segunda-feira, maio 04, 2009

Carta a uma desconhecida




Passaram alguns anos, você, certamente não me conhece, mas eu tento saber da sua dor. Eu não tenho idéia dela, mas eu tento sentir o que talvez você sinta, toda vez que penso em amor.


Bem, para que você não ache que isto é alguma coisa à toa, escrita por quem decididamente não tem o que fazer, vou te dizer como cheguei a você. Você, para mim , é apenas um rosto numa fotografia, alguém que mora longe, mas muito longe de mim , mas que, de qualquer forma, eu cheguei a você, por causa de um amigo meu, que conhece você. Isto foi o suficiente para eu ficar a par do que se passou com você um dia desses, um dia que eu acho que você lembra todos os dias da sua vida, você sabe qual.


Voltando ao caso, direi, eu tenho sim o que fazer, e neste momento, o que eu tenho a fazer é escrever isto para você. Durante estes anos eu penso em você, mesmo que você não saiba que eu existo, sequer desconfie que eu sei de sua dor. Também não sei se deveria te mostrar isto porque você, certamente, não gostaria de ler palavras de uma desconhecida qualquer que se diga sensibilizada por tudo que lhe passou.


Eu penso em como você passa as noites, os dias, em como ele volta para você em sonhos. Eu penso nas teorias que você deve criar para desculpar Deus e , ao mesmo tempo, culpá-lo por ter-lhe dado este fardo. Eu imagino quantas lágrimas o seu travesseiro já engoliu, quantos lenços de papel você já usou, quantas vezes já pronunciou o nome dele num daqueles momentos em que a saudade parece nos sufocar de uma forma que o coração vai diminuindo, diminuindo, minguando.


Eu sei que você acha que tudo na vida tem um propósito. Nisto somos parecidas. Eu acredito que doa, sempre, e muito , e talvez com o tempo só doa mais, eu acredito que, de alguma forma, existem alguns paliativos sem os quais todos nós enloqueceríamos numa situação assim.

Eu penso nas músicas que você ouve para pensar nele, nas músicas que você ouve sem querer e não deixa de pensar nele. Eu imagino como foi a relação de vocês, se brigavam, se eram muito íntimos, se eram quase casados. Eu imagino a força dos abraços, eu imagino o carinho, eu imagino as últimas palavras, se é que houve. Eu imagino a véspera, eu imagino a manhã seguinte, eu imagino tudo e imagino, no centro, a sua dor.


Veja, eu não tenho interesse em me parecer uma espécie de psicopata que buscou sobre sua vida de alguma maneira. Acontece que algumas coisas chegaram a mim, através da dor de um amigo, e, coincidentemente, através desta, cheguei à dor de uma mulher que amava. Por hoje eu saber o que é amar eu resolvi escrever isto para você.


Imagino o quanto deve ter sido difícil para você acordar todos os dias, imagino o quanto foi difícil para você tirar o "luto", o quanto, sobre todos os aspectos isto ainda te dói e de alguma forma te tira esperanças de reencontrar o que para você, certamente, é único.


Eu me coloco em seu lugar, quase sempre. Estranho? Não sei, mas gostaria de te dizer isso tudo, talvez por te admirar, talvez por não entender o tamanho da dor que é perder alguém. Eu queria te dizer tudo isso, veja bem, não estou aqui tratando-a como heróina, bem diferente disto, estou me colocando em seu lugar, do alto do lugar de uma mulher comum, apaixonada que vê subitamente sua vida mudar, num piscar de olhos.


Eu gostaria que você soubesse o quanto eu penso em você, eu me pergunto se você pensa nele todas as noites, se você reza por ele, se ele é seu anjo da guarda. Eu gostaria de saber como você suporta a vida depois dele, como você entende o amor, agora, do seu novo ponto de vista. Eu gostaria de saber como foi beijar alguém depois, dar as mãos e, principalmente, receber um outro carinho, vindos de outras mãos.


Eu, enfim, queria te dizer que admiro-te pelo que dói em você, mesmo que dóa num cantinho separado, que é para não atrapalhar a vida rotineira que costumamos levar, esta, que é contada através de folhinhas num calendário. Eu imagino o quanto você já deve ter ouvido que guardar este amor é inútil, eu imagino o quanto te julgaram ou julgam, eu imagino os que de você têm pena, não é meu caso, meu caso é de amizade desinteressada, uma amizade nascida assim, apenas de um lado e firmada a partir da empatia.


Admiro você pelo que houve, pelo seu modo de suportar e de viver a vida. Admiro você por você ter forças e por ter conseguido acordar bem, um dia.


São palavras de uma desconhecida que , de algum modo, se coloca em seu lugar e já pensou muito em você, em vocês, nos seus planos, nas suas vidas. Da minha parte? Da minha parte você pode considerar falta do que fazer, da minha, um modo de lidar com meus próprios limites. Eu, no seu lugar, teria sofrido igualmente, na verdade, não sei se teria me recuperado.


A você desejo-lhe sorte, desejo-lhe um novo amor, desejo-lhe que a vida te recompense pelo que já fez a você. Ela roda, roda, mas, invariavelmente, ela volta e desfaz um mal, a vida, esta tem um dom de se renovar e de nos dar alegrias assim, quando menos se espera. Em mim, tem uma amiga que você não conhece, talvez nunca venha a conhecer mas que está aqui para te dizer tudo isto.