segunda-feira, maio 12, 2008

Capitu era Capitu



" Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem".


(Dom Casmurro, p. 761)



Ah se todas tivessem ao menos os trejeitos de Capitu! Heroína da obra machadiana, Capitu não diz nada que não tenha saído da boca/mente de Bentinho. É assim surpreendente, aquilo o qual não se espera. Capitu surge, com sua curiosidade muito particular, com sua inteligência e ardilosidade e a ela é atribuido um adultério que jamais é comprovado.

Essa é a história de Dom Casmurro, obra-prima de Machado de Assis, na minha opinião, melhor escritor brasileiro.

Capitu parece ser o desenho final, o arremate das personagens "pecadoras" criadas por Machado. Ela traz em si todas as ardilosidades empreendidas por outras mulheres machadianas, como Guiomar (A mão e a Luva), Lívia (Ressusreição). No entanto, são por seus "olhos de cigana oblíqua e dissimulada" que é lembrada, idolatrada como nenhuma outra personagem machadiana. Uns olhos assim dos quais nada se pode deduzir inicialmente, uns olhos que são de ressaca. Ressaca? não a ressaca de álcool, vejamos bem ( Millor Fernandes inclusive, de maneira debochada, quis que assim parecesse, que Capitu tinha os tais olhos de ressaca por viver embriagada, recomendo o texto do autor), mas uns olhos, diria eu, arrebatadores, tais como a onda do mar que chega e quebra na beira para depois, levar tudo que tem à frente, através da ressaca.

Assim podemos descrever Capitu: mais mulher que Bentinho é homem; de uma curiosidade mui particular, dissimulada (na opinião de Bentinho) e , sobretudo, portadora de uns olhos de cigana.

Olhos de cigana? O que os caracterizaria? Pensando cá com meus botões, ciganos são conhecidos por serem pessoas enigmáticas, bem como "portadores" da verdade. Ora, não são estes povos os portadores de conhecimentos astrológicos, possuidores, não raras vezes do dom da clarividência? Ninguém nunca ouviu falar em tarô cigano?

Pois bem, é Capitu também uma cigana, portadora dos segredos que existem entre céu e terra, enigmática e também, nômade. Não nos esqueçamos da principal característica dos ciganos: seu apreço à liberdade.

Poderiamos, então, dizer que Capitu tinha em si uma queda pela liberdade, pela flexibilidade; era nômade em seu espírito, fiel a si mesma bem como às suas convições. Se não possuia em sua alma o dom da clarividência, por Bentinho era considerada A mulher, aquela que teve o dom de incutir a dúvida em seu espírito tão racional. Sim, pode-se dizer que Capitu guardava o mais importante segredo dessa vida dentro de si: o segredo da feminilidade.

Dava-se ao mesmo tempo que se furtava ao olhar; já que dissimulara sua paixão por Bentinho diante das famílias, porque não dissimularia um adultério?Disto , nada se saberá, Machado deixa a questão em aberto: nunca se ouve a voz de Capitu, a narrativa é exclusivamente feita pelo ponto de vista de Bentinho, que ora acusa a mulher, ora a absolve.

Vítima ou culpada, Capitu continua reverberando por aí, seja na leitura machadiana, seja no discurso freudiano acerca da histeria, da feminilidade exercida por cada mulher que represente, ainda, o mistério, o enigma.

Acredito que muito, sim, foi mudado desde que Machado de Assis desenhou o caráter de Capitu. No entanto, porque será que os homens continuam com medo de umas mulheres que não tenham em si uns olhos tão plácidos, uns olhos assim, tão tranquilos? Capitu era Capitu e esta continua levando alguns Bentinhos à loucura ou,´no mínimo à questionamentos que não gostariam de fazer.


Resta dizer que ser Capitu não é fácil, implica coragem, sobretudo, para mostrar aos Dom Casmurros por aí espalhados, que não necessariamente ser mulher implica em tomar o lugar do homem, ou Capitu não queria Bentinho? Para quê? Isto é o que não se sabe.

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