sábado, maio 17, 2008

O Almanaque Machado de Assis



Poderia ser mais um dos livros acerca da vida e da obra do bruxo do Cosme Velho. No entanto, não é. "Almanaque Machado de Assis" consiste numa compilação de vários escritos sobre a biografia, frases de efeito, trívia sobre as personagens, cronologia, acontecimentos marcantes e todo um acervo de informações sobre o mais aclamado escritor da lingua portuguesa no Brasil em todos os tempos.


Eu digo que não é um livro comum - mesmo não tendo chegado eu ao fim desta leitura uma vez que é uma advertência do próprio autor que o leitor disponha do livro da maneira que bem entender - porque se percebe o coração do autor apaixonado.
É isto: Parece que o autor do "Almanaque" também tem aquela mania de alguns escritores de meter o coração em todas as linhas que vai escrevendo e, neste livro, nada mais explícito que a paixão do escritor por Machado de Assis, percebe-se esta seja no estilo do autor ou no modo de se comunicar com aquele que se presta a ler.
Eu me atrai pelo almanaque mas, ao lê-lo, ao folhear as primeiras páginas, ao percorrer com os olhos curiosos aquele índice tão caprichado, com títulos, no mínimo, não usuais para um "estilo científico", percebi que ali ia muito da alma do próprio Machado. Claro, não é preciso ser nenhum imortal para perceber que um sujeito que se dedica a escrever um almanaque repleto de informações sobre a vida de um determinado autor deve conhecer muito da vida deste (ao que equivale dizer que passou inúmeras horas dedicando-se à leitura de outros autores que também se deixaram fascinar por Machado de Assis), deve possuir um pouco do autor querido em suas entranhas, há uma certa contaminação no estilo e seria uma maldade considerar isto plágio ou falta de originalidade.

Acredito que Luiz Antonio Aguiar conduz o leitor de seu almanaque com mãos firmes e gestos delicados, tais como os possuía o próprio Machado: Em um dado momento, na seção "Modo de usar", o autor sugere, " [...] as notas de fim de capítulo são ilustrativas, mas não essenciais. Se achar chato lê-las, pule-as; se quiser algo mais sobre a leitura do texto corrido, não deixe de passar os olhos nelas [...]" (p. 20).

Impossível não comparar com Machado, em uma de suas "conversas" com o leitor, em Esaú e Jacó: " Francamente, eu não gosto de gente que venha adivinhando e compondo um livro que está sendo escrito com método [...]. Se quer compor o livro, aqui tem a pena, aqui tem papel, aqui tem um admirador, mas, se quer ler somente, deixe-se estar quieta, vá de linha em linha, dou-lhe que boceje entre dois capítulos, mas espere o resto [...]" (p.344)


Ao ler as duas citações, nota-se que , mesmo que sejam quase opostas, uma vez que o autor do almanaque deixa a cargo do leitor a maneira como deve usar o seu livro, enquanto que Machado de Assis "briga" com a leitora (literatura , na época, era coisa de mulherzinha) ansiosa que tenta adivinhar o que se passará nos próximos capítulos, ambas revelam uma coisa muito interessante na literatura machadiana, a Metalinguagem.

Metalinguagem, como acho que já comentei aqui consiste em falar da própria linguagem, falar acerca do processo da escrita e do processo da leitura. Essa temática sempre me fascinou em Machado e acredito que esta paixão por falar do ato da escrita e da leitura venha da sua própria formação enquanto leitor-devorador de clássicos.


Interessante notar que conversar com o leitor é sempre uma necessidade de Machado de Assis, assim como se tornou uma necessidade do autor ou de quem quer que ouse falar de Machado, e, presumindo aqui que este seja um apaixonado pela literatura machadiana, em nada surpreende que em seu estilo possamos ver um trejeito aqui ou acolá do grande mestre.


Não considero plágio, nem falta de personalidade e nem muito menos sinal de imaturidade autoral o fato de o "Almanaque" me lembrar , tantas vezes, a forma como Machado conversou comigo quando fui ler Esaú e Jacó, ou Dom Casmurro, ou A mão e a luva. Não. Acredito em contaminação, em inspiração e, sobretudo, em paixão.
Acho impossível dedicar-se à escrita de um livro sem, no mínimo, paixão, esta que nos faz sempre retornar aos nossos grandes mestres, aos nossos primeiros "alfabetizadores literários" se é que isso existe, se não, invento agora.


Ler o Almanaque nos faz ter vontade de voltar a Machado pelo simples fato que dele começamos a ter saudade, seja da ironia, do tão aclamado "pessimismo". Eu sinto falta mesmo é quando ele vem com aqueles adjetivos antes do "leitora", "querida leitora", "apressada". Parece tão pessoal!


Em pensar que antigamente dava-se valor a livros...

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