quarta-feira, janeiro 05, 2011

Por amor às ilusões: Você vai conhecer o homem dos seus sonhos



" when you wish upon a star, makes no difference who you are

anything your heart desires will come to you"


Tema da abertura: When you wish upon a star



É com esta música tão singela que se inicia You will meet a tall dark stranger (EUA, 2010). No Brasil, o título foi traduzido para "Você vai conhecer o homem dos seus sonhos", tudo bem, a tradução está ok, tão diferente do que fizeram com o ótimo "Whatever works", do ano passado. Woody Allen se mantém ativo com seus filmes anuais, filmes que, justamente pela frequëncia, correm o risco de se tornarem repetitivos, que percebamos cada vez mais claramente as obsessões atuais do diretor/roteirista.


Quando se trata do novo de Woody Allen, parece que não é bem o caso. No entanto, percebe-se uma tendência atual , desde "Tudo pode dar certo", de falar com simplicidade sobre os dramas psicológicos humanos, uma espécie de "lição para se levar a vida", nada tão diferente do que Allen vem fazendo há mais de 40 anos, sendo mais simples, um tom que Allen atinge somente por causa da maturidade.


Neste filme o espectador é presenteado com atuações maravilhosas de Gemma Jones, Antony Hopkins e Lucy Punch ( brilhante no papel da ex-prostituta Charmaine que casa-se com Hopkins) além, claro, de contar com o brilho de Allen que escreveu e dirigiu o filme.


Se eu pudesse dizer de que se trata o filme, poderia dizer que era mais um filme sobre as neuroses nossas de cada dia, tão bem retratadas e flagradas pelas lentes de Allen, poderia também falar que o filme fala sobre família, valores e pudores. Falaria também que o filme trata das ilusões humanas. Ilusões. Este parece ser o tema central, mais do que qualquer um dos citados, o tema que move a narrativa e leva-a ao clímax em que o espectador pode realmente se perguntar: quem será o pior cego: o que não vê ou o que prefere não ver?


Ilusões se espalham pela narrativa do início ao fim. Do início, quando encontramos a ótima Gemma Jones, no papel de uma senhora idosa, abandonada pelo marido que vai a uma cartomante charlatã na tentativa de buscar um sentido para sua vida ou o que o futuro reserva para ela. A cena abre o filme que segue com a voz onipresente de um narrador que explica os caracteres de cada uma das personagens que se entrecruzam durante a narrativa. Este recurso também é utilizado recentemente por Allen em "Vicky, Cristina, Barcelona", dando uma prévia sobre o que se esperar das personagens, especialmente deixando claro ao espectador o modus operandi de cada uma delas e como isto interferirá no desenlace da trama.


Assim, o narrador onipresente nos apresenta Alfie (Antony Hopkins), um senhor de idade, casado com Helena e que, de súbito, assim como quem espirra, resolve levar uma vida saudável, e, nesta nova vida, não há lugar para Helena, com quem foi casado por quarenta anos. De acordo com Alfie, Helena se entregou ao envelhecimento, coisa que ele não faz.


No outro núcleo encontramos Sally (Naomi Watts), filha de Alfie e casada com Roy, um escritor de um livro só, mas médico de formação, vivendo um casamento falido que ninguém tem coragem de dar por encerrado jogando a primeira pá de cal. Outras personagens aparecem na trama, como a jovem musicista Dia, o dono de uma livraria especializada em literatura ocultista Jonathan, o dono da galeria de arte Greg, interpretado por Antonio Banderas, todos, enfim, em busca de suas próprias ilusões, de segui-las até o fim, posto que estas lhes permitem que continuem vivendo.


No velho estilo Allen de ser, há muita ironia e hipocrisia que numa mistura que só Allen sabe fazer, transforma-se em comédia inteligente, como é típico de seus filmes. Se eu pudesse apontar um problema, ou mesmo que não seja um problema, algo que me incomodou foi a velocidade da narrativa, que em alguns momentos pareceu arrastar-se, não percebi o mesmo ritmo em "Vicky, Cristina, Barcelona", nem em "Whatever works/tudo pode dar certo". De qualquer forma, isso é secundário, o tema da ilusão e do quanto elas nos podem ser úteis nos faz reconhecer, novamente, que Allen mantém a velha forma, sarcástico, talvez mais lento, mas, como sempre, indo direto ao ponto: a hipocrisia humana, o ceticismo aparente, e, mais que isso, a fragilidade humana.


Apesar de nos apontar as vicissitudes humanas, isto de ver o que se quer e ouvir apenas o conveniente, tão típico da humanidade. Parece que em You will meet a tall dark stranger, Allen nos aponta um caminho otimista: as ilusões, são elas que nos fazem suportar a vida, fosse de outro jeito, ainda estaríamos deitados, esperando a morte chegar. Em outras palavras : uma ode inesperada à pulsão de vida, a tudo isto que nos faz insistir.

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