sábado, maio 09, 2009

Não usarás a ironia (?)



" Não deves empregar a ironia, esse movimento ao canto da boca, cheio de mistérios, inventado por algum grego da decadência, contraído por Luciano, transmitido a Swift e Voltaire, feição própria dos céticos e desabusados"


Machado de Assis - Teoria do Medalhão



Eu agora lhe pergunto: Por que não, Machado? Por que não? O emprego da ironia talvez seja o único antídoto face às intempéries da vida. Observe quão sábios foram os gregos os quais você chama decadentes. Imagine a procedência, Voltaire, Swift, acrescento a sua lista Schopenhauer, Mário Quintana, Vinícius de Moraes, Freud... seriam muitos nomes a engrossar a fileira dos irônicos, nomes com pompa, nomes de envergadura, agora eu não entendo a sua recusa. Por que não, Machado?


Que mal há em deixar escorrer o veneno dos lábios, que horror existe em levar a vida como quem leva qualquer coisa? - porque, afinal, esta é qualquer coisa, nós é que damos a ela um verniz tal que parece outra coisa. Que mal há em ser irônico, em sorrir um sorriso safado e exibir no carão sardônico ( o qual você conhece, lembra do seu conto "O último capítulo", exemplar único do uso bem empregado da ironia?)?


Ai, Machado, agora negas o ofício do irônico, a oitava maravilha inventada por aqueles que da linguagem fazem o pão, célebre exercício da língua que maldiz todas as coisas dando-lhes um tom de meio riso, de inteira verdade dita como se metade?


Machado, sinto-me triste com isto, espero que o que tenhas colocado na boca da personagem não represente o seu pensamento, penso mesmo, com meus dons de psicóloga, que sua repulsa à ironia não passa de pura chacota, chiste ou algo que o valha, pois não seria o velho Machado quem condenaria o que Wilde faz de melhor, o que Drummond e até Shakespeare fazem, com muito ou pouco empenho.


Daqui fica um recado: Jamais deixarei de recorrer ao movimento meio secreto, meio de riso contido presente numa boa e simples ironia. E deixe de uma vez por todas de caluniar a quem tanto te deu, a quem te deu um nome, busto de cobre e uma Academia.

Nego-me veementemente a deixar de empregar a ironia, fiel e boa companheira nestes vinte e seis anos de vida para seguir-te, de outra forma, prefiro seguir meu caminho tal qual ovelha desgarrada, perdida na imensidão do pasto sem um pastor a lhe guiar.


Portanto, Machado, não ouse novamente repetir que não se deve empregar, que não se deve usar e tampouco abusar da velha ironia, velha por velha, tua pena também o é e não poucas foram as vezes em que cedeste à triste ironia para respaldar teus escritos. Da minha parte não deixarei, não negarei e nem me voltarei contra a ironia.

Digo isto com um sorriso de meia boca na face e uma pena faceira que teima em escrever, mesmo em tempos de internet.

Tudo isto é a mais pura verdade e tenho o dito.

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