento não está eliminado de suas cogitações, sem ser,
entretanto, a finalidade primordial de sua vida. A celibatária se organiza a
partir de dados reais: o que ela é, o
que ela tem em si, o conjunto de sua
situação, as potencialidades que ela pode desenvolver – sem idealizar o que
poderia ter sido. Em resumo, ela possui suficiente maturidade emocional para
enfrentar o desafio.
As limitações do casamento
O casamento não é nenhuma prisão.
Mas a verdade é que, nas condições vigentes na sociedade patriarcal, mesmo um
casamento feliz e harmonioso cerceia em muito a liberdade o desenvolvimento da
mulher. Por mais que numa união desse tipo não haja ciuminhos tolos nem
restrições absurdas à liberdade de ação da esposa, os próprios preconceitos
sociais pautam sua conduta em moldes rígidos, privando-a de seguir certos
impulsos, tomar atitudes espontâneas, permitir-se gestos e modos menos
circunspectos, que só seriam tolerados numa solteira. Ela se submete a essas imposições
em atenção ao bom nome do marido, pois, se a mulher não se conduz conforme as
convenções, todo mundo passa a chamá-lo de ‘coitado’ ou ‘boboca’.
Por outro lado, recai sobre ela a
carga da rotina doméstica, com o peso das preocupações materiais, miúdas,
rotineiras embrutecedoras, embotando-lhe o cérebro e absorvendo-lhe o tempo e
as energias que assim são desviados de finalidades mais criativas.
E não me digam que a solteira que
mora só, numa pensão ou apartamentinho, tem os mesmos problemas: todo mundo
sabe que seu estilo de vida, no que tange às tarefas domésticas, é
infinitamente mais simplificado. E nem poderia ser de outro modo, pois ela tem
de trabalhar para sustentar-se.
Tudo isso sem falar nos filhos. Aqui
nem vale a pena pormenorizar: qualquer mãe de família sabe das milhares de
obrigações de seu dia-a-dia, da impossibilidade de dispor de suas noites, da
atenção constante e dos inúmeros cuidados materiais – não falo dos outros – que
ela tem de dispensar às crianças.
Nessas condições, eu me pergunto:
se uma mulher não está apaixonada por ninguém em particular – uma pessoa cuja
companhia lhe pareça compensação mais do que suficiente por tudo de que ela
deverá abdicar – , se ela se mantém sozinha com seus próprios recursos: se ela
tem um vasto campo de possibilidades de realização, afetiva e social, por que é
que ela não desfruta dessa maravilhosa liberdade e vive amargurada pela falta
de marido, pela falta de amor?
O cárcere interior
Em realidade, quando falo de
liberdade, refiro-me somente à celibatária. A solteirona, embora com as circunstâncias
a seu favor, não a tem, porque vive encarcerada
dentro de si mesma. Dentro de sua neurose, de sua própria incapacidade de
dar amor.
Sei que as atingidas vão
protestar. Pois se elas não fazem mais do que pensar em amor, o amor é sua
ideia fixa, seu desejo obsessivo; sentem-se asfixiadas de amor sem objeto.
Quem tem amor de verdade para dar, sempre recebe amor
em troca. Pode haver um intervalo, uma pausa, um período em que essa pessoa não
esteja apaixonada por ninguém em especial; mesmo assim, mesmo assim, ela
continua dando amor aos parentes, aos amigos, à tarefa que realiza, às
atividades que lhe agradam, às ideias ou causas em que crê. E por fazer tudo
isso com amor, ela se sente fundamentalmente feliz, mesmo que o lugarzinho
privilegiado em seu coração esteja temporariamente desocupado. Essa momentânea
ausência de um objeto específico de amor não a angustia: segura de suas
disponibilidades, de suas reservas afetivas, não precisa estar sempre provando a
si e aos outros que as possui.
No caso da solteirona, esse amor
encruado, sem extravasão, só lhe traz frustração, rancor contra os homens que
não a procuram, inveja das mulheres que tiveram mais ‘sorte’, ressentimento
pela felicidade alheia, senso de exclusão injusta, de barreira que as separa do
resto do mundo. Vê-se, pois, que esse chamado ‘amor’ só se traduz em sentimentos
negativos: em realidade, ele não é senão o disfarce de um profundo ódio
recalcado, isso se torna particularmente evidente quando um homem se aproxima
da solteirona com intenções eróticas. Em geral, ela começa por afastá-lo: com
sua frieza camuflada de recato, sua agressividade dissimulada em ‘nervosismo’,
suas atitudes pouco cordiais, seus intensos receios de que possa ‘não dar certo’,
seu medo de comprometer-se numa ligação que talvez venha a fazê-la sofrer, ela
encontrará meios e modos de estragar tudo. E só quando ele tiver ido embora
definitivamente, ela começará a alimentar a fantasia de amá-lo: adora-o, sofre
por ele, está desesperada, tem vontade de morrer – mas tudo isso quando ele já
se tornou inalcançável. É óbvio que ela não se atreve a amar um homem real. O que ela fez, no caso, é tomar um
homem real como modelo físico para sua própria fantasia: ama um objeto criado e
idealizado em sua imaginação; esse objeto pode ter as feições de Fulano ou
Sicrano, mas isso é tudo: como pessoa concreta, Fulano ou Sicrano não consegue
ter acesso ao mundo interior narcisista.
Muitas vezes esse amado ideal nem
tem rosto; em outras ocasiões, a solteirona cultua a memória de um ex-namorado
da adolescência, de um noivo morto há vinte ou mais anos atrás.
Em busca de uma saída
As solteironas se revoltam quando
me escrevem pedindo ajuda, e eu respondo ‘Psicoterapia, psicoterapia!” Não se
consideram doentes, e sim, infelizes. Acham-me dura, insensível, incapaz de
compreender as infinitas riquezas de amor que elas têm no íntimo, de simpatizar
com seu sofrimento. Neste último ponto estão redondamente enganadas: posso
avaliar, talvez melhor do que elas próprias ( pois há muita coisa que elas
reprimem, negam, escondem de si mesmas), a extensão de sua dor, o caráter
absorvente e esmagador de sua depressão. O que não posso é dar cumplicidade ao
seu sistema de autoengano: elas não sofrem de amor – aliás, ninguém sofre de amor; sofrem é de ódio
que não ousa assumir seu nome; e por essa distorção, isto é, por não estar
conscientizado, ele neutraliza todo o amor
real que elas possam ter em si.
A solteirona é uma pessoa que, não
tendo sido suficientemente amada, ou tendo tido exigências excessivas de amor,
na sua infância, ficou fixada a essa fase da vida, om um senso de reivindicações.
Ela cresceu em anos, mas não em estrutura psicológica: já adulta, continua
querendo vingar-se daquela mãe que não a amou o bastante, daquele pai
indiferente ou severo demais. Ou recuperá-los, se, ao contrário, eles abafaram
sua personalidade com excesso de mimos e proteção. É a eles, os pais, que está
referido seu desejo de dar e receber amor; mas esse intercâmbio é concebido em
termos infantis: mamar, ser levada ao colo, paparicada, dirigida, dependente;
portanto, ele é impossível, mesmo que haja pais vivos e dedicados. Ela está
situada fora do tempo real: não quer um amor aqui e agora, que, como todo o
amor normal, se projete no futuro: ela quer amor ontem. E isso, sendo irrealizável, deixa-a permanentemente
frustrada e, em consequência, permanentemente raivosa – e culpada por essa
raiva, punindo-se por ela através da solidão e da depressão. Ela também não quer
o amor do outro: para o bebê, os pais
não são “outros”, são partes de si
mesmo; o que a solteirona deseja é o vínculo narcisista com sua imagem no
espelho, a simbiose com os pais, que lhe permitirá amar-se.
Enfim, ser celibatária é ser
madura de idade e de estrutura psíquica, e não estar casada, agora, no momento; ser solteirona é ser
madura de idade, imatura de estrutura psíquica, sofrer com sua condição e não
ter dentro de si os recursos para modificá-la. Não ridicularizemos, como fazem
alguns, os tormentos da solteirona: ela sofre a carência instintiva e afetiva mais
radical, que é a de quem vive voltada para uma satisfação impossível, porque
baseada em fantasias regressivas, reivindicações arcaicas.
A tomada de consciência do
verdadeiro núcleo do problema (através da psicoterapia como método ideal; ou,
quando esta for impossível, mediante uma honesta e corajosa auto-análise, até
chegar às raízes) daria à solteirona sua oportunidade de transformar-se numa
celibatária e viver uma vidinha invejável, com todas as perspectivas –
inclusive matrimoniais – da celibatária. Uma mulher – feia ou bonita, não vem
ao caso – tão cordial, tão generosa, tão gente
que todo mundo que a conhece diz: “Puxa, será que os homens não têm olhos?” E
vai ver que eles têm – e estão lá: quem
fala é porque não sabe.