sábado, novembro 01, 2008

Eu passarinho.


E então , com uma frase, tudo se reduziu a um título, defendido por trinta minutos e ameaçado por umas duas horas, não mais que isso: " A dissertação reúne os requisitos necessários para ser auferido à aluna o grau de mestre".

Isso sem dúvida deve ter sido a frase mais importante da minha vida até então. Provalvemente virão outras, talvez "eu aceito" " é menino, é menina". Não sei especificar quando estas virão, portanto, sigo a refletir sobre o que esta que citei causou e causa em mim.

Durante dois anos e alguns poucos meses me dediquei a algo com toda a força que em mim não sabia existir. Enfrentei frio, enfrentei chuva, enfrentei solidão e principalmente enfrentei a mim mesma. Eu, 23 anos, munida de sonhos grandes e muita determinação , joguei-me ao mundo em busca de um título, "mestre". Achava que isso faria de mim uma pessoa diferente do que tinha sido até então. Alguém mais séria, com ares de mulher, talvez, porque quando alguém se referisse a mim teriam que me chamar de Ms., antes de pronunciar meu nome.

Com esse sonho de ser grande eu fui, sem querer, abdicando de algumas coisas em minha vida. Conforto, comodidade e um projeto de casamento. Tudo isso parecia nao valer muita coisa diante da determinação com a qual abracei as minhas mulheres mascaradas.

No começo chorei bastante sentindo falta de coisas das quais nunca imaginei precisar. Sentia falta inclusive do mar, este que tão pouco conheço. Sentia falta de comidas típicas somente pelo fato de não poder saboreá-las. Tenho certeza que se pudesse, na ocasião, comer uma boa tapioca eu não comeria, mas, como estava longe, as coisas típicas pareciam ter um gosto a mais, talvez apimentado pela saudade de tantas outras coisas que eu desejava.

Talvez, quando eu dizia que sentia falta de comer tapioca, eu quisesse dizer a mim mesma que sentia falta do sentimento de cumplicidade e de conhecimento que existia entre mim e a cidade em que nasci: Não sentia um afeto muito grande por ela, também não sinto hoje e talvez o que me ligue a ela sejam apenas as raízes, algumas poucas pessoas queridas, não mais que isso, mas que, ainda assim, é a minha cidade, meu lugar em que posso com tranquilidade tirar os sapatos e explorar sem me sentir estrangeira.

A sensação de estranhamento é interessante: não se sabe muito bem o que vai se encontrar numa terra distante em que as pessoas parecem frias, ocupadas e extremamente racionais, quantitativas, eu diria, se quisesse continuar nos domínios metodológicos a mim tão caros. Eu, que sou tão subjetiva e tão qualitativa.

Andei muito, permiti-me muito pouco por medo meu e dos que me querem tão bem, mas, no fim eu posso dizer que conheço algumas ruas das cidades pelas quais transitei, posso dizer também que testemunhei alguns fatos interessantes, vivi alguns feriados e comi umas comidas tipicamente alemãs.

Não fiz amigos. Na época acho que essa idéia de me apegar a alguém me fazia um tanto quanto nervosa e ansiosa, e , como sempre fiz o que quis, não desejei ali ter amigos, apesar de que , de onde menos esperei, pude contar com algum apoio.

Porto Alegre me lembra coisas verdes e roxas. Hortências e árvores centenárias, parques, muitas cores em meio à cidade cinza em seus prédios velhos e repletos de história. Grafitte nos viadutos parecem dar alguma vida à cidade que me parece tão fria. Porto Alegre também me lembra muita cultura, muitos insights, e muita solidão.

Solidão acompanhada por pessoas que lentamente tiravam meu sorriso da cara, o qual eu achava que sempre iria me acompanhar. Porto Alegre me lembra o trem, não o das cores, mas o das palavras, o dos poemas.

Porto Alegre me lembra Mário Quintana. O poeta do passarinho, o poeta das frases tão ternas e doces que me lembram um menino tão doce quanto o poeta e que parece que veio para ficar. Porto Alegre, definitivamente, seria um bom lugar para se retornar sempre e sempre que eu desejar reacender em mim alguma coisa de poética, alguma coisa de verde e roxo na alma.

De São Leopoldo pouco posso falar que não seja sobre meus estudos. Pouco passeei naquela cidade que me parece tão pequena e tão sem mistérios. São Leopoldo me lembra trajetos intermináveis de ônibus. Favelas e casinhas de madeira. Lembra a faculdade, a dissertação e tantas outras coisas belas que iam aparecendo diante dos meus olhos. Rio dos Sinos, Vale dos Sinos, trem e muito frio.

Novo Hamburgo, a cidade em que vivi, em que chorei e em que me fiz mais gente do que costumava ser. Não tive a oportunidade de revê-la, não pude fazer de volta sorrindo o trajeto que tanto fiz com lágrimas nos olhos. Acredito que vá me arrepender de lá não ter voltado, de ter visto a velhinha a qual tanto me apeguei e de quem sinto tanta falta, em seus robes e suas pantufas quentinhas.

Sinto saudades da casa, do cheiro de amaciante nas minhas roupas e das plantas de Novo Hamburgo.

o dia 29 chegou e com ele vieram os trinta minutos em que, mais uma vez, tive que esconder as lágrimas que não paravam de brotar em minha alma, forjar um sorriso e fingir que a dissertação nem deu trabalho, que o processo foi fácil e que vivi tu do isso com grande alegria.

Não sei se consegui interpretar esse papel, fato é que consegui defender com as entranhas aquilo que fui fazer tão longe de casa. Consegui.

Hoje posso dizer que sinto-me feliz por ter alcançado aquilo que nos meus sonhos de infância representava o diploma de inteligência só superado pelo diploma de doutora. Não sei se darei prosseguimento a este sonho, agora. Sinto em mim uma necessidade de viver para outras coisas, para uma família, para meu violão e minhas poesias há tanto guardadas.

No fim reconheço que o título não fez de mim alguém diferente do que sou. Continuo menina, meus olhos continuam não aparentando já ter visto tantas coisas, e minha face até pode ser confundida com uma face de menina.

O título chegou e não me sinto mais ou menos mulher, mais ou menos inteligente. Na verdade, sou a mesma, porém com a certeza de que tudo posso quando me determino a algo fazer.

Continuo a mesma pessoa, sedenta de sorrisos verdadeiros, de amizades reais, de pessoas reais, cumplicidade, companheirismo e alegria. No fim, eu não sou mais feliz por ter conseguido este diploma tão sofrido, mas posso dizer que me sinto , neste momento, feliz por ter até agora conduzido minha vida dentro de uma ética que considero justa.

É bom saber que é possível superar obstáculos e ver que Quintana, o menino, estava certo, no final de tudo aqueles que atravancavam meu caminho passaram, como o frio e o medo da solidão. Eu continuo passarinho.

3 comentários:

JRM disse...

...e tudo saiu da cabeça e se foi para o papel =).

Mas assim, aguei meus olhos hehehe. É exatamente como tu disse!! Deixamos a promessa de um futuro por um sonho... trocamos a casa por um local estranho aos nossos olhos e sentimentos... bate a saudade... Mas já aqui vejo que valeu a pena, conquistei o inesquicível, e isso... bom ´w outra poesia do Quintana.
Parabéns!!

Terapia & Vida disse...

Belas e vividas palvras,essas sempre nos tocam.
Desejo a você o sucesso e a felicidade...que eles te acompanhem,e que junto deles,sempre haja o brilho nos olhos,de quem sabe sonhar.
Talvez deseje isso,porque talvez queira para mim,afinal,em breve viverei coisas parecidas,e é bom saber que existem histórias como essas,que me fazem continuar!
Um super beijo,de sua fã literária!hehehe

Dayse Costa disse...

Olá!
Tenho acompanhado seu blog e admiro muito toda a sensibilidade em suas palavras...mas confesso que esse tocou-me de maneira especial, assim como um impulso, um encorajamento...não de uma mestra psicóloga pra psicóloga (rs), mas de pessoa pra pessoa :)
Parabéns!

"Tão bom viver dia a dia...
A vida, assim, jamais cansa..." Mário Quintana